Autores:
Jonathan Garigali Pestana – Universidade Europeia
&
Ana Sabino – Universidade Europeia
GESTÃO POR COMPETÊNCIAS E CULTURA, A LIGAÇÃO COMO ELEMENTO POTENCIADOR DE MUDANÇA NAS ORGANIZAÇÕES
A crescente globalização, a rápida evolução tecnológica, a elevada exigência e o clima de incerteza que caracterizam o atual mercado de trabalho têm obrigado as empresas a criarem sistemas de adaptação constante com vista a manter as suas vantagens competitivas perante a forte concorrência (Koornhof, 2003). Este problema é abordado pelo conceito conhecido como o mundo VUCA (Volatitity, Uncertainty, Complexity, Ambiguity), que enfatiza a importância de lidar com este caos, assumindo que o mundo é volátil, incerto, complexo e ambíguo, aceitando esta adversidade e respondendo através de sistemas e processos cada vez mais rápidos e eficientes.
Perante este paradigma, as empresas têm assumido diferentes estratégias capazes de responder ao mundo VUCA. Uma das quais, prende-se com encarar a incerteza através do desenvolvimento de competências dos seus colaboradores, promovendo uma aprendizagem contínua e garantindo assim uma melhor resposta às mudanças e uma clara estratégia de adaptação (Camara, 2017; Schein, 2004). Nesta conjuntura, o colaborador deixa de ser visto exclusivamente como um detentor de uma função, para se tornar um asset mais completo, detentor de um conjunto de características que, quando colocadas na e pela ação, o tornam mais transversal, capaz de se adaptar a diferentes contextos e situações. Como consequência, a Gestão dos Recursos Humanos passa a ver estruturada com base na Gestão e no Desenvolvimento de Competências dos seus colaboradores. Tendo como base os trabalhos propostos por McClelland (1973), Boyatzis (1982) e Spencer e Spencer (1993), Ceitil (2016) propõe uma definição de competências como modalidades estruturadas de ação, que representam comportamentos específicos ou visíveis que se manifestam com certa regularidade e podem ser observados no exercício de diferentes atividades.
Por outro lado, a cultura organizacional também protagoniza um papel central, sendo um conjunto de normas, valores, atitudes e crenças que controlam a interação dos membros da organização e influenciam os seus comportamentos (Cameron & Quinn, 2005; Schein, 2004). Através da integração das dimensões que representam à orientação e estrutura organizacional, resultaram quatro quadrantes categorizados por um conjunto de critérios ou valores contrastantes (e.g. Quinn & Rohrbaugh, 1983) que integram as normas, pressupostos, valores, crenças e atitudes que caracterizam a cultura de uma organização (e.g. Cameron & Quinn, 2005).
Para cada uma destas tipologias / quadrantes verifica-se uma cultura com características opostas e onde simultaneamente, podem-se encontrar culturas paralelas que partilham características semelhantes.
Posto isto, o presente estudo procurou conciliar dois temas críticos na Gestão de Recursos Humanos e no desempenho organizacional – a Cultura Organizacional e a Gestão por Competências.
Dada a carência de estudos que relacionem ambos os constructos, adotou-se um posicionamento exploratório e quantitativo sendo que se pretendeu responder aos seguintes objetivos de investigação:
(1) Identificar as competências de destaque do século XXI;
(2) Compreender em que medida os participantes consideram que as empresas valorizam essas competências;
(3) Compreender se os participantes valorizam essas competências;
(4) Aferir se a Cultura Organizacional influencia a perceção dos participantes sobre a importância atribuída pelas organizações a essas competências;
(5) Aferir se a Cultura Organizacional influencia a perceção de importância que os participantes atribuem a essas competências.
De forma a dar resposta ao primeiro objetivo de investigação, foram realizadas pesquisas em diferentes bases de dados (científicas e não científicas) para identificar os rankings de competências profissionais do século XXI, tendo-se obtido 16 fontes que cumpriam os principais critérios propostos (e.g. terem sido publicadas em artigos científicos, terem sido elaboradas por consultoras de referência). Posteriormente, foram contabilizadas as competências mais frequentes, tendo como resultados 27 competências que se repetiam mais de uma vez. Para sustentar a credibilidade e fidedignidade das fontes, os critérios de seleção foram mais exigentes, tendo sido acrescentado o critério da apresentação e fiabilidade da metodologia adotada para o desenvolvimento do ranking.
Tendo como base a abordagem comportamental da gestão de competências e recomendações metodológicas, a
cada competência foram atribuídos três indicadores comportamentais baseados nas propostas de Newman, Webb e Cochrane (1995, citado por Bulegon & Tarouco, 2015), Camara (2017) e Ceitil (2016). Como forma a dar resposta aos restantes objetivos, foi aplicado um questionário a uma amostra de 276 participantes. Neste questionário foram incluídos os indicadores com comportamentais atrás identificados, tendo sido questionado “Em que medida a sua empresa valoriza os seguintes comportamentos?” (objetivo 2) e ““Em que medida considera os seguintes comportamentos importantes para o seu sucesso profissional?” (Objetivo 3). As respostas foram medidas numa escala de Likert de 7 pontos, sendo “1 – Nada importante” e “7 – Totalmente importante”.
