Patrícia Jardim da Palma
Professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) – Universidade de Lisboa, coordenadora da Escola de Liderança e Inovação, do ISCSP e da pós-graduação em GRH
Vivemos numa sociedade em rede, global, numa simbiose com as TICs[1], em que a interação entre as pessoas e a partilha do conhecimento nas mais variadas esferas (desde a economia, educação, saúde,…) se disseminam de forma fácil e rápida, numa transformação do “tempo”, do “espaço” e da “própria experiência humana”. Fenómenos como a revolução tecnológica, as alterações climáticas, a híper competitividade do tecido empresarial, as migrações sociais ou o aumento da longevidade fazem cada vez mais parte do nosso dia a dia, implicando mudanças significativas no mundo do trabalho e as próprias relações laborais.
Consequentemente, assistimos a transformações profundas tanto na natureza do trabalho, como no perfil do trabalhador (ao nível das competências hard e soft), o que vem colocar desafios profundos à gestão de recursos humanos. Questões relativas às “novas formas de trabalho”, “mudanças nas condições de trabalho”, “competências associadas a uma maior empregabilidade” ou “estratégias de motivação e retenção dos colaboradores” assumem-se hoje como temas-chave… Por isso, a nível mundial, a “gestão de pessoas” continua a emergir como um dos maiores (se não mesmo o maior) desafio(s) que as empresas e organizações enfrentam, tal como patente no estudo recentemente efetuado pela Sociedade para a Gestão de Recursos Humanos (SHRM)[2], apenas para citar um exemplo.
Neste enquadramento, o presente artigo tem como objetivo discutir o papel do gestor de recursos humanos (GRH), enquanto HR business partner, no âmbito do novo framing de gestão de pessoas. Após a explicitação dos cinco papéis do GRH, devidamente enquadrados no paradigma dos múltiplos grupos de interesse (multistakeholders), este artigo pretende avançar para um novo paradigma – colaboradores como coprodutores do negócio – e propor um sexto papel para o GRH. Desta forma, o presente artigo espera contribuir para uma gestão de RH que promova não apenas o alinhamento das pessoas com o negócio, mas que impulsione as pessoas para a coprodução do negócio!
Os cinco papéis do gestor de RH
A conceção do GRH enquanto business partner foi popularizada pelo professor Dave Ulrich, que é considerado pela prestigiada Business Week como o guru número 1 na área da Gestão. Ulrich parte da função estratégica que a seu ver o GRH deveria desempenhar – assente nos quatro papéis-chave[3]: estratégico, gestor da mudança, gestor do bem-estar e responsável administrativo – e avança com a ideia de parceria. Nas palavras deste reputado académico[4], as organizações bem-sucedidas conseguem alcançar os objetivos estratégicos do negócio através do alinhamento das suas pessoas com o seu negócio, processo designado por HR business partnering. Desta forma, o GRH desempenha menos o papel de gestor, assumindo, cada vez mais, o papel de consultor de RH, trabalhando em estreita parceria com os líderes no desenho das políticas mais ajustadas de gestão, motivação, desenvolvimento ou retenção dos ativos humanos, em prol da missão e dos objetivos estratégicos da organização.
Em termos operacionais, o GRH assume, assim, a responsabilidade por cinco papéis (figura 1): 1) Centro de Serviços – coordenando as tarefas administrativas de forma centralizada e estandardizada (exs.: processamento de salários, pensões, gestão de benefícios), muitas vezes em diferentes regiões geográficas ou em formato de outsourcing; 2) RH Corporate – garantindo que os RH trabalham de forma alinhada com o negócio, assegurando o seu desenvolvimento profissional e gerindo a cultura da organização; 3) RH Infusão – trabalhando diretamente com os gestores intermédios na clarificação da estratégia, monitorização da performance e na gestão dos talentos organizacionais; 4) Centro de Expertise – atuando como uma consultora especialista dentro da própria organização, diagnosticando necessidades, propondo novos serviços para um melhor ajustamento com a estratégia da organização ou desenvolvendo uma comunidade interna de aprendizagem e 5) Execução Operacional – implementando as ideias e as estratégias definidas, devidamente austadas ao negócio e aos clientes.
