Autor: Carolina Bonina Cariano, Associada Principal de Laboral da CCA Law Firm
O tema do assédio no local de trabalho tem vindo a ganhar cada vez mais relevância ao longo do tempo, estando os empregadores cada vez mais conscientes da importância de garantir um ambiente de trabalho seguro, saudável e, até, agradável aos seus trabalhadores.
Para tal, têm contribuído, em larga medida, as últimas alterações legislativas nesta matéria, que não só mantêm a proibição de práticas de assédio, mas preveem uma série de medidas dissuasoras e que permitem aos trabalhadores sentirem-se seguros para denunciarem estas situações.
É entendido por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente aquele baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Com efeito, constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito já referido.
Por outro lado, como obrigações do empregador, deve existir o respeito e o tratamento do trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a sua dignidade, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes.
As empresas também devem adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores; e a instauração de procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho.
Por este motivo, a maior parte das empresas dispõe hoje de um canal interno de denúncias para permitir aos seus trabalhadores denunciarem, de forma segura, eventuais situações de assédio de que tenham/sejam vítimas, ou de que tenham conhecimento. Adicionalmente, os trabalhadores podem apresentar um pedido de intervenção inspetiva pela prática de assédio, à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e, caso se trate de uma situação baseada no género, à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).
Com o intuito de permitir aos trabalhadores a denúncia destas situações na constância da relação laboral, a lei vem prever que o denunciante, e as testemunhas por si indicadas, não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.
E considera abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador ter alegado ser vítima de assédio, ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio, presumindo-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada, alegadamente para punir uma infração, quando tenha lugar até um ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade, não discriminação e assédio.
Por outro lado, é considerada justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: i) violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; e ii) ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou pelo seu representante.
A lei prevê, ainda, que a prática de assédio confere à vítima o direito a indemnização e que a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças profissionais resultantes da prática de assédio é do empregador.
Importa ainda referir, que a prática de assédio constitui uma contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.
Contudo, e não obstante o panorama legislativo bastante completo com o intuído de proteger as vítimas de assédio no local de trabalho, o qual destacamos pela positiva, tem-se vindo a verificar, no âmbito de processos disciplinares iniciados em virtude de queixas de assédio, que, por vezes, não só não se verificaram efetivamente quaisquer situações passíveis de configurar assédio, como é o próprio denunciante quem pretende, com estas denúncias, desresponsabilizar-se por situações de incumprimento de deveres laborais, ou incompatibilidade com as chefias, ou colegas, ou até mesmo esconder situações em que foi o assediador.
Nestes casos, entendemos que, por um lado, está proibida a imediata aplicação de sanção disciplinar ao assediador no mesmo processo disciplinar; devendo, por outro lado, ser iniciado um novo processo disciplinar, com o fim de apurar as alegadas práticas de assédio ou outras infrações disciplinares e, caso se venham efetivamente a provar, aplicar a respetiva sanção disciplinar.
Por forma a evitar todo e qualquer tipo de prática de assédio, bem como a utilização enviesada ou até maliciosa dos mecanismos que a lei consagra para este efeito, parece-nos cada vez mais importante que empregadores e trabalhadores tenham consciência da importância de adotarem, em todos os momentos, condutas respeitosas para com os seus superiores e inferiores hierárquicos, colegas e quaisquer outras pessoas com quem tenham contacto no seu local de trabalho, evitando comportamentos que causem desconforto aos outros.
Simultaneamente à publicitação da proibição da prática de assédio, dos canais de denúncias e outras medidas semelhantes, deverá ser transmitida, muitas vezes pelos Recursos Humanos a importância da autorresponsabilização e a seriedade que estes mecanismos revestem, não devendo ser usados para outros fins ou com outros propósitos.