Carlos Demony Botelho
Professor universitário e associate member do Maturity Institute
Estarão as organizações melhores sem processos formais de avaliação do desempenho ou acabamos com o baile e com o argumento que a sala está torta? O tema escolhido para esta reflexão versa um dos domínios da gestão de pessoas que possui muito provavelmente, entre as diversas áreas das políticas e práticas de gestão de recursos humanos (GRH), uma posição de especial centralidade em relação ao processo de gestão.
Na realidade, independentemente do ciclo de vida das organizações ser marcado pelo crescimento, estagnação ou mesmo declínio, o foco em gerir o desempenho dos colaboradores e das equipas está invariavelmente presente. Ao contrário daquilo que se passa em vários outros domínios da GRH onde dominam tendências cíclicas, de que são exemplo a formação e desenvolvimento, recrutamento e seleção, ou gestão de recompensas. Acresce ainda o facto do desempenho ser uma temática que os gestores de topo já inscreveram nas suas agendas, o que poderá permitir se devidamente explorado, estreitar pontes entre a GRH e a gestão da organização.
No entanto, a verdade é que se trata de uma área onde existe tudo menos consenso. Espelho desta situação é o facto de se assistir presentemente a uma intensificação das críticas lançadas aos sistemas tradicionais de gestão do desempenho, bastando para tal atender a artigos publicados recentemente em revistas de referência como a Harvard Business Review e a McKinsey Quarterly, onde são avançados diversos argumentos e feitas propostas para a renovação urgente deste processo.
O que parece existir de comum nestas críticas tem a ver com o facto da gestão do desempenho ser considerada uma atividade que consome muito tempo, excessivamente subjetiva, desmotivadora e, em última análise, inútil. Mais sério ainda, é a ideia de que este tipo de processo pode ir ao ponto de diminuir o desempenho dos empregados, na justa medida em que eles se focam numa “guerra” pelas classificações, se preocupam com as implicações a nível de recompensas e tentam encontrar um sentido para o feedback do desempenho que recebem – aliás já este ano foi publicado um livro cujo título é bem ilustrativo deste tipo de enfoque – How Performance Management Is Killing Performance and What to Do About It: Rethink. Redesign. Reboot.
Neste mesmo sentido, deve ser referida a publicação de Rose Mueller-Hanson e Elaine Pulakos (2015) com o patrocínio da SHRM – Society of Human Resource Management e da SIOP – Society for Industrial and Organizational Psychology, com o sugestivo título, Putting the “Performance” Back in Performance Management, onde referem que o estado de insatisfação generalizada com a gestão do desempenho atingiu um ponto particularmente elevado e crítico, com mais de 75 por cento dos gestores, empregados e responsáveis de RH a expressarem a ideia que os sistemas de gestão do desempenho são ineficazes ou imprecisos, de reduzido valor e provocam reações de desmotivação nos empregados, mesmo naqueles tidos como de elevado desempenho.
É oportuno acrescentar a este propósito algumas pistas decorrentes de evidências recolhidas em organizações a operar em Portugal. São dados que obtive em 45 organizações – nacionais e internacionais – sobre alguns indicadores da eficácia percebida do processo de gestão do desempenho, isto é, a validade, a utilidade e a satisfação.
O indicador da validade
Refere-se ao grau em que os instrumentos de avaliação do desempenho medem de forma precisa aquilo que é realizado no âmbito do trabalho, se os componentes mais importantes do desempenho são considerados nas avaliações do desempenho e se gestores e colaboradores estão de acordo em relação àquilo que corresponde a um bom desempenho.
O indicador da utilidade
Engloba temas como se o sistema de gestão do desempenho ajuda os colaboradores a melhorarem o seu desempenho atual, se o sistema de gestão do desempenho ajuda os colaboradores a desenvolverem as suas capacidades e potencial ou, ainda, se o tempo dedicado ao processo de avaliação do desempenho valeu a pena.
O indicador de satisfação
Avaliando-se três critérios de satisfação por parte dos colaboradores: as avaliações do desempenho que receberam, a forma como os gestores realizaram as avaliações do desempenho e o conteúdo das discussões de avaliação do desempenho.
E quanto aos RHs coordenadores dos sistemas de gestão do desempenho? Pois a verdade é que no global e na opinião de 43 RHs a sua perceção é ainda mais favorável do que a expressa por avaliadores e avaliados. Mais especificamente, uma eficácia de 74% em termos de validade, 78% na utilidade e 70% na satisfação.
