Autora: Ana Junça Silva, Professora Auxiliar no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Embora o conceito de teletrabalho tenha emergido há quase 50 anos, este regime de trabalho flexível permaneceu relativamente restrito até a pandemia de COVID-19 (Hopkins & Bardoel, 2023). Em termos gerais, o teletrabalho proporciona aos trabalhadores maior flexibilidade e autonomia para decidir o local onde realizam as suas atividades, permitindo-lhes trabalhar e interagir virtualmente a partir de qualquer localização geográfica, minimizando a necessidade de presença física (Naqshbandi et al., 2023).
Isso possibilita, por exemplo, que os trabalhadores ajustem as suas tarefas de acordo com os seus próprios ritmos e picos de produtividade (Grant et al., 2019). Essa flexibilidade pode, ainda, fomentar a agilidade organizacional, uma vez que os trabalhadores conseguem aceder às informações relacionadas com o trabalho de forma mais eficiente, independentemente de limitações temporais ou espaciais (Charalampous et al., 2023).
A turbulência socioeconómica causada pela pandemia global abriu uma oportunidade única para mudanças na forma como os trabalhadores se ligam ao trabalho. O regime híbrido foi apresentado por Beno (2021), como uma modalidade de trabalho em que o trabalhador divide o seu tempo de trabalho entre o local de trabalho tradicional (escritório da empresa) e o trabalho à distância (normalmente a partir de casa, ou a partir de “terceiros locais”, como um espaço de coworking, uma biblioteca ou um café local, etc.).
A forte procura do regime híbrido por parte dos recursos humanos obrigou os empregadores a voltarem a abordar os regimes de trabalho flexíveis e a refletirem sobre a forma de conceber empregos e espaços de trabalho para o futuro (Hopkins & Bardoel, 2023).
Fator motivacional e de atração e retenção de talentos
Segundo uma investigação conduzida pela Harvard Business School (Crawford, 2022), através de entrevistas a 1.500 profissionais que desempenharam funções remotas, constatou-se que 81% destes colaboradores, que estiveram em regime de teletrabalho durante a pandemia, expressaram a preferência por continuar a teletrabalhar, ou optar por um regime híbrido pós-pandemia, evitando assim o retorno integral ao escritório.
Similarmente, um estudo realizado pela McKinsey (Alexander et al., 2021) revelou que 30% dos colaboradores considerariam a possibilidade de trocar de emprego, caso a empresa os obrigasse a adotar um modelo de trabalho exclusivamente presencial (i.e., no escritório). Paralelamente, este estudo evidenciou que 52% dos inquiridos manifestaram o desejo de que as suas organizações adotassem uma abordagem mais flexível, implementando um regime de trabalho híbrido.
Também um inquérito do Future Forum (2022) mostrou que o número de trabalhadores que querem estar no escritório a tempo inteiro desceu para 20%, o valor mais baixo em dois anos. Em junho de 2022, a Gallup realizou um inquérito a uma amostra representativa de 8.090 trabalhadores em teletrabalho nos EUA e concluiu que 60% preferiam opções de trabalho híbridas (Wigert & Agrawal, 2022). Ou seja, a opção pelo regime de trabalho híbrido pode ser um fator diferencial de motivação e que permite atrair e reter talento.
Mais resultados para todos
De acordo com um inquérito da McKinsey & Company, a mudança para o regime de trabalho híbrido parece beneficiar consideravelmente os trabalhadores e as organizações. Do ponto de vista dos trabalhadores, estudos recentes indicam que o regime híbrido está associado a uma redução de 35% no desgaste profissional, sem impactos adversos no desempenho ou nas oportunidades de progressão na carreira, além de uma melhoria significativa na experiência de trabalho (Hopkins & Bardoel, 2023).
De modo semelhante, Bloom et al. (2023) realizaram uma inquirição a 1.612 colaboradores de uma empresa de tecnologia que optou por avaliar o seu modelo de trabalho híbrido. O estudo revelou uma redução de 33% nas taxas médias de desgaste e uma melhoria na satisfação laboral, destacando a perceção dos trabalhadores acerca da flexibilidade oferecida por esse regime.
O trabalho híbrido oferece aos colaboradores a possibilidade de ajustar a semana laboral de acordo com as suas responsabilidades e necessidades individuais, permitindo-lhes equilibrar de forma mais flexível as exigências profissionais e pessoais.
Por exemplo, no estudo de Bloom et al. (2023), os participantes relataram que este regime lhes proporcionava a flexibilidade necessária para, por exemplo, ir a uma consulta médica, ir buscar os filhos à escola, praticar exercício físico ou iniciar uma viagem de fim de semana mais cedo. Zwanka e Buff (2021) argumentaram que essa reestruturação do trabalho, associada à maior autonomia no controlo do horário e local de trabalho, favorece o equilíbrio trabalho-família, permitindo aos colaboradores conciliar múltiplos papéis, incluindo os familiares, pessoais e profissionais.
