Numa das suas últimas entrevistas, comentava que a cultura da empresa evoluiu, mas os valores não. De que forma é que a cultura evoluiu?
Somos uma empresa com 25 anos e a forma como a cultura da empresa funcionava quando éramos meia dúzia de pessoas, ou cem, era diferente da forma como a empresa funciona hoje, que somos quase 1.500 colaboradores.
Não me canso de reforçar que isso não é um problema. As coisas mudam, mas o importante é os valores manterem-se sólidos. A cultura vai-se adaptando. Conseguimos continuar a crescer de forma sustentável, mantendo uma cultura forte, porque os nossos valores são muito sólidos. São esses valores que nos guiam em muitos momentos e nos definem enquanto empresa. São o nosso DNA.
Em que valores assenta a cultura da Critical Software?
Uma caraterística da Critical Software é gostarmos de desafios. É isso que nos leva enquanto empresa a procurar desafios que muitas vezes parecem fora do nosso alcance. É trabalhar na área do espaço, com a BMW e a Airbus. Essa energia que nos leva a fazer coisas difíceis e complexas que parecem impossíveis é uma caraterística e um valor fundamental da Critical Software.
Outro valor importante é nossa curiosidade e capacidade de empreender. Isto é, a capacidade para correr riscos, falhar, tentar de novo, criar. Esse espírito empreendedor reflete-se na forma como criamos e entramos em novos mercados. Fazemos coisas fora da caixa. Criamos empresas, fazemos joint ventures, ou criamos empresas spin-off. Sabemos que, aqui dentro, é possível empreender e há espaço para corrermos riscos e crescer.
Há um espírito de equipa muito forte. A hierarquia é muito reduzida. Temos, no máximo, três níveis de hierarquia e somos obsessivos em não passar destes três níveis. Isto cria um grande espírito de abertura para partilhar ideias e colaboração. É uma relação que se vive entre nós e também com os clientes.
“Temos, no máximo, três níveis de hierarquia e somos obsessivos em não passar destes três níveis.”
O propósito “a better and safer world” é a vossa missão? É isso que dá energia para criar produtos, abrir novos mercados, colaborar melhor?
Ao fim do dia, queremos saber que construímos um mundo melhor. Sabemos que o podemos deixar melhor do que encontrámos. Essa é a luz que nos guia. Tenho uma máxima que costumo usar muito: a transparência cria confiança, a confiança cria a colaboração, a colaboração cria eficiência e estes são os ingredientes para o sucesso.
“A transparência cria confiança, a confiança cria a colaboração, a colaboração cria eficiência e estes são os ingredientes para o sucesso.”
Somos brutalmente transparentes. Partilhamos dados financeiros da empresa, projetos com problemas ou sem problemas e isso cria confiança. As pessoas sabem que nada está escondido e, quando existe um clima de confiança, as pessoas colaboram com abertura e vontade. É essa a base do valor da colaboração.
A integridade e a honestidade são valores muito importantes. Temos um grande sentido de responsabilidade no que fazemos. Somos responsáveis perante o cliente, as comunidades à nossa volta, o mundo e o planeta. Isto molda a nossa forma de pensar.
É essa cultura do desafio, bem como da transparência e colaboração, que ajuda a atrair e a fidelizar os colaboradores?
É uma combinação. Temos desafios e projetos em múltiplas áreas. Um jovem engenheiro pode entrar para a Critical e trabalha na área de aviação, no ano seguinte pode estar a trabalhar numa área de finance e no outro na área de automotive.
Em termos de carreira, de satisfazer a necessidade de aprendizagem e de curiosidade destes jovens engenheiros, isto é fundamental. Oferecemos esse espaço de crescimento e a cultura de abertura e transparência é conhecida pelos jovens nas faculdades de engenharia e isso acaba por ser determinante na atração desses talentos.
“Oferecemos esse espaço de crescimento e a cultura de abertura e transparência é conhecida pelos jovens nas faculdades de engenharia”
A Critical é uma escola de engenharia brutal, porque trabalhamos em projetos muito complexos, com equipas que sabem muito do assunto e os jovens engenheiros aprendem imenso. Gosto da analogia porque, de certa forma, a nossa empresa é uma escola e estamos a aprender e se conseguimos ser isso para as nossas equipas, é fantástico.
