No Happiness Camp, em Portugal, comparou a cultura organizacional a um desporto de equipa. Como é que ambos os conceitos se relacionam?
No seu nível mais básico, um desporto de equipa requer um treinador, vários jogadores – cada um com um papel crítico – e, claro, um plano de jogo para o sucesso. O mesmo se aplica ao desenvolvimento e à mudança cultural. As equipas de comunicação são o treinador e os jogadores. Contudo, para que a mudança se realize, é necessária uma equipa que invista na mesma. Especificamente, os Diretores Executivos devem acreditar no valor da cultura e assumir um papel ativo na sua promoção.
Os líderes empresariais precisam de a ver como um facilitador da estratégia empresarial e ajudar a contextualizar o seu significado, para que as suas equipas vejam como se relaciona com a forma como trabalham todos os dias. As equipas de comunicação, compreendendo a estratégia empresarial, podem liderar, de forma a articular os comportamentos culturais, identificar o que é prioritário e encontrar histórias de colaboradores que os reflitam.
As equipas de RH são parceiros-chave, pelo seu conhecimento sobre o que está a incentivar (ou não) os profissionais e sobre a forma como as empresas estão a “viver a sua cultura”. Ademais, são estas equipas que interligam a cultura e toda a experiência do colaborador – desde o recrutamento e a integração, ao reconhecimento e à gestão de desempenho. A cultura tem de ser um motivo de orgulho em todas estas áreas, se a empresa quiser que a cultura faça parte do seu ADN.
Quais são as caraterísticas fundamentais que a comunicação interna deve ter para uma boa cultura organizacional?
Como partilhei no Happiness Camp, os esforços de mudança de cultura podem rapidamente correr mal, se forem assumidos como um projeto autónomo – ou vistos como uma iniciativa de RH. Isso acontece, porque o verdadeiro poder da cultura está na sua capacidade de acelerar a estratégia empresarial e aprofundar a dos colaboradores.
Significa perguntar-lhes, aos colaboradores e aos líderes a todos os níveis, “o que é que a cultura precisa de fazer pelo nosso negócio e pelos nossos colaboradores, para que possamos atingir os nossos objetivos e criar um ambiente em que as pessoas dêem o seu melhor e adorem estar aqui?”
As respostas a esta única pergunta são realmente úteis para o Diretor Executivo ouvir, antes de acrescentar a sua perspetiva. Não só pode constituir a base de uma cultura forte, como o facto de ouvir os trabalhadores desde o início e de os valorizar pode contribuir muito para acelerar a adoção de mudanças culturais.
“O facto de ouvir os trabalhadores desde o início e de os valorizar pode contribuir muito para acelerar a adoção de mudanças culturais.”
Também gosto de sublinhar que, quando se fala de uma cultura “boa” ou “forte”, normalmente significa que a forma como a cultura é descrita interna e externamente é a mesma que a forma como os funcionários a vivenciam, em termos de como os colegas trabalham juntos, como o trabalho é e como as decisões são tomadas – especialmente as difíceis.
As culturas “más” raramente são assim devido à forma como a cultura é descrita, mas sim porque as crenças, normas e comportamentos que os colaboradores vivenciam no dia-a-dia são diferentes do modo como a empresa se descreve. As equipas de comunicação estão bem posicionadas para monitorizar ativamente, gerir proativamente e estar atentas a possíveis desfasamentos entre a cultura e o dia-a-dia.
Como é que os funcionários de uma empresa podem assumir o seu papel na cultura organizacional?
O mais evidente é que os funcionários a demonstrem ativamente nos comportamentos, mas o melhor que podem fazer é aquilo a que chamo de “dizer o nome e acenar” aos colegas que vêem a fazer o mesmo.
Por exemplo, se “desafiar o status quo” é um comportamento cultural, então, quando outro colega está a partilhar uma abordagem alternativa a algo – especialmente quando há uma pessoa de nível superior na sala – é bom obter um reconhecimento positivo e público da prática desse comportamento e, idealmente, por parte dessa pessoa de nível superior. Isto transmite aos colegas a ideia de que praticar a cultura é um ato valorizado, o que os encoraja a fazerem o mesmo.
Como é que os profissionais de RH podem contribuir para a cultura organizacional?
Os profissionais de RH são parceiros absolutamente vitais em todas as fases do trabalho cultural. Como já referi, não só têm conhecimentos sobre as pessoas, como também identificam a melhor forma de incorporar os comportamentos em toda a experiência do colaborador.
Sabem muito, desde os tipos de perguntas que são feitas durante o processo de recrutamento, à experiência de integração, passando pela programação da aprendizagem e do desenvolvimento e pelo modo como o desempenho é avaliado. Os profissionais de RH estão, também, preparados para alinhar as recompensas e o reconhecimento, de modo a refletirem os comportamentos culturais. comportamentos.
Que KPI estão associados a uma boa cultura organizacional?
Voltando à ideia de que a cultura deve estar ao serviço dos resultados empresariais e do envolvimento dos colaboradores, os KPI que mostram a cultura como um fator de apoio aos objetivos empresariais, e uma das principais razões pelas quais os colaboradores se sentem empenhados no trabalho, são os que me parecem mais importantes.
Por exemplo, para saber se as estratégias empresariais conduzem a resultados positivos, os profissionais de comunicação podem perguntar aos empregados: “Em que medida o comportamento X contribuiu para o seu sucesso?”.
