Autor: Paulo Leitão, Talent Acquisition Expert e autor do livro “A Inteligência Artificial enquanto suporte à Aquisição de Talento”
Num mundo caracterizado pela volatilidade, incerteza e mudança constante, a introdução de novas tecnologias torna-se um elemento crucial para a competitividade e relevância organizacional. A Inteligência Artificial (IA) tem sido sinalizada como uma das tecnologias chave para a obtenção de tais resultados, demonstrando a capacidade de revolucionar a totalidade do ciclo de vida do capital humano de uma organização.
No entanto, tal disrupção não se apresenta como algo fácil de obter, quando 70% das iniciativas de transformação digital falham, devido à resistência ou falta de disciplina dos colaboradores e gestores (Saldanha, 2019).
A ausência de conhecimento técnico suficiente entre os decisores organizacionais, combinada com a desconfiança nas soluções de IA, pode gerar resistências significativas à sua adoção, criando vulnerabilidades que os concorrentes podem explorar na atração, retenção e desenvolvimento de talento capaz de impulsionar a produtividade.
Adicionalmente, não devemos ignorar a complexidade do próprio processo de tomada de decisão, onde os líderes de RH precisam de: definir objetivos claros e estabelecer que processos e operações críticas serão impactadas pela mudança; balancear vetores de automação e de exponenciação nas iniciativas de IA; identificar as “dores” dos candidatos/colaboradores e como a IA poderá responder às mesmas ao longo da sua “jornada”; compreender a adequação dos seus dados e modelos algorítmicos às necessidades organizacionais; entre outros.
De forma a concretizar o potencial da IA no âmbito dos RH e maximizar a adoção e uso efetivo de tais tecnologias, os gestores de RH poderão socorrer-se de modelos comprovados, em diferentes geografias e indústrias, que sirvam tanto de suporte para a criação de uma visão forte e cativante sobre a importância dessas ferramentas, como de enquadramento para repensar o negócio e abordar os desafios supracitados.
Os gestores de RH poderão socorrer-se de modelos comprovados
É com base nesta crença que o resto do artigo é dedicado à exploração do modelo TOE (Technology, Organization, Environment) (Tornatzky & Fleischer, 1990), examinando os seus constructos e providenciando exemplos concretos de como os seus principais vetores podem ser considerados pelos líderes organizacionais durante a incorporação de IA nos processos de RH.
Começando pelo vetor Tecnologia, este foca-se nas características naturais da tecnologia em questão e na acessibilidade aos recursos tecnológicos necessários para a sua implementação. Apesar da crescente proliferação de ferramentas e fornecedores de soluções IA ter aumentado o acesso a estas tecnologias, não devemos ignorar que a maioria dos modelos algorítmicos envolvidos em decisões de RH são intrinsecamente complexos. Tal complexidade inerente à IA, poderá promover crenças negativas de autoeficácia nos decisores e colaboradores de RH.
Adicionalmente, se tais crenças forem combinadas com preocupações significativas quanto à segurança e privacidade dos dados processados pela IA, os líderes de RH poderão sentir-se receosos quanto às repercussões da implementação de tais ferramentas, quer ao nível dos riscos reputacionais, quer ao nível das repercussões legais que poderão derivar da falta de adequação do modelo às leis locais, ou a regulações mais abrangentes, tais como o RGPD ou o EU AI Act.
Tais preocupações deverão levar os decisores organizacionais a ponderar sobre a utilização de software providenciado por fornecedores – onde o risco é partilhado, mas existe um menor controlo sobre os dados e o seu processamento – ou procurar desenvolver as suas próprias plataformas internas – com custos mais elevados, mas total propriedade e controlo dos dados e riscos associados.
Embora a complexidade e a explicabilidade sejam características intrinsecamente tecnológicas, os líderes de RH podem atenuar as crenças e preocupações negativas dos colaboradores através de uma formação adequada. Ao planear e preparar cuidadosamente as suas equipas de RH para a mudança, estas formações devem centrar-se na gestão das ferramentas, na compreensão dos critérios e pesos dos algoritmos e na análise de dados.
Quando acompanhadas por uma comunicação clara sobre a integração da IA nos processos de RH e o papel que desempenhará como suporte às equipas, estas ações podem assegurar uma transição mais harmoniosa e promover uma maior adesão por parte dos colaboradores.
Incentivar as equipas para a melhoria contínua, aliando a projetos-piloto estratégicos, torna-se essencial para aumentar as capacidades organizacionais necessárias para uma implementação de sucesso, contribuindo positivamente para o vetor Organização do modelo TOE.
Refletindo as características internas de uma organização, tais como o seu tamanho, estrutura organizacional, processos de comunicação e liderança, preparação e competências dos seus trabalhadores, entre outros, tal vetor poderá justificar porque é que grandes multinacionais e pequenas startups aparecem como os early adopters da IA nos seus processos de negócio.