Várias grandes empresas em Portugal são consideradas escolas de engenharia ou de gestão, mas têm um problema: os jovens gostam de as integrar, mas depois não ficam muito tempo. Na Critical não tem sido assim… Felizmente temos uma grande capacidade de retenção destes talentos. Não tenho os números presentes, mas o nosso turn over anda à volta dos 8%, portanto, é muito baixo.
A equipa de gestão da Critical Software também tem muita mobilidade, existindo mesmo um sistema de rotação nos cargos de topo entre o Gonçalo Quadros e o João Carreira (CEO e Chairman). Como funciona e porque é que o escolheram?
Acreditamos que a renovação, o refrescamento e a rotatividade são muito importantes para não se cristalizar numa posição. A maior parte das pessoas não se apercebem quando chegam a esse ponto. Precisamos de desafios novos, de sair da nossa zona de conforto e de experimentar coisas novas, para continuarmos a crescer. Quando fazemos o mesmo muito tempo, começamos a perder criatividade e flexibilidade. Fui CEO da Critical de 1998 até 2006. Depois, precisei de um novo desafio, fui expandir a empresa para os Estados Unidos.
Desempenhava funções na direção da área das vendas. Ou seja, não há problema em passar de CEO para responsável de vendas?
Nenhum. Tínhamos imensas oportunidades e era a pessoa que estava na melhor posição para o fazer. O Gonçalo ficou como CEO na altura e, depois, tivemos outro CEO. Voltei em 2016 e estou a ocupar a posição de CEO, mas não vai ser por muito tempo. Vamos rodar. Temos uma equipa de liderança fantástica, com várias pessoas com capacidade para assumir a posição de CEO da Critical Software.
Como vê a chegada da Inteligência Artificial (IA) às empresas e a respetiva transformação dos negócios?
A IA é uma revolução completa no mundo em geral e na nossa indústria em particular, é uma espécie de movimento de placas tectónicas. Porque a IA vem introduzir um potencial de produtividade e eficiência na construção de software absolutamente extraordinário. Um engenheiro de software faz o trabalho de cinco, ou em 20% do tempo, se for apoiado por ferramentas de IA que existem atualmente. Isto é fantástico e leva a um aumento de produtividade incrível. Obviamente obriga a reposicionar a empresa.
Mas, se um engenheiro com ajuda da IA conseguir fazer o trabalho de cinco, o que acontece aos restantes quatro?
Na nossa indústria, não estou muito preocupado. A falta de engenheiros nesta área é tão grande, que as pessoas vão ser absorvidas. Não vejo desemprego no curto prazo. Preocupam-me outras áreas onde isto já não é tão evidente em que a IA pode criar um contexto em que os benefícios são capturados por alguns e, depois, há uma grande maioria que não beneficia com nada disto e agudiza ainda mais as desigualdades que temos. Isso preocupa-me e acho que é um dos riscos para a humanidade.
No mundo do trabalho, o que vai acontecer às pessoas com a introdução da IA?
Iremos utilizar melhor a nossa inteligência, porque vamos deixar de fazer coisas repetitivas e menos interessantes e focamo-nos nos sistemas e nos problemas. A IA tem a capacidade de aumentar a produtividade dos engenheiros e programadores, mas também pode fazê-lo em todos os domínios e áreas da empresa, RH incluído.
Ainda sobre a IA: como é que fica a confiança e em que é que ainda podemos acreditar?
Esse é um ponto extremamente importante porque, enquanto empresa, o nosso foco é na segurança. Num mundo em que a IA passa a ter um papel central, queremos fazer a diferença e garantir que esta é utilizada de forma segura e fiável pela humanidade. É um desafio imenso. A IA tem potencialidades fantásticas, mas também pode ser muito mal utilizada.
Qual é o vosso principal desafio para os próximos anos, a nível de pessoas?
Somos ambiciosos em relação ao nosso crescimento. Sempre tivemos um plano de crescimento de 20% ao ano e temos mantido. Temos um plano para crescer 100% em três anos, o que implica duplicar a nossa faturação de 2023 para 2026. Obviamente que, para isso, precisamos de talento e o desafio é continuar a conseguir atraí-lo, mantendo os valores e a cultura. Já vimos outras empresas que cresceram demasiado e depois perderam a sua identidade.
Artigo publicado na edição 153 da RHmagazine, referente aos meses de julho e agosto de 2024