Autora: Patrícia Duarte, Professora Auxiliar do Departamento de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional do ISCTE -Instituto Universitário de Lisboa
Num mundo em constante mudança, com alterações diversas ao nível tecnológico, demográfico, ambiental, económico, mas também de valores sociais, padrões e estilos de vida, tem-se vindo a refletir sobre como potenciar o progresso económico a par da obtenção de maior justiça social e ambiental.
A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (2015) identifica os objetivos prioritários para o alcance de um padrão de desenvolvimento sustentável, sendo as Pessoas um dos seus eixos basilares, com uma chamada de atenção clara para a necessidade de promover condições de trabalho digno.
A nível nacional, o tema tem sido debatido em diferentes fóruns, tendo dado origem, nomeadamente, à Agenda do Trabalho Digno aprovada pelo DL13/2023, de 03 de abril, na qual se propõe um conjunto de medidas que globalmente visam melhorar as condições de trabalho.
Apesar dos avanços que se têm verificado, todos os dias tomamos conhecimento de situações de elevada insatisfação no trabalho. Seja qual for o motivo ou conjugação de motivos que levam uma pessoa a estar insatisfeita no seu trabalho, sabe-se que tal acarreta o risco de consequências negativas para a pessoa, desde logo ao nível da sua saúde e bem-estar, mas também para a organização, como sejam a perda de produtividade ou a maior rotatividade voluntária (Duarte & Silva, 2023; Ferreira et al., 2017).
A perceção de apoio, consideração e estima por parte da organização pelos contributos dados pela pessoa para a prossecução das atividades e objetivos de negócio é importante para o estabelecimento de uma relação de qualidade e confiança com o empregador (Eisenberger et al., 2020). As estratégias, políticas, e práticas de GRH adotadas por cada organização são indicadores fundamentais de tal apoio e consideração, pelo que importa repensá-las à luz das mudanças societais em curso.
GRH Socialmente Responsável
Numa época em que se debate o papel das organizações na sociedade e urge a necessidade de transição para um modelo de desenvolvimento mais sustentável é fundamental refletir sobre a forma como as organizações gerem as suas pessoas.
As práticas de GRH têm relação estreita com o alcance do ODS8 (Trabalho Digno e Crescimento Económico), mas também com outros ODSs, como sejam o ODS3 (Saúde e Bem-estar), o ODS5 (Igualdade de Género), ou o ODS12 (Consumo e Produção Sustentável).
Na verdade, a forma como as organizações conduzem a sua atividade tem potencial para impactar o alcance de todos os ODSs, pelo que estas entidades são agentes-chave do desenvolvimento sustentável ou, dito de outra forma, do alcance de um maior equilíbrio em termos de prosperidade e de justiça social e ambiental (ONU, 2015).
É fundamental refletir sobre a forma como as organizações gerem as suas pessoas.
É aceite que as organizações devem assumir os seus impactos perante as partes interessadas, por um lado, antecipando e mitigando possíveis impactos negativos e, por outro, maximizando os positivos, numa lógica de criação de valor para todos.
No caso dos trabalhadores, tal implica retomar uma abordagem humanista na gestão de pessoas, muitas vezes secundarizada em detrimento de outras lógicas de gestão. É neste contexto que surge a GRH Socialmente Responsável (GRHSR), que se refere à definição e implementação de estratégias, políticas, e práticas de GRH norteadas pelos princípios de responsabilidade social (Pimenta et al., 2024).
Esta perspetiva implica que a organização incorpore nas suas rotinas de GRH princípios de responsabilidade social e assuma claramente os trabalhadores como uma parte interessada central. Desta forma, a GRH deve incentivar não só o melhor desempenho profissional dos indivíduos, mas também a satisfação das suas necessidades, contribuindo, assim, para o seu bem-estar e satisfação no trabalho (Barrena-Martínez et al., 2019), com reflexos positivos ao nível da competitividade da organização (Sancho et al., 2018).
De acordo com a pesquisa desenvolvida por Sancho et al. (2018), são 5 as principais dimensões da GRHSR:
- Formação e desenvolvimento contínuo, no sentido da promoção da aprendizagem ao longo da vida, capacitação dos trabalhadores em termos dos conhecimentos, aptidões e competências necessárias ao bom desempenho na função, adaptação a desafios emergentes, e contínua empregabilidade;
- Atenção à diversidade e igualdade de oportunidades nas suas diversas dimensões, como, por exemplo, género, idade, origem étnica, atendendo a uma cada vez maior diversidade na sociedade e, por inerência, no mercado de trabalho, mediante o desenvolvimento e implementação de programas que valorizem as diferenças entre pessoas e como estas podem contribuir para uma força de trabalho mais criativa e produtiva;
- Comunicação e transparência, adotando mecanismos formais e informais de comunicação que contribuam para uma cultura partilhada que fomente a confiança e um clima de trabalho recetivo à participação dos trabalhadores, nomeadamente através da partilha de opiniões e propostas de melhoria relativas aos mais diversos aspetos da vida organizacional;
- Equilíbrio entre vidas profissional e pessoal, com a adoção de práticas que promovam a flexibilidade no trabalho e o apoio à família, numa lógica de enriquecimento trabalho-vida e de evitamento de conflito entre diferentes esferas de vida;
- Carreira, referente ao estabelecimento de processos transparentes desde a admissão do trabalhador à sua saída da organização, com processos formais de gestão de carreira, incluindo avaliação de desempenho regular baseada em critérios objetivos.
