Os jovens portugueses sobrequalificados correspondem a 22,5% dos trabalhadores, sendo este desfasamento entre as competências tidas e as necessárias para as funções um significativo motivo para a emigração segundo divulgado pelo Jornal Expresso, os dados do Eurostat referentes a 2023. Foram recolhidos pelo Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLabor).
Conforme apurado pela mesma fonte, os jovens entre os 20 e os 34 anos, em Portugal, constituem a faixa etária com o maior nível de escolarização do país. A sobrequalificação abrange 16,6% dos profissionais portugueses, especialmente as mulheres, o que corresponde à taxa mais elevada desde 2008.
Rui Pena Pires, Coordenador Científico do Observatório da Emigração, explicou ao Jornal Expresso: “Um dos problemas estruturais do país é a desqualificação dos postos de trabalho. E, se os trabalhos são pouco qualificados, há jovens que se vão embora e há outros que ‘desaprendem’, porque os trabalhos em que estão não lhes exigem que apliquem o que aprenderam. Em ambos os casos, há um potencial que Portugal está a perder”.
Ainda assim, o nível de sobrequalificação tanto dos jovens, como da população em geral, está abaixo da média da União Europeia (UE). Rui Pena Pires confessou ao Jornal Expresso que “(…) apesar do grande salto na escolarização em Portugal, muitos outros países europeus vão à nossa frente e também poderão ter um nível de sobrequalificação superior ao nosso.”
As qualificações escolares na população
Francisco Cantante, investigador do CoLabor e co-autor de um estudo sobre a temática, garantiu à mesma fonte: “Na década de 90, menos de um terço das pessoas empregadas no setor privado tinha qualificações escolares ajustadas à sua profissão e cerca de dois terços (65%) eram subqualificadas. Em 2022, 62% da população empregada tinha qualificações ajustadas à função que desempenhava, isto num contexto de aumento exponencial das qualificações no país.”
Segundo o Jornal Expresso, o investigador concluiu, num estudo que realizou com base nos dados dos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que, em 2018, a sobrequalificação era de 12,6%. Em 2022, já estava nos 14%, o que reflete uma evolução considerada “normal” pelo próprio, que acrescentou, ainda, que mesmo os imigrantes são “muito mais qualificados do que eram no passado”.
Pedro Góis, Diretor Científico do Observatório das Migrações, explicou ao Jornal Expresso: “Pouco se sabe das qualificações dos imigrantes. E o que se sabe é só quando os próprios dão um passo para o reconhecimento das suas qualificações. Mas muitos não o fazem, porque intuem que isso não leva a lado nenhum e que é lento.”
O impacto da sobrequalificação na economia
Para comentar o impacto da questão na economia do país, o Jornal Expresso falou com João Cerejeira, economista do trabalho e professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho: “A sobrequalificação traduz um desajustamento do mercado de trabalho, um desperdício de capital humano. É como se estivéssemos a desaproveitar o potencial produtivo máximo dos nossos trabalhadores, que estão alocados a funções com menor nível de exigência e menor valor acrescentado para a economia.”
E continuou: “Quanto maior é a sobrequalificação de um país, maior o desperdício de capital humano e do investimento que é feito na sua formação. Embora nas últimas duas décadas o país tenha registado um enorme aumento do stock de pessoas licenciadas, a economia não cresceu à mesma velocidade.” O economista justificou a sobrequalificação, através da “(…) manutenção da economia portuguesa num conjunto de setores que continuam a ser de baixa produtividade e a pagar salários baixos.”
“Quanto maior é a sobrequalificação de um país, maior o desperdício de capital humano e do investimento que é feito na sua formação”
João Cerejeira, economista do trabalho e professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
João Cerejeira comentou o impacto da sobrequalificação para os trabalhadores, que “(…) tendem a ter um prémio salarial superior aos restantes, mas abaixo daquele que teriam se estivessem numa função com as qualificações corretas. Começar a carreira numa situação de sobrequalificação é penalizador a médio prazo, porque é mais difícil recuperar o prémio salarial ao longo do tempo.”
Frederico Cantante concordou, partilhando com o Jornal Expresso: “Isto pode ser um problema de curto prazo, que se corrige com o tempo, mas os dados apontam que essa correção é, hoje, mais difícil do que no passado. Se nas gerações nascidas antes da década de 70 a sobrequalificação se invertia significativamente nos primeiros 10 anos de carreira, hoje, nos mais jovens, a inversão já não é tão expressiva. Quem está numa situação de sobrequalificação ao fim de cinco anos de carreira, o […] mais provável é que continue nessa situação (…)”.