Além de promover esse equilíbrio, o regime híbrido tem sido associado à redução do conflito entre trabalho e vida pessoal (Hopkins & Bardoel, 2023). Como resultado, não é surpreendente que os trabalhadores em regime híbrido reportem menores níveis de burnout e maiores índices de bem-estar e satisfação laboral (Mutebi & Hobbs, 2022).
O trabalho híbrido também proporciona maior flexibilidade temporal, permitindo uma gestão mais eficiente do tempo e potencialmente aumentando o foco e a produtividade (Wigert & White, 2022), desde que determinadas condições ambientais em casa, como a privacidade visual, níveis aceitáveis de ruído e ausência de distrações, sejam asseguradas (Gratton, 2021).
Embora o regime híbrido reduza, em média, o número de horas trabalhadas em cerca de duas horas nos dias de teletrabalho, essas horas tendem a aumentar nos dias de trabalho presencial e aos fins de semana (Bloom et al., 2023). No contexto global, essa prática tem o potencial de aumentar a positividade e o envolvimento profissional, ao mesmo tempo que reduz o risco de exaustão emocional (Charalampous et al., 2023).
Para as organizações
No que se refere ao impacto nas organizações, o regime híbrido contribui para o aumento dos resultados organizacionais ao promover a melhoria da produtividade (Naqshbandi et al., 2023). Além de favorecer a eficiência individual e coletiva (Iqbal et al., 2021), o trabalho híbrido permite otimizar a qualidade e o design do ambiente de trabalho, reduzir custos operacionais relacionados com o espaço de escritório, como eletricidade, área física e consumo de água, e aprimorar a segurança dos colaboradores.
Entre outros benefícios do regime híbrido, destacam-se o aumento do bem-estar dos trabalhadores, a redução dos níveis de absentismo por doença e uma afetação mais eficiente das tarefas (Mutebi & Hobbs, 2022).
As organizações que adotam este modelo de trabalho apresentam estruturas colaborativas mais inclusivas (Mutebi & Hobbs, 2022), além de maior agilidade e capacidade de resposta às mudanças (Bloom et al., 2023). No entanto, a adoção desse regime também traz novos desafios e questões que precisam ser considerados e geridas de forma eficaz.
Não há bela sem senão…
Apesar dos benefícios já identificados, também há desafios associados a este regime de trabalho. Segundo o inquérito da Gallup (2022), os maiores desafios do regime híbrido incluem a redução da ligação entre trabalhador e a cultura da organização, a pior qualidade das relações interpessoais e os processos de trabalho interrompidos devido a distrações e às diferenças de começar um trabalho a partir de casa e continuar no escritório ou vice-versa.
Este regime cria a necessidade de uma melhor coordenação dos recursos, tanto em casa, como no trabalho (Grant et al., 2019), e uma maior coordenação das reuniões e dos horários, desde determinar quando os outros estão disponíveis e no escritório, até descobrir como conduzir reuniões híbridas com parte dos trabalhadores online e outros no escritório (Wigert & White, 2022). Outros desafios incluem o potencial aumento da intensidade do trabalho e horários de trabalho mais longos (Mutebi & Hobbs, 2022).
Um estudo da Microsoft de 2022 mostrou, ainda, que enquanto a comunicação assíncrona aumenta, a comunicação síncrona diminui, o que torna mais difícil para os trabalhadores trocarem informações mais complexas, convergirem no significado das informações e estabelecerem relações (Babapour Chafi et al., 2022). Adicionalmente, fatores como a tecnologia e suporte técnico devem ser considerados quando se pensa adotar estes regimes de trabalho remotos (seja o híbrido, ou o teletrabalho total).
Por outro lado, a inacessibilidade dos colaboradores quando necessário, a incapacidade de concluir as tarefas de forma oportuna, a menor flexibilidade na resolução de problemas e a maior complexidade em supervisionar a disponibilidade e o desempenho dos mesmos constituem outros dos desafios associados a este regime de trabalho (Sampat et al., 2022).
Outros estudos identificaram que a utilização das TIC para realizar tarefas relacionadas com o trabalho fora do horário de trabalho pode dificultar o “desligar” dos trabalhadores (Mutebi & Hobbs, 2022). Pode ainda levar à perceção de pressão para estar sempre disponível, bem como a um aumento das horas extraordinárias não remuneradas (Naqshbandi et al., 2023).
Conciliar o melhor dos dois mundos
Em suma, a transição do teletrabalho total para o regime híbrido marca uma transformação profunda no cenário laboral contemporâneo, com implicações multidimensionais para trabalhadores e organizações. Esta mudança reflete a evolução das dinâmicas de trabalho, em que a flexibilidade e a autonomia emergem como componentes essenciais para a adaptação aos desafios de um mundo cada vez mais digital e interconectado.
