A expectativa com todas as estratégias de mudança é que a própria ocorra de facto e, sobretudo, prevaleça. No entanto, sabemos, tanto em teoria, como, e sobretudo, pela prática, que após as fases de maior disrupção e novidade, muitas mudanças tendem a reduzir o seu ímpeto, chegando mesmo a desvanecer-se por completo. No final, e após fases mais ou menos atribuladas, entusiasmantes e porventura controversas, os cenários deslocam-se progressivamente para uma opacidade medíocre e soçobram à míngua de novidade. Em conclusão, tudo volta ao mesmo.
Por isso, há quem compare os processos de mudança com…os casamentos: ao princípio, são as promessas de aventura, as expectativas generosas de maravilhamento e o sortilégio das coisas ainda por descobrir. Depois, a quotidianidade invade insidiosamente os espaços e a novidade vai cedendo sob o peso da “insustentável leveza” da rotina. A questão central deixa de ser o cenário proactivo e promissor da criação, para dar lugar ao problema insípido e moroso da manutenção.
É verdade que, em certa medida, este “ciclo vicioso” da mudança foi “canonizado” nas ciências sociais com a famosa trilogia de Kurt Lewin: “Descongelamento, Mudança e Recongelamento”. Mas os modelos mais recentes, desenhados em contextos onde a mudança passou a ser “a única constante”, não só já não enfatizam a importância da terceira fase (“recongelamento”), como declaram mesmo a sua impossibilidade, justamente pelo facto de nos movermos numa realidade cada vez mais instável e ambígua.
As comunidades humanas, todavia, e as pessoas, individualmente consideradas, têm fome de significado e, como é habitual dizer-se em relação à política, “têm horror ao vazio”. E isto traz duas consequências possíveis:
– Ou encontram na nova realidade decorrente da mudança alternativas suficientemente apelativas para resignificar um novo sentido de propósito, e aderem, envolvem-se e tornam-se protagonistas proactivos na construção dos novos cenários;
– Ou então a nova realidade não se apresenta para elas com a suficiente solidez e credibilidade para potenciar a superação das dissonâncias cognitivas e emocionais que sempre ocorrem com as mudanças, e começam a tecer reservas mentais e a sentir disrupções emocionais que acabam por minar o ânimo e as convertem em sujeitos passivos ou ativamente resistentes ao processo.
No primeiro cenário, a mudança induz um “novo normal”, realmente diferente, no qual nada, de facto, “voltará a ser como dantes”; mas, no segundo cenário, a hipótese de um “novo normal” é sistematicamente erodida pelas sucessivas incursões dos “salteadores do sentido perdido”, que não descansam enquanto o “novo normal” não volta a ser o anterior normal…de novo.
Os cenários que atualmente vivemos constituem um laboratório existencial particularmente expressivo e interessante (para além do óbvio dramatismo humano que encerram) para perspetivar e analisar os comportamentos humanos face aos grandes desafios com que a situação pandémica e pós-pandémica nos confronta, mais especificamente no que respeita aos modelos e paradigmas de liderança.
Hoje, talvez mais do que nunca nas últimas grandes décadas, há uma convicção generalizada de que os líderes enfrentam “o maior desafio das suas vidas”, designadamente, e como é enunciado numa edição especial da Harvard Business Revue – Summer 2020, o de “how do you lead an organization through a once-in-a-lifetime crisis ?”.
Nos muitos e muito diversificados textos que têm vindo a lume sobre o tema, há uma ênfase enorme colocada na ideia de que os líderes “COVID-10” têm de ser dotados (ou têm de dotar-se) de capacidades humanas mais profundas e distintivas. Essas capacidades são essenciais para poderem gerar os ambientes de confiança que são indispensáveis para que as equipas e os colaboradores possam manter o foco e alcançar níveis elevados de produtividade, em ambientes virtuais, que pulverizam todas as tradicionais lógicas de controlo e de “micro-management”, essas mesmas que têm constituído redutos sólidos da segurança e do conforto de muitos líderes.
A necessidade de maior escuta e de maior atenção às subtilezas das expressões emocionais, alicerçadas numa verdadeira assunção de que as pessoas são o maior ativo para vencer as crises, tornou-se um imperativo das lideranças atuais, marcadas pela dificuldade de conseguir integração e gerar sinergias em ambientes onde cada um trabalha mais isolado e onde a intervenção virtual substitui a relação face-a-face como elemento mediador dos processos de influência.
A questão que subsiste, e à qual só o futuro poderá responder, é se esta alteração dos paradigmas de liderança veio para ficar, como expressão de um “novo normal” realmente novo, no qual os líderes irão atuar cada vez mais como “amplificadores” das capacidades dos colaboradores e das equipas, ou se estaremos perante mais um dos fenómenos de “cosmética comportamental” a que tantas vezes assistimos nas práticas de liderança.
Dito de outra forma: será que no após-COVID iremos passar (ou continuar) a ter de facto verdadeiros “novos líderes”, com conectividade, integridade e compaixão capazes de suscitar a transmutação alquímica que faz com que cada colaborador se conecte com o seu “inner self” e se supere para um nível superior de humanidade, ou voltaremos a ter líderes que, após um tirocínio de alguns meses de humanização, voltarão ao exercício de um “normal anterior” de controlo e supervisão apertados, de desconfiança impenitente e de comportamentos tóxicos que tornam o dia-a-dia de cada um num autêntico inferno, não metafísico?
A resposta, como é óbvio, não a temos. O que temos é a certeza de que, qualquer que ela seja, dependerá…não, não é das circunstâncias nem da evolução dos acontecimentos; ela dependerá sobretudo, e acima de tudo, de nós.