Autora: Carla Carvalho Dias, International public speaker, consultant e trainer
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ecentemente o Código do Trabalho passou a prever o dever de abstenção do empregador contactar o trabalhador no período de descanso, “salvo situações de força maior”.
Esta é uma situação que abrange todos os trabalhadores quer estes estejam em teletrabalho ou não.
Tendo em conta a importância da cultura das organizações na sua performance ocorre-me que a necessidade de legislar este tipo de situação não abona a favor da saúde da cultura da maioria das nossas empresas (ou será da cultura das nossas lideranças?). É sabido, desde a revolução industrial, que o excesso de horas de trabalho se traduz em mais erros de processo. Apesar desta ser uma constatação óbvia é igualmente óbvio que ainda existem empresas que promovem o chamado espírito “workaholic” que é muitas vezes acompanhado desta crença de que “estar ao serviço” é coisa de 24/7 principalmente se for um telefonema ou mensagem do “chefe”.
Certo dia, num workshop em que desenhávamos disfunções de processo de gestão de loja, numa empresa de renome internacional, um participante afirmou “um gerente tem de estar 24h disponível”. Na época, questionei o grupo se achava isso razoável e se acreditavam que assim teriam melhor cultura interna e consequentemente melhor serviço aos clientes. Apesar de a grande maioria dizer que não, tínhamos por lá alguns resistentes (gerentes) a defender essa lógica. De notar que o debate surge depois da partilha de um episódio em que o gerente tinha estado de turno toda a noite, mas teria a obrigação de atender o telefone às 09:30 se assim fosse necessário e entenda-se por necessário uma qualquer dúvida. Desengane-se se pensa que esta história tem 20 anos! Passou-se algures entre 2016 e 2017 e arrisco dizer que ainda não terá mudado radicalmente.
Certo dia perguntaram a Louis Armstrong o que era o jazz. A sua resposta foi: “Se tem de fazer a pergunta nunca vai entender a resposta.”
Há assim duas formas de estar em relação ao respeito pela vida dos colaboradores: acreditando que é absolutamente necessário respeitar o tempo privado e de descanso de cada um – uma questão de respeito e bom senso – ou fazê-lo porque temos de cumprir a lei.
Se o fazemos exclusivamente para cumprir a lei, é caso para dizer “nunca vamos entender os seus benefícios”!
Quase soa a estranho escrever sobre coisas tão óbvias, no entanto, continua a ser necessário. Tão necessário que o país acaba por legislar esse direito. Os bons resultados não se conseguem com leis ou decretos conseguem-se, sim, com excelentes lideranças e culturas organizacionais.
Se respeitamos o tempo privado e de descanso de cada um exclusivamente para cumprir a lei, é caso para dizer “nunca vamos entender os seus benefícios”!
Crónica publicada na edição n.º 139 da RHmagazine, referente aos meses de março/abril de 2022.
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