O regime híbrido oferece, assim, uma oportunidade para as organizações reavaliarem e redesenharem as suas práticas laborais, adotando uma abordagem mais flexível e centrada nas necessidades dos seus colaboradores, o que pode resultar em aumentos de produtividade, inovação e satisfação no trabalho.
Para os trabalhadores, o regime híbrido proporciona uma gestão mais eficiente das responsabilidades profissionais e pessoais, promovendo um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, o que se traduz em níveis mais elevados de bem-estar e menor risco de exaustão emocional. Este modelo não só favorece o desempenho individual, como também potencia a coesão e o envolvimento das equipas, criando ambientes laborais mais inclusivos e colaborativos.
Do ponto de vista organizacional, o regime híbrido permite uma maior agilidade e capacidade de adaptação às mudanças externas, otimizando recursos, reduzindo custos operacionais e melhorando a sustentabilidade das operações. Além disso, ao promover práticas de trabalho mais flexíveis, as organizações podem atrair e reter talentos de diversas geografias, fortalecendo a diversidade e a competitividade.
Em última análise, o regime híbrido não é apenas uma resposta às necessidades imediatas de flexibilidade, mas sim um catalisador para a construção de um futuro do trabalho mais sustentável, resiliente e adaptável, capaz de enfrentar os desafios da era digital e de promover uma maior harmonia entre as expectativas dos trabalhadores e os objetivos organizacionais. Como tal, é um potencial fator de diferenciação no mercado laboral atual, servindo como uma estratégia para motivar, atrair e reter os melhores.
REFERÊNCIAS
Alexander, A., De Smet, A., Langstaff, M., & Ravid, D. (2021). What employees are saying about the future of remote work. McKinsey & Company.
https://www.mckinsey.com/business-functions/people-and-organizational-performance/our-insights/what-employees-are-saying-about-the-future-of-remote-work
Babapour Chafi, M., & Cobaleda-Cordero, A. (2022). Methods for eliciting user experience insights in workplace studies: spatial walkthroughs, experience curve mapping and card sorting. Journal of Corporate Real Estate, 24(1), 4-20.
Beno, M. (2021). On-site and hybrid workplace culture of positivity and effectiveness: Case study from Austria. Academic Journal of Interdisciplinary Studies, 10(5), 331–338.
https://doi.org/10.36941/ajis-2021-0142
Bloom, N., Han, R., & Liang, J. (2023). How Hybrid Working From Home Works Out. In NBER Working Paper (Vol. 30292).
Charalampous, M., Grant, C. A., & Tramontano, C. (2023). Getting the measure of remote e-working: a revision and further validation of the E-work life scale. Employee Relations: The International Journal, 45(1), 45-68.
Crawford, J. (2022). Working from home, telework, and psychological wellbeing? A systematic review. Sustainability, 14(19), 11874.
Future Forum. (2022). Future Forum Pulse Summer Snapshot 2022. July.
https://futureforum.com/wp-content/uploads/2022/07/Future-Forum-Pulse-Report-Summer-2022.pdf
Grant, C. A., Wallace, L. M., Spurgeon, P. C., Tramontano, C., & Charalampous, M. (2019). Construction and initial validation of the E-Work Life Scale to measure remote e-working. Employee Relations, 41(1), 16-33.
Gratton, L. (2021 May-June). Doing hybrid right. HBR. Retrieved from:
https://hbr.org/2021/05/how-to-do-hybrid-right?utm_medium=email&utm_source=newsletter_weekly&utm_campaign=weeklyhotlist_not_activesubs&deliveryName=DM128612
Hopkins, J., & Bardoel, A. (2023). The future is hybrid: how organisations are designing and supporting sustainable hybrid work models in post-pandemic Australia. Sustainability, 15(4), 3086.
Iqbal, K. M. J., Khalid, F., & Barykin, S. Y. (2021). Hybrid workplace: The future of work. Handbook of Research on Future Opportunities for Technology Management Education, July, 28–48.
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Mutebi, N., & Hobbs, A. (2022). The impact of remote and hybrid working on workers and organisations (Issue 49).
Naqshbandi, M. M., Kabir, I., Ishak, N. A., & Islam, M. Z. (2023). The future of work: work engagement and job performance in the hybrid workplace. Learning Organization.
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Sampat, B., Raj, S., Behl, A., & Schöbel, S. (2022). An empirical analysis of facilitators and barriers to the hybrid work model: a cross-cultural and multi-theoretical approach. Personnel Review, 51(8), 1990–2020.
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Zwanka, R. J., & Buff, C. (2021). COVID-19 generation: A conceptual framework of the consumer behavioral shifts to be caused by the COVID-19 pandemic. Journal of International Consumer Marketing, 33(1), 58-67.
Obrigada por mais um excelente artigo.