Para a cultura organizacional adotou-se a escala proposta por Felício, Lopes, Salgueiro e Parreira (2007) tendo sido utilizada uma escala de resposta de tipo Likert, variando de “1-Nunca” a “7-Sempre”. O primeiro resultado a destacar prende-se com o facto dos indicadores comportamentais propostos apresentarem elevada consistência interna (.7<Cronbach α <.9). Isto significa que é seguro para as organizações utilizarem os indicadores aqui propostos para avaliarem as 5 competências em análise.
Outra conclusão refere-se ao facto de, apesar dos participantes assumirem que consideram que as suas organizações atribuem importância a estas competências, eles atribuem ainda mais importância para a sua carreira profissional. Nos dois casos, o Pensamento Crítico é a competência percecionada como menos importante. Segundo os participantes, a Orientação para o Cliente é a mais importante para as organizações enquanto que, para os próprios, é o Trabalho em Equipa imediatamente seguido pela Orientação para o Cliente.
Relativamente ao objetivo 4 e 5, antes de estabelecer a relação entre a Cultura Organizacional e as Competências, importa referir que os resultados revelaram uma forte correlação entre as quatro tipologias de cultura propostas, uma consequência parcialmente esperada tendo em conta a proposta de um modelo com características ortogonais onde parte as características de uma cultura estão também noutra tipologia de cultura.
Não obstante, os resultados sugerem também que, efetivamente, a cultura da organização onde trabalha o participante influencia a perceção que ele tem das competências, seja a importância que ele considera que a organização atribui, seja importância que o próprio atribui, e que esta relação é mais forte na perceção dos participantes sobre a importância que as empresas atribuem à organização, o que é expectável, visto estar-se a relacionar contextos organizacionais.
Para a perceção que os participantes têm da importância atribuída às competências pelas organizações, num olhar mais global, realizando um ranking de importância das competências, por tipologia de cultura, verificamos que a Gestão de Pessoas e o Trabalho em Equipa estão no pódio. Significa isto que, independentemente da Cultura, os participantes consideram que estas duas competências são as mais influenciadas pela cultura. No bottom down do pódio, encontramos a Orientação Orientação para o Cliente. Apesar dos participantes considerarem que, para as organizações, esta competência é importante, esta não é tão influenciada pela Cultura Organizacional. No que se refere à importância que os próprios atribuem às 5 competências em análise, também realizando uma análise global, verificamos que a Criatividade assume um papel de destaque, como sendo a competência mais influenciada pela cultura, independentemente da sua tipologia. A Orientação para o Cliente mantém-se como a competência menos influenciada pela cultura.
Como forma de conclusão, importa destacar alguns aspetos.
Primeiramente, os indicadores comportamentais aqui estudados são representativos da respetiva competência, demonstrando que o recurso a esta modalidade pode ser feito como forma de avaliação das competências. Por outro lado, verificou-se também que as competências que os participantes consideram que as organizações mais valorizam não são as mesmas que eles próprios valorizam e que as competências mais influenciadas pela cultura não são as mais valorizadas pelos participantes. Procurámos com este estudo, contribuir para um melhor entendimento da importância em gerir as Pessoas com base nas suas competências, sendo que alertamos as organizações para uma necessária e constante auscultação da sua força de trabalho sobre este tema, procurando criar um alinhamento entre todos os stakeholders que potencie um desenvolvimento continuado das competências dos colaboradores, adotando paralelamente uma clara estratégia de mudança para fazer face à complexidade e incerteza atual.
Uma última nota merece destaque. O presente estudo foi realizado do antes contexto pandémico que vivemos atualmente, pelo que, colocam-se várias questões pertinentes sendo uma das principais o facto de, se se repetisse o estudo que outras competências poderiam emergir e ganhar uma posição de destaque?
Referencias
Bulegon, A. M., & Tarouco, L. M. R. (2015). Contribuições dos objetos de aprendizagem para ensejar o desenvolvimento do pensamento crítico nos
estudantes nas aulas de Física. Ciência & Educação (Bauru), 21(3), 743-763.
›› Boyatzis, R. E. (1982). The Competent Manager: A model for effective performance. New York: John Wiley & Sons.
›› Camara, P. B. (2017). Dicionário de Competências. Lisboa: Editora RH.
›› Cameron, K. S., & Quinn, R. E. (2005). Diagnosing and Changing Organizational Culture: Based on the Competing Values Framework. San Francisco:
Jossey Bass Incorporated.
›› Ceitil, M. (2016). Gestão e Desenvolvimento de Competências. 2. ª Edição. Lisboa: Edições Sílabo, Lda.
›› Felício, M. J., Lopes, A., Salgueiro, F., & Parreira, P. (2007). Competências de gestão: Um instrumento de medida para a realidade portuguesa. Revista
de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, 6(3), 18-30.
›› Koornhof, C. (2003). Accounting Information on Flexibility. Pretoria, South Africa: University of Pretoria.
›› McClelland, D. C. (1973). Testing for competence rather than for” intelligence.”. American Psychologist, 28(1), 1.
›› Quinn, R. E., & Rohrbaugh, J. (1983). A spatial model of effectiveness criteria: Towards a competing values approach to organizational analysis.
Management Science, 29(3), 363-377.
›› Schein, E. H. (2004). Organizational Culture and Leadership. San Francisco: Jossey Bass Incorporated.
›› Spencer, L. M., & Spencer. S. M. (1993). Competence at Work – Models for Superior Performance. New York: John Wiley & Sons, Inc.
Artigo publicado na RHmagazine de janeiro/fevereiro (132)