Ou: “Qual o comportamento que teve maior influência no seu sucesso e porquê?”; ou ”Qual foi o comportamento cultural que melhorou mais a forma como se sente em relação à empresa?” Naturalmente, se os objetivos não forem alcançados, as perguntas relacionadas com a cultura são, igualmente, úteis para descobrir oportunidades de a mesma se redefinir.
Para além disso, a comparação das pontuações do envolvimento dos colaboradores ao longo de um determinado período é um excelente barómetro, juntamente com o feedback de inquéritos ascendentes sobre a liderança. A chave é garantir que existe algum tipo de benchmarking para saber até que ponto os resultados são significativos.
Que práticas de RH no Spotify e na Mastercard contribuem mais para criar uma boa cultura organizacional?
Lembro-me de quando a CHRO (Chief Human Resources Officer) da Spotify me entrevistou para o meu cargo. Começou por dizer algo do género: “Se és o tipo de pessoa que fica feliz por vir para uma mesa que não está posta e ajudar a pô-la, então, este é o lugar para ti e espero que venhas. Mas, se precisas de uma mesa perfeitamente posta, provavelmente este não é o lugar onde serás feliz”.
Isto diz muito da cultura do Spotify, de um “caos controlado”. Não esperas pelas condições ideais, ou por toda a informação que gostarias de ter antes de agir. Se o fizeres, perdeste uma oportunidade, ou deixaste que a tentativa de atingir a perfeição atrasasse o progresso. É melhor ter um raciocínio sólido e avançar na direção na qual acreditas ser a certa e ajustares, à medida que avanças. Esta cultura permite que a inovação floresça e os colaboradores se sintam à vontade para correr riscos.
“É melhor ter um raciocínio sólido e avançar na direção na qual acreditas ser a certa e ajustares, à medida que avanças.”
Na Mastercard, descobrimos que muitas pessoas achavam que não se podia ser simpático e direto, com um feedback sincero. Embora este valor, para algumas relações profissionais, fosse admirável e contribuísse para o elevado envolvimento dos colaboradores da empresa, também tinha uma desvantagem: a paralisação do progresso.
Porque, embora as diferentes ideias nem sempre fossem expressadas abertamente, acabavam por ser partilhadas após uma reunião, ou numa conversa mais pequena com outro colega. Por isso, decidimos que “dizer o que se quer dizer e quando se quer dizer” era um comportamento cultural fundamental para garantir que podíamos rapidamente ajudar os funcionários a reconhecer que se pode ser construtivamente crítico e altamente respeitador com os outros.
Até porque, de facto, pretendíamos ter ambas as coisas. Esta mudança tem todo o tipo de implicações, quando se pensa em inovação, em ser o primeiro a chegar ao mercado, em ganhar vantagem competitiva, etc.
Qual é o papel dos líderes na criação e na manutenção da cultura organizacional?
Os líderes têm de acreditar verdadeiramente no valor dos comportamentos e servir de modelo. Eu encorajo os líderes a “tornarem-no pessoal” – a falarem com as suas equipas sobre os comportamentos que são mais desafiantes, ou mais fáceis para o líder – e porque é que isso acontece. Todos nós somos humanos e, por todo o tipo de razões, alguns comportamentos são mais difíceis de adotar do que outros.
Lembro que é impossível não ver os comportamentos de uma perspetiva cultural e da família de origem – por exemplo, para alguns, “dizer o que se quer dizer” pode não ter sido um comportamento seguro, ou aceitável, na infância. Por isso, reconhecemos que, para cada um de nós, alguns comportamentos são mais naturais do que outros e isso é normal.
Ter um líder que esteja disposto a ser aberto desta forma, vulnerável e que possa admitir quando está a falhar e corrigir para a próxima vez, contribuirá muito para criar confiança na sua equipa e encorajar os outros a adotar os comportamentos, porque também eles vêem o valor.
Do lado profissional, recomendo que os líderes perguntem às suas equipas como acham que os comportamentos culturais podem facilitar a conquista dos seus objetivos empresariais. Isto cria um sentido de propriedade e de adesão, porque a equipa gerou as ideias. Os indivíduos estão muito mais dispostos a adotar algo, quando são eles próprios a chegar a uma conclusão, em vez de ter um diretor a “vender” o valor da cultura.
Que sugestões pode dar às empresas que pretendam construir uma cultura organizacional forte?
- Solicitar o contributo dos colaboradores para definir os comportamentos que ajudarão a empresa a destacar-se e os mesmos a empenharem-se e a prosperarem.
- Ao construir e descrever a cultura, manter um órgão de decisão sobre as escolhas finais, antes do CEO assinar. Caso contrário, pode gastar mais tempo a fazer com que todos se alinhem, em vez de conseguir a maioria e só depois pedir ao Diretor Executivo a última aprovação.
- Descrever a cultura de forma simples, concisa e numa linguagem prática que todos compreendam.
- Incorporar os comportamentos e a linguagem que utiliza para os descrever em tudo na empresa.
- Encontrar e explorar a forma como os comportamentos culturais ajudaram os colaboradores a aprender, inovar, ter sucesso e interligarem-se uns aos outros.
- Incorporar os comportamentos culturais na aprendizagem e no desenvolvimento, na recompensa e
no reconhecimento e na gestão do desempenho. A mudança cultural acontece, quando as pessoas vêem que não estão apenas a ser compensadas pelo que fazem, mas pela forma como o fazem.
NOTA: Esta entrevista foi realizada enquanto a entrevistada estava a exercer funções no Spotify e na Mastercard.