Impactos da GRHSR
Embora a pesquisa sobre esta perspetiva contemporânea de GRH seja relativamente recente, as evidências sugerem que a mesma tem o potencial de fomentar atitudes e comportamentos positivos no trabalho (Omidi & Dal Zotto, 2022). Estas práticas têm vindo a ser associadas à melhoria do desempenho individual, da satisfação no trabalho e do bem-estar subjetivo, assim como à diminuição da intenção de rotatividade (Barrena-Martínez et al., 2019; Zhao et al., 2022).
Um estudo recentemente realizado por Pimenta et al. (2024), em contexto nacional, revelou que estas práticas contribuem também para a promoção de um maior envolvimento dos trabalhadores no seu trabalho. Tal é explicado, precisamente, pela associação destas práticas a uma perceção de maior apoio organizacional, com reflexos positivos no estabelecimento de um laço afetivo entre a pessoa e a organização.
Sentindo-se valorizadas pela organização – que lhes proporciona experiências e condições de trabalho mais positivas – as pessoas acabam por “vestir mais a camisola”, com resultados positivos em termos do seu envolvimento no trabalho. Ganha a pessoa e ganha a organização, num exemplo claro de uma situação “win-win”.
Estas práticas têm vindo a ser associadas à melhoria do desempenho individual, da satisfação no trabalho e do bem-estar subjetivo, assim como à diminuição da intenção de rotatividade.
Conclui-se que a humanização da gestão de pessoas através de uma abordagem assente nos princípios de responsabilidade social traz benefícios para os trabalhadores, mas também para a organização, com ganhos em termos do seu desempenho e competitividade.
Assim, não só é moralmente desejável, mas também estrategicamente acertado adotar uma abordagem socialmente responsável na gestão de pessoas, que contribua para maior qualidade de vida no trabalho e além deste e para organizações mais prósperas, competitivas e globalmente saudáveis. Como salientado pela Comissão Europeia (2022), “o trabalho digno é do interesse dos trabalhadores, das empresas e dos consumidores em todo o lado: todos têm direito a condições justas e adequadas”.
REFERÊNCIAS
Barrena-Martínez, J., Lopez-Fernandez, M., & Romero-Fernandez, P. (2019). Towards a configuration of socially responsible human resource management policies and practices: findings from an academic consensus. The International Journal of Human Resource Management, 30 (17), 2544-2580.
Duarte, A. P., & Silva, V. H. (2023). Satisfaction with internal communication and hospitality employees’ turnover intention: Exploring the mediating role of organizational support and job satisfaction. Administrative Sciences, 13(10), 216.
Eisenberger, R., Shanock, L., & Wen, X. (2020). Perceived organizational support: Why caring about employees counts. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 7, 101–24.
European Commission. (2022). Communication on Decent Work Worldwide. Acessível em:
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_1187
Ferreira, A., Martinez, L., Lamelas, J., & Rodrigues, R. (2017). Mediation of job embeddedness and satisfaction in the relationship between task characteristics and turnover: A multilevel study in Portuguese hotels. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 29(1), 248-267.
Jamali, D., El Dirani, A., & Harwood, I. (2015). Exploring human resource management roles in corporate social responsibility: the CSR-HRM co-creation model. Business Ethics: A European Review, 24 (2), 125-143.
Omidi, A., & Dal Zotto, C. (2022). Socially responsible human resource management: a systematic literature review and research agenda. Sustainability, 14 (4), 2116.
Pimenta, S., Duarte, A. P., & Simões, E. (2024). How socially responsible human resource management fosters work engagement: the role of perceived organizational support and affective organizational commitment. Social Responsibility Journal, 20(2), 326-343.
Sancho, M., Martínez-Martínez, D., Jorge, M., & Madueño, J. (2018). Understanding the link between socially responsible human resource management and competitive performance in SMEs. Personnel Review, 47 (6), 1211-1243
ONU. (2015). Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015: Transforming our world: The 2030 agenda for sustainable development. General Assembly, United Nations. Acessível em:
https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E.
Zhao, H., Chen, Y., Xu, Y., & Zhou, Q. (2022). Socially responsible human resource management and employees’ turnover intention: the effect of psychological contract violation and moral identity. Journal of Management & Organization, 1-18.