Autor: Aristides Ferreira, Professor Associado do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Quantas vezes fomos trabalhar estando exaustos e sentimos que, à nossa volta, todos os colegas de trabalho parecem super-heróis? Sim. Aqueles “personagens” que vão trabalhar e que nunca parecem ter problemas. Os mesmos que, dia após dia, mostram estar sempre disponíveis para mais e mais trabalho, nunca revelando as suas fraquezas e dificuldades.
Por vezes, dizemos que estamos cansados, exaustos de tanto trabalho, mas, do outro lado, não recebemos aquele apoio ou ombro amigo de compaixão que parece compreender os motivos do nosso cansaço, da nossa exaustão.
Recebemos, sim, a resposta de alguém que não trabalhou as mesmas 10 horas que nos deixaram exaustos, mas sim mais de 12 horas e que se mostra disponível para trabalhar outras tantas ou, quiçá, mais horas, caso seja necessário, para o bem maior dos interesses da organização. Este sentido de missão e competitividade latente em muitos trabalhadores é propício a um sentimento de culpa que remete muitos trabalhadores exaustos para o anonimato e a solidão.
O que nos trouxe a pandemia?
Quando os trabalhadores têm de lidar com experiências stressantes prolongadas, tendem a diminuir a resiliência associada a uma perceção reduzida dos recursos. Assim, surgiram várias alterações nas atividades diárias dos trabalhadores associadas ao fenómeno da pandemia de Sars-CoV-19. De alguma forma, os indivíduos escondem o seu funcionamento emocional e psicológico após uma tarefa profissional muito exigente, como lidar com pessoas infecciosas, ou com regras e regulamentos restritos.
Alguns trabalhadores enfrentam, também, a pressão social de serem “trabalhadores essenciais”, enquanto outros (por exemplo, músicos, ou atores) sentem uma grande insegurança no emprego e receiam o desemprego de longa duração (Ferreira, 2020).
Estes contextos de trabalho motivam os trabalhadores a esconderem a sua exaustão, mesmo quando se sentem impotentes face às adversidades no dia-a-dia do trabalho. De acordo com a teoria da Conservação de Recursos (Hobfoll et al., 2018), podemos explicar que os trabalhadores esgotados escondem o seu cansaço porque desenvolvem experiências emocionais de vergonha (ou seja, serem julgados, rejeitados e discriminados), devido à necessidade de manter os seus recursos em tempos de incerteza.
Por conseguinte, uma espiral negativa de burnout e os consequentes resultados negativos (por exemplo, angústia, mal-estar, baixa qualidade de vida e desempenho abaixo do ideal) parecem estar associados a contextos em que os trabalhadores sentem desconforto em comunicar os seus problemas de saúde no trabalho (Ferreira, 2020).
As diferentes sombras da vergonha e do burnout
Um estudo realizado no ISCTE por João Belo, para a sua tese de mestrado, procurou identificar de que forma o burnout envergonhado se diferenciava de outras dimensões do burnout, como a exaustão, a despersonalização e a perda de produtividade.
Neste sentido, foi considerado um total de 211 participantes distribuídos por sete cenários distintos que integram um grupo de controlo e situações de cenários em que as três dimensões do burnout eram consideradas com a emoção de vergonha e sem a emoção de vergonha. Após a leitura dos cenários, responderam a escalas de Envolvimento, Satisfação no Trabalho, Perceção de Justiça, Integração e traços de personalidade, Conscienciosidade e Neuroticismo.
Foi possível observar que, na comparação com o grupo de controlo, os cenários de vergonha com o burnout refletem valores mais baixos nos indicadores de envolvimento, satisfação com o trabalho, justiça e integração no trabalho. Por seu lado, foram encontrados valores médios mais elevados nos traços de neuroticismo. Infere-se, com isto, que o burnout envergonhado tem impacto negativo nas organizações.
Diversidade etária e nuances culturais
Com recurso a uma amostra de 280 participantes, procurou-se estudar, numa tese de mestrado desenvolvida por Paula Maiwald (2024), o impacto da idade na relação entre o burnout envergonhado e a discriminação do trabalho atribuída à idade. A mesma amostra, juntamente com outras amostras de participantes de outros países (total = 713), foi utilizada para analisar os valores médios da escala de burnout envergonhado em Portugal, na Alemanha e nos Estados Unidos da América.
A idade aparece-nos como sendo um fator moderador na relação entre o burnout e a discriminação em função da idade, na medida em que é mais elevada para os trabalhadores de idade avançada. Os trabalhadores mais jovens com níveis elevados de burnout foram os que sofreram menos discriminação em função da idade.
Para além disso, os dados mostram que tanto a Alemanha, como os Estados Unidos apresentam valores mais elevados de burnout envergonhado do que Portugal. Estes resultados mostram que diferentes culturas têm diferenças significativas na forma como os seus membros lidam com a exaustão da vergonha de burnout, explicando que a cultura nacional influencia a forma como os membros de diferentes culturas lidam com o stress (Maiwald, 2024).
Implicações
O processo de vergonha do burnout é bastante induzido por comparações sociais e pela perceção de que os trabalhadores não conseguem seguir os padrões elevados e as regras impostas pelas exigências associadas, por exemplo, às especificidades do contexto pandémico da Sars-CoV-19.
Devido aos stressores laborais, os trabalhadores têm tendência a aumentar a perceção de autorresponsabilidade relacionada com o medo de não conseguir cumprir os padrões sociais desejados, o que, em determinadas circunstâncias, implica ir trabalhar mesmo com burnout.
A vergonha do burnout surge quando os trabalhadores auto-monitorizam o seu desejo de causar uma impressão positiva nos colegas, supervisores e na sociedade em geral. Para além disso, os gestores devem assegurar um clima de inclusão da idade, prestando especial atenção aos trabalhadores mais velhos.
Devem dar ênfase a várias formações e práticas, como a formação em diversidade e programas de gestão do stress, e aplicar uma política de diversidade e inclusão para reduzir o burnout, a discriminação em função da idade e a vergonha do burnout. As equipas interculturais devem estar cientes de que o sentimento de vergonha em relação à dimensão de exaustão do burnout pode variar culturalmente.
REFERÊNCIAS
Belo, J. R. M. H. (2024). O impacto do burnout envergonhado em contexto de trabalho (Master’s thesis, ISCTE Business School, Department of Human Resources and Organizational Behavior). ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Ferreira, A. I. (2022). Hiding behind a mask: A multilevel perspective of burnout shame. In Burnout while working: Lessons from pandemic and beyond (pp. 121–138). Routledge.
https://doi.org/10.4324/9781003250531-8
Hobfoll, S. E., Halbesleben, J., Neveu, J. P., & Westman, M. (2018). Conservation of resources in the organisational context: The reality of resources and their consequences. Annual Review of Organisational Psychology and Organisational Behaviour, 5, 103-128.
https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032117-104640
Maiwald, P. C. (2024). Burnout and burnout shame: A moderated mediation model of age and age discrimination (Master’s thesis, ISCTE Business School, Department of Human Resources and Organizational Behavior). ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
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