Autora: Catarina Ferreira, Learning and Development Partner da Mercer Portugal
No último artigo, falámos sobre como aprendemos, do ponto de vista das neurociências. Neste, procuraremos usar a lente da psicologia da aprendizagem, pois também através desta podemos retirar ilações importantes enquanto profissionais de L&D, gestores e líderes.
Ao pensar em processos de aprendizagem, podemos rapidamente falar de quatro categorias: não associativa, associativa, modelagem e processamento cognitivo. Pode dar-se um tipo de aprendizagem denominada não associativa, que acontece quando um determinado estímulo se associa a uma resposta em particular, o que geralmente não acontece de forma consciente.
Por exemplo, podemos de alguma forma aprender que os cães são animais perigosos, por em algum momento associarmos uma experiência negativa, como uma mordida, a um cão. A forte ativação emocional garantirá que este é um episódio a reter, codificando a informação de que cão corresponde a perigo. Esta informação fará assim parte, provavelmente, das suas memórias implícitas – o tipo de informação a que acede de forma pouco consciente – como a aprendizagem de como andar de bicicleta.
Não é que racionalmente passe a acreditar que todos os cães o irão morder, mas porque de forma implícita esta informação foi codificada na sua memória, pode dar-se o caso de que sempre que vir um cão, daquele momento em diante, se sinta preocupado. Neste tipo de situações, o que procura fazer-se é tornar esta memória implícita numa memória explícita ou declarativa, falando sobre a situação até a ressignificar.
Outra forma de aprendizagem pode ser o que chamamos de aprendizagem associativa, seja esta clássica ou operante. O condicionamento clássico, também conhecido como condicionamento pavloviano, foi descoberto pelo fisiologista russo Ivan Pavlov. Neste tipo de condicionamento, um estímulo neutro é associado a um estímulo incondicionado que naturalmente provoca uma resposta.
Um exemplo clássico é o experimento de Pavlov com cães, em que este associou o som de um sino (estímulo neutro) à apresentação de comida (estímulo incondicionado), fazendo com que os cães salivassem (resposta). Após repetidas associações, o som do sino sozinho passou a fazer com que os cães salivassem, mesmo na ausência de comida.
Neste tipo de condicionamento procuramos criar, assim, condições para que um estímulo neutro possa desencadear determinada resposta, ainda que o estímulo incondicionado não esteja presente. Por exemplo, pode associar propositadamente a leitura de um livro a uma respiração mais consciente. Inicialmente, terá que se esforçar por manter esse tipo de presença atenta, ancorando a mesma à sua respiração, mas com o passar do tempo acontecerá que, sempre que abrir um livro, automaticamente, dê por si a respirar de forma mais consciente.
Por outro lado, o condicionamento operante dá-se pela associação propositada de uma recompensa ou punição a uma nova aprendizagem. Estudado pelo psicólogo americano Skinner, neste tipo de condicionamento, o comportamento é modificado através das consequências que recebemos após realizar determinada ação. Um exemplo de condicionamento operante é o treino de um rato em labirinto, em que o rato aprende a pressionar uma alavanca para receber uma recompensa, no caso, comida.
Aqui, podemos definir que, ao terminar a leitura deste artigo, irá levantar-se da sua cadeira e irá comer um quadrado de chocolate negro, enquanto celebra. Alguns estudos têm demonstrado exatamente que a recompensa positiva cria uma espécie de sinalética cerebral, através da difusão de dopamina (outro veículo que percorre o nosso bairro), permitindo ao nosso cérebro “compreender” que este algo que estou a realizar é bom e me trás prazer, logo, é algo a repetir e consolidar. Este tipo de aprendizagem é muito relevante na criação e manutenção de novos hábitos.
A aprendizagem pode dar-se, ainda, pelo efeito de modelagem, quando observamos outros indivíduos, os seus comportamentos e consequências e procuramos copiar e replicar determinados comportamentos observados. A teoria da aprendizagem social, desenvolvida pelo psicólogo Albert Bandura, é amplamente associada à aprendizagem pela modelagem. Segundo esta teoria, os indivíduos aprendem não apenas por meio de reforços diretos, como no condicionamento operante, mas também por meio da observação e imitação de modelos.
E a psicologia cognitiva vem falar-nos ainda de um puro processamento cognitivo da informação, não tanto marcado pelos estímulos presentes, mas sim pela motivação inicial à aprendizagem sentida pela pessoa que está a aprender. A aprendizagem cognitiva baseia-se na ideia de que os indivíduos constroem ativamente o conhecimento e o entendimento do mundo ao seu redor.
Esta abordagem reconhece que os indivíduos não apenas respondem a estímulos externos, mas também interpretam e atribuem significado a esses estímulos com base nas suas experiências anteriores e nas suas estruturas cognitivas.
Ora, a juntar a tudo o que já sabemos pela lente das neurociências, conseguimos deduzir, através destes modelos de psicologia da aprendizagem, que existem mais alguns fatores a considerar:
- Se os colaboradores aprendem por modelagem (exemplo), é fundamental expô-los a casos, histórias e ações que procuraremos que compreendam e repliquem, ou a atividades práticas que possam experimentar e copiar;
- Se os colaboradores consolidam uma aprendizagem pela antecipação de recompensa, mecanismos de celebração e reconhecimento, devem ser estabelecidos, dentro e fora da iniciativa de formação, se for o caso;
- Se os colaboradores aprendem ao estarem auto-motivados para a aprendizagem e ao elaborarem eles mesmos a informação, é necessário saber ler quais as suas necessidades e estratégias de comunicação e promoção têm que ser desenhadas, bem como momentos para reflexão individual e partilha.
Estes últimos pontos estão diretamente relacionados com o que hoje se sabe sobre transferência da aprendizagem. É que, infelizmente, um colaborador pode ter aprendido algo e não dispor das condições para transferir esse algo ao seu contexto profissional… mas disso falaremos, eventualmente, num próximo artigo!
Complemento, assim, a checklist que todos nós, profissionais de L&D, gestores e líderes podemos querer considerar para validar se estamos a criar contextos de aprendizagem eficazes. Pergunto a mim mesmo:
- Ao desenhar a cultura de aprendizagem, tenho em conta aspetos como a criação de uma jornada, a elaboração e aplicação, a repetição, a ativação emocional, a segurança psicológica, a troca social, entre outros aspetos explorados pelo prisma das neurociências, no artigo anterior?
- Incluo exemplos, casos e outros apoios que instigam nos colaboradores os comportamentos ou ações que desejo que modelem?
- Planeio momentos de celebração, recompensa ou reconhecimento?
- Identifico as necessidades de aprendizagem que darão sentido à jornada e motivarão os colaboradores?
- Desenho uma comunicação e feedback eficazes, que automotiva os colaboradores para a aprendizagem e aplicabilidade?
Entendo hoje que, para criar contextos de aprendizagem, é preponderante desenhar para a transferência, entender as necessidades, conhecer os métodos e as técnicas que engajam a nossa audiência e, para mim o mais importante, desenhar jornadas que efetivamente têm em conta a forma como nós aprendemos, do prisma das neurociências e da Psicologia da Aprendizagem. Ao fazê-lo, estaremos a construir um futuro onde a aprendizagem é uma prioridade, impulsionando o crescimento dos nossos colaboradores e organizações.
REFERÊNCIAS
Neuroscience for learning and development. Stella Collins
Aprendizagem Autodirigida: Como os adultos aprendem. Malcolm Knowles
Aprendendo a Aprender: Como desenvolver a sua inteligência. Barbara Oakley e Terrence Sejnowski