Imbuída na filosofia da Gestão Estratégica das Organizações[5], esta nova visão do GRH emergiu da constatação do papel que as próprias organizações desempenham na sociedade, o que implica “olhar” para os múltiplos grupos de interesse que dela fazem parte (exs.: investidores, clientes, concorrentes ou governo). A ênfase neste paradigma multistakeholders[6] tem produzido mudanças ao nível da própria noção de “eficácia”, deixando esta de estar meramente centrada nos critérios técnicos da profissão (exs.: do descritivo de funções ou da satisfação dos colaboradores), para passar a integrar critérios valorizados por todos os grupos de interesse (exs.: satisfação do cliente, ROI ou quota de mercado).
Esta viragem estratégica representou um avanço para a GRH, dado que os RH passaram a ser encarados como o fator diferenciador nas organizações. Enquanto tal, as organizações passaram a apostar fortemente nos seus RH, investindo na implementação de práticas de atração, desenvolvimento e retenção de pessoas de excelência. Tal investimento foi posto em prática sempre com o mesmo objetivo: transformar os colaboradores em talentos[7], capazes de desempenhos de excelência que promovam o crescimento e a inovação da organização no mercado.
No entanto, as grandes transformações de natureza económica, política, social ou tecnológica, que assolam hoje a nossa sociedade, têm vindo a imprimir mudanças tanto nas organizações – que precisam ser mais competitivas e inovadoras – como nas próprias pessoas – que procuram autonomia, gratificação e desafios crescentes no seu trabalho (especialmente quando levamos em consideração as novas gerações[8]). Neste enquadramento, não basta direcionar o foco para o exterior: é preciso atender às necessidades, valores e expectativas dos próprios colaboradores.
A emergência de um “sexto” papel do gestor de RH
Um olhar atento para as empresas que mais têm crescido – como a Google, a Procter & Gamble ou a 3M – revela-nos que estes se tratam de contextos inovadores, onde os colaboradores estão constantemente a procurar novas oportunidades e projetos desafiantes. Por outras palavras, estas são organizações onde os colaboradores mostram uma atitude empreendedora e procuram empreender internamente, i.e., são empreendedores corporativos.
Mas o que é, afinal, o empreendedorismo corporativo?
O empreendedorismo corporativo é um modus operandi em que os próprios colaboradores assumem um papel ativo na busca de inovação da sua própria organização: pesquisam a concorrência e propõem acrescentar algo de diferenciador, quer através da melhoria da oferta já existente (ex.: novo programa de formação ou novo serviço pós-venda), quer através da proposta de novos projetos ou linhas de produto.
E são muitos os benefícios do empreendedorismo corporativo, tanto para as organizações, que se tornam mais inovadoras e diferenciadoras no mercado, como para as pessoas. Para as pessoas, o empreendedorismo corporativo assume-se cada vez mais como uma ferramenta de excelência na motivação e na gestão da carreira dentro das organizações. Quando as oportunidades de carreira verticais tendem a escassear (muitas pessoas atingem o topo relativamente cedo), a desmotivação tende a proliferar entre os colaboradores (que sentem que ainda têm “muito para dar”), gerando perdas substanciais para a própria organização (que muitas vezes vê a sua “melhor força de trabalho” sair, em busca de novos desafios).
É neste contexto que o empreendedorismo corporativo se torna tão estratégico, dado que torna possível aos colaboradores identificarem e proporem novos projetos, novos programas a serem desenvolvidos internamente (na organização), sob a responsabilidade desses mesmos colaboradores. E são muitos os casos de empreendedorismo interno no nosso tecido organizacional: no setor público – a título de ex., uma faculdade onde um professor proponha um novo curso pós-graduado; no setor privado – por ex., um consultor sénior de uma consultora financeira que aposta na criação de uma nova linha de serviços, a consultoria RH; no terceiro setor – por ex., uma associação desportiva que introduz uma nova modalidade desportiva[9].
Estes casos de sucesso vêm apontar para uma tendência crescente dos RH nas organizações: as pessoas procuram projetos novos e desafios crescentes, que lhes proporcionem gratificação e elas próprias pretendem assumir um papel ativo nesse processo! Por outras palavras, as pessoas querem propor ideias e desenvolver projetos que tenham impacto, i.e., as pessoas querem fazer parte do negócio – os colaboradores pretendem assumir-se, cada vez mais, como coprodutores do negócio! Logo: porque não as organizações criarem as condições para que tal ocorra internamente, na própria organização? Naturalmente que este novo paradigma vem colocar novos desafios às organizações e à própria gestão de RH! As organizações precisam de desenvolver, internamente, as condições (ex.: liderança, autonomia, práticas de gestão), assim como as pessoas têm que desenvolver as competências (ex.: proatividade, resiliência, networking) que promovam o empreendedorismo corporativo! É neste quadro que o gestor de RH assume um novo papel: promotor do empreendedorismo corporativo (fig. 2).