Grandes multinacionais e pequenas startups aparecem como os early adopters da IA nos seus processos de negócio
No primeiro caso, a economia de escala facilita a célere recuperação do investimento inicial, permitindo a multiplicação e replicação das poupanças obtidas pela redução dos tempos operacionais dos RH. Além disso, estas empresas geralmente dispõem de uma maior quantidade de fundos e colaboradores, que podem ser alocados exclusivamente a esta iniciativa de transformação digital, sem que tal investimento cause interrupções significativas nas restantes iniciativas estratégicas da organização.
Complementarmente, a tradicional complexidade da infraestrutura de IT de tais multinacionais pode reduzir o receio de implementar novas tecnologias, uma vez que o conhecimento interno e as ferramentas existentes podem ser vistos como ativos que podem ser rapidamente implementados e reconvertidos para apoiar estas novas iniciativas.
Tal expertise tecnológica permite igualmente a startups estarem entre os early adopters de soluções de IA, capitalizando o seu capital humano para o desenvolvimento de modelos próprios que representam um investimento financeiro menor quando comparado com outras empresas que não possuem o talento tecnológico necessário para realizar tal projeto.
Após assegurar os elementos tecnológicos e humanos necessários para garantir o sucesso da implementação de uma ferramenta de IA, o decisor de RH deve também analisar a sua equipa de liderança e as lutas de poder existentes na empresa.
Esta análise deve focar-se em identificar as pessoas que atuarão como “Oponentes” (possuindo alta influência organizacional, mas uma visão negativa em relação ao projeto) e aquelas que podem dinamizar uma iniciativa de sucesso, atuando como “Promotores” (possuindo alta influência organizacional e uma visão positiva em relação ao projeto) da mudança necessária.
A gestão e o envolvimento adequado dos diferentes stakeholders revela-se como um aspeto chave que o decisor deve ter em consideração, dada a relevância da equipa de governance para um resultado bem-sucedido. A visão, alinhamento, compromisso, e comunicação da equipa de liderança desempenharão um papel instrumental em garantir uma implementação mais suave da tecnologia de IA no seio dos RH.
Por último, após analisar as capacidades internas da sua empresa, os líderes de RH devem dedicar tempo ao mapeamento do seu ecossistema com foco na velocidade e criticidade da incorporação de tecnologia de IA de acordo com o Ambiente que a empresa navega.
É habitual que as empresas do nosso setor sejam early adopters e usem novas tecnologias nos seus processos de RH, ou esta adoção ainda é vista como uma disrupção significativa? E se for uma disrupção, os nossos candidatos/colaboradores mostram uma reação geralmente positiva à utilização de IA durante o processo, ou estão desconfortáveis e resistentes à utilização de um algoritmo?
Os líderes de RH devem dedicar tempo ao mapeamento do seu ecossistema
Responder a estas e outras questões garante que, independentemente da decisão tomada, iremos permanecer competitivos face aos nossos pares e, simultaneamente, reduzir potenciais riscos reputacionais, assegurando que mantemos a melhoria da experiência do candidato/colaborador como o foco central do nosso trabalho, com a redução de custos a surgir como um subproduto positivo.
Por fim, a nossa análise do ecossistema deve também avaliar as nossas parcerias. Ou seja, se decidirmos usar um software de terceiros para responder às nossas necessidades, quão fiáveis são os nossos parceiros tecnológicos? Temos uma história partilhada que fornece um sentimento de confiança e segurança aos stakeholders envolvidos? Estes parceiros têm o conhecimento e as competências necessários para desenvolver e personalizar estes algoritmos para as nossas necessidades específicas?
De modo geral, fornecem uma rede de apoio e disponibilidade que pode responder às questões e problemas esperados e inesperados que derivam de uma mudança tão significativa? Assim, a escolha de um parceiro estratégico que inspire confiança e demonstre capacidade técnica é fundamental para garantir que a implementação da IA nos RH seja bem-sucedida.
Para concluir, num mundo marcado pela tomada de decisão melhorada pela IA, os líderes de RH precisam abraçar esta tecnologia como um processo de vanguarda revolucionário e não apenas como uma forma de reduzir custos ou pessoal.
Reconhecer a transformação digital como uma jornada contínua e estratégica, onde a IA redefine o futuro dos RH, é imperativo. Integrando-a de forma eficaz, as empresas não só ganham vantagem competitiva, como também criam um ambiente de trabalho mais dinâmico e colaborativo.
No entanto, o sucesso desta transformação depende de uma abordagem holística que considere todos os vetores do modelo TOE, alavancando parcerias estratégicas, liderança visionária e um compromisso genuíno com a inovação. Somente assim as empresas estarão preparadas para vencer a “Guerra pelo Talento” e garantir um futuro sustentável e de sucesso.
REFERÊNCIAS
Saldanha, T.(2019). Why Digital Transformations Fail: The surprising disciplines of how to take off and stay ahead. Berrett-Koehler Publishers, Inc.
Tornatzky, L. G., & Fleischer, M.(1990). The processes of technological innovation. Lexington Books