“The little things? The little moments? They aren’t little”
Jon Kabat-Zinn
Começo por referir que este artigo tem por base a minha própria experiência de meditação ou mindfulness – como se tornou mais conhecido no ocidente, enquanto praticante e como coach profissional e os benefícios que esta prática pode proporcionar.
O meu contacto com a prática de meditação começou há cerca de 10 anos. Tomei consciência, desde o primeiro momento de que era algo que tinha um impacto positivo em mim – ainda que não sabendo exatamente porquê, ou como – a verdade é que foi preciso passarem uns tantos anos, para que desse o passo de incorporar a meditação na minha vida pessoal e profissional.
O meu acesso ao mindfulness não foi uma decisão baseada na lógica, nem em estudos que comprovam os resultados que, hoje em dia, já se encontram devidamente identificados e suportados pela ciência. Curiosamente a decisão e a correspondente ação deram-se ao utilizar uma ferramenta de coaching: a “Linha da Consequência” [1], um instrumento que se revelou muito eficaz, para ativar os motores de ação. A partir desse momento, gradualmente, a prática de meditação veio a fazer parte da minha rotina diária.
De todos os benefícios que a prática de meditação pode proporcionar a um coach, destaco o impacto que tem em quatro das onze competências core do coaching de acordo com a International Coach Federation:
#1. Princípios éticos e profissionais
“Para que a sua mão direita ignore o que a esquerda faz, ela terá de ser escondida da consciência”
Simone Weil
O mindfulness leva-nos a estar no aqui e no agora. Convida-nos a um olhar sem julgamento e com compaixão, primeiro em relação a nós e depois em relação ao outro. Para que a mente possa estar em equilíbrio no presente, é essencial que a consciência esteja em paz, e isso é um reflexo da nossa conduta. Guia-nos para um caminho em que as ações (físicas, ditas ou pensadas) se pautam por um elevado sentido moral: não fazer, dizer ou ter a intenção de ferir ou prejudicar a si mesmo ou outro. E este princípio essencial no mindfulness, tende a reforçar-se com a prática, e traduz-se em integridade e respeito. No caso do coach reforça o seu compromisso com código de ética subscrito.
#3. Estabelecer confiança e intimidade com o cliente
“There is a voice that doesn’t use words, listen”
Rumi
Existe uma prática de meditação designada de metta bhavana[2] que ativa a capacidade de desejar o bem ao outro (e para nós mesmos). Incorporando-a numa prática regular de mindfulness, este sentimento de bem querença transmite-se sem necessidade de palavras através da nossa capacidade não-verbal. Se levarmos em linha de conta o funcionamento dos neurónios espelho (o neurónio “espelha” o comportamento do outro, como se o próprio observador estivesse agindo), ativados no coachee com esse sentimento, estamos a incentivar a criação de um espaço que promove o respeito e confiança mútuos.
Relembro um exercício de mindfulness, que tem o poder de gerar um sentimento de felicidade interior no próprio: num local público, como seja o open space do escritório, num transporte público ou num café, experimente escolher uma pessoa aleatoriamente. Alguém que não conheça. Com a pessoa em mente, fechando os olhos ou simplesmente focando-se na ideia da pessoa, desejar que esta esteja bem e seja feliz.
#4. Presença em coaching
“The most precious gift we can offer anyone is our attention”
Thich Nhat Hanh
A capacidade para estarmos plenamente conscientes torna-se, com a prática de mindfulness, um estado a que podemos mais facilmente aceder. Quando se fala de prática de mindfulness, é disso mesmo de que se trata: de um exercício regular consciente. Tal como um músculo que se desenvolve quando é exercitado, assim a nossa mente/coração, ao ser exercitada na atenção plena, desenvolve a capacidade de estar plenamente presente numa sessão de coaching.
#5. Escutar ativamente
“Curiosity is more important than knowledge”
Albert Einstein
Com a prática de mindfulness, os filtros com que olhamos para o mundo, tendem a esbater-se e desenvolve-se a aptidão de estar mais presente para o outro com uma atitude de não julgamento. A curiosidade, no sentido citado por Einstein, uma característica inata ao coach surge, assim, ainda mais disponível e estimulada. Fomenta-se a capacidade de concentração total no que o coachee diz e não diz, de forma a compreender o significado do que é dito e não dito, no contexto dos objetivos que pretende atingir.
Como posso ser ainda um melhor coach?
“The privilege of a lifetime is to become who you truly are”
- Carl Jung
Esta perspetiva, relativa ao impacto do mindfulness em quatro das competências core do coaching (sobre a ética, a confiança, a presença e a escuta), demonstra a importância do desenvolvimento interior, orientada por uma forma de estar mais presente e mais consciente.
Acredito que a prática de mindfulness, uma atividade que nos eleva enquanto seres humanos, torna-nos também melhores coaches.
Recursos
Se tiver interesse em iniciar-se na prática de mindfulness, existem vários recursos e ferramentas úteis ao dispor, como:
- Visitar um centro de meditação próximo de si. Se tiver interesse, inscreva-se numa das ofertas de iniciação, como sejam uma introdução ao mindfulness ou mesmo um programa mais longo;
- Pesquisar na internet informação e meditações guiadas disponíveis gratuitamente;
- Utilizar uma app como a InsightTimer (gratuita) para aceder a meditações guiadas;
- Ler “The Brain and Emotional Intelligence: New Insights” de Daniel Goleman e “Sente-se como um Buda” de Lodro Rinzler;
- Para uma experiência mais intensiva sugiro um retiro Vipassana de 10 dias. Existem Centros Vipassana espalhados por todo o mundo.
Autora:
Susana Gonçalves – Coach PCC, Vice-Presidente da ICF Portugal
[1] Livro “Good Questions” by Judy Barber – “What if I do nothing” de David Hyner
[2] Metta bhavana é uma prática de meditação da tradição budista de cultivar bondade amorosa para com todos os seres sencientes. Do sânscrito, metta significa “amor”, “bondade” ou “amizade” e bhavana significa “cultivo”.