Conclusão
Os desafios crescentes da atual sociedade, em termos económicos, políticos, tecnológicos ou sociais, têm imprimido nas organizações uma pressão contínua para a inovação e a diferenciação. Do lado das pessoas, a procura constante de novos reptos e realizações profissionais torna o empreendedorismo corporativo uma ferramenta por excelência de motivação e gestão de carreira! Através do empreendedorismo corporativo, as organizações e a gestão de RH cria as condições necessárias para que as pessoas possam propor e gerir projetos inovadores. Desta forma, os colaboradores tornam-se agentes ativos no desenvolvimento do próprio negócio – os colaboradores assumem-se como coprodutores do negócio – com benefícios para as organizações e as próprias pessoas!
Enquanto HR business partner, o GRH, para além dos cinco papéis atribuídos, passa a responsabilizar-se por um sexto: o de promotor do empreendedorismo corporativo, desenhando um sistema de gestão de RH e desenvolvendo as competências promotoras do empreendedorismo corporativo nas organizações. Desta forma, o GRH passa não apenas a gerir RH, mas a gerir pessoas em alinhamento com o próprio negócio. Desta forma e tendo como pano de fundo a parceria pessoas – negócio, o GRH passa a gerir as pessoas enquanto motores do desenvolvimento do próprio negócio!
Notas bibliográficas
[1] Castells, M. (2010)
[2] Estudo levado a cabo pela Unidade Economist Inteligence Unit da Sociedade para a Gestão de Recursos Humanos (SHRM), em 2013.
[3] Conner & Ulrich (1996)
[4] Ulrich, Younger & Brockbank (2008)
[5] Pfeffer & Salancik (1978)
[6] Paradigma dos Múltiplos Grupos de Interesse. As implicações deste Paradigma para a GRH têm sido amplamente discutidas por diversos autores, como Jackson, Schuler & Jiang (2014), apenas para citar um exemplo.
[7] Tal como desenvolvido por Ulrich (2008) e outros autores (ex. Caracol, Palma, Lopes, & Sousa, 2016; Palma & Caracol, 2014; Palma & Lopes, 2012).
[8] Farris, R., Chong, F. & Dunning, D. (2002)
[9] Para mais informação, vide ELINOV (2015). Empreendedorismo Estratégico e Desenvolvimento Local. Lisboa: ISCSP. Relatório não publicado.
Referências Bibliográficas
Caracol, C., C., Palma, P. J., Lopes, P. M & Sousa, M. J. (2016). Gestão estratégica do talento na perspetiva individual e organizacional: Proposta de modelo. Psicologia: Organizações e Trabalho, 16 (1): 10-21.
Castells, M. (2010). A Sociedade Em Rede. Editora: Paz Terra.
Conner, J. & Ulrich, D. (1996). Human resource roles: Creating value, not rhetoric. Human Resource Planning, 19 (3):38.
EIU/ SHRM Foundation Survey (2013). Managing human resources in a changing world.
Farris, R., Chong, F. & Dunning, D. (2002) Generation Y: purchasing power and implications for marketing. Academy of Marketing Studies Journal, 6 (2): 89-101.
Jackson, S. E., Schuler, R. S. & Jiang, K. (2014). An Aspirational Framework for Strategic Human Resource Management. The Academy of Management Annals, 8 (1): 1-56.
Palma, P. J. & Caracol, C. C. (2014). Gerindo Talentos: A Vantagem Competitiva do Gestor de Recursos Humanos. RHmagazine, julho/agosto, pp. 26-32.
Palma, P. J. & Lopes, M. P. (2012). Paixão e Talento no Trabalho. Lisboa: Edições Sílabo.
Palma, P. J. & Silva, R. (2014). Proatividade e Espírito Empreendedor. In Palma, P. J., Lopes, M.P. & Bancaleiro, J. Psicologia Aplicada à Gestão. Psicologia Para Não Psicólogos: A Gestão à luz da Psicologia. Lisboa: Editora RH.
Pfeffer, J., & Salancik, G. R. (1978). The external control of organizations: A resource dependence perspective. New York: Harper & Row.
Ulrich, D. (2008). Talent: Making People your Competitive Advantage. San Francisco: Jossey-Bass.
Ulrich, D., Younger, J. & Brockbank, W. (2008). The Twenty-First-Century HR Organization. Human Resource Management, 47 (4): 829–850.