Apesar deste confluir de ideias a respeito das limitações dos sistemas de gestão do desempenho, é importante não aceitarmos de forma acrítica aquilo que é da atualidade por algo de verdadeiramente novo no campo da gestão. Uma muito breve análise retrospetiva, mostra-nos ser um tema que tem sido com grande regularidade questionado ao longo das últimas décadas. Por exemplo, na década de 50 do século passado, Douglas McGregor (1957), num texto marcante, sublinha a ideia de que os sistemas de avaliação do desempenho tradicionais estariam condenados ao colocarem os gestores na posição insustentável de julgarem o valor pessoal dos seus colaboradores e de agirem a partir daí. Ou, para revisitar um dos autores reconhecido entre os melhores pensadores no domínio da qualidade, W. Deming (1986), que defendeu categoricamente o fracasso dos sistemas de avaliação enquanto prática de gestão e apontando-os como causa de muitos dos problemas de qualidade nas organizações.
Perante este desconforto temos assistido a variadíssimas respostas das organizações na tentativa de melhorarem os seus sistemas de gestão do desempenho. Entre as mais comuns contam-se as seguintes: mudar aquilo que é objeto de avaliação – objetivos, resultados, comportamentos, competências individuais, introduzir modificações a nível das escalas de avaliação, proceder à redefinição de quem intervém no processo de avaliação e no tipo e processo de definição dos objetivos.
No geral, parece-me que muitas destas iniciativas estarão condenadas ao insucesso na medida em que se focam muito nos sintomas e menos nas causas. E, em muitos casos, encerram inclusive algumas contradições, de que é exemplo pretender um sistema mais simples e menos “time consuming” – com uma clara preocupação de eficiência e, ao mesmo tempo, pretender um processo que decorra mais em tempo real e centrado na noção de valor acrescentado.
Concluída esta revisão à situação atual com que as organizações olham para os sistemas de avaliação do desempenho, é tempo para retomar o título deste texto a partir da metáfora entre os sistemas de avaliação e um salão de festas, para sugerir que muitas das vezes é usado o argumento de que a sala está torta para defender a interrupção do baile. Perante tal cenário, a resposta deve ser peremptoriamente que se corrija a sala – leia-se, que desenhemos melhor o processo e os instrumentos –, mas se for antes o caso, muito comum, de serem os dançarinos que não revelam as capacidades necessárias para levarem por diante o baile, então que cuidemos de desenvolver neles essas capacidades e motivações. É necessário cuidar por igual dos aspectos estruturais e dinâmicos do processo de gestão do desempenho.
Neste contexto, não é de surpreender que em muitas organizações o elo mais fraco do sistema de gestão de recursos humanos seja precisamente a gestão (avaliação) do desempenho. Quero começar exatamente por sublinhar o que me parece ser um equívoco de perspetiva que inúmeras organizações comungam, desde aquelas ainda com práticas de RH muito rudimentares até às que já apresentam processos bastantes elaborados, no que respeita ao modo como falam do seu sistema de desempenho.
Na realidade, verifica-se o acentuar da sua dimensão avaliativa, mesmo que debaixo da intenção implícita de ser uma avaliação contínua, para deixarem para segundo plano ou mesmo plano cego, o que de mais fundamental existe neste domínio, ou seja, a dimensão de gerir o desempenho. Esta perspetiva também está presente nos relatórios de contas, numa percentagem elevada das maiores organizações portuguesas – até essas diria! –, em que a noção de avaliação do desempenho é o conceito que domina. Neste mesmo sentido, a leitura de anúncios para posições de RH, permite verificar que incluem recorrentemente como uma das responsabilidades da posição gerir o processo de avaliação.
Dito isto, passarei a refletir sobre as vozes que defendem a abolição dos sistemas de avaliação de desempenho como ato essencial de libertação dos empregados e gestores deste elemento tirânico que lhes torna as vidas mais sombrias. Não sei se já ocorreu ao leitor relacionar a imagem do processo de avaliação enquanto ato meramente de natureza administrativa, ao serviço de uma máquina de controle burocrático que continua a pairar sobre as nossas organizações, com o próprio facto de em muitos dos tradicionais formulários, sejam eles em papel ou online, se usarem cruzes (!). Uma excelente metáfora para associarmos ao calvário dos empregados e seus responsáveis diretos.
São vários os temas que têm de ser equacionados por parte das organizações e da função RH caso desejem inverter esta corrente de pensamento e pensar em encontrar respostas para desenharem os seus sistemas de gestão do desempenho por forma a acrescentar valor, reforçar as capacidades críticas e evitar as consequências negativas tão frequentemente observadas nas organizações.
Entre os temas mais críticos podemos comentar brevemente os seguintes:
. A dificuldade inerente de conciliar num mesmo sistema duas finalidades, de conteúdo e concretização tão distintas, como são a perspetiva administrativa e de desenvolvimento;
. A necessidade de aproximar a dinâmica do processo do ciclo de vida real das organizações, ou seja, passar a ser verdadeiramente contínuo. A tentativa de ajustar artificialmente ao calendário fiscal, vulgarmente jan_dez já não é a resposta. Veja-se, a título de exemplo, a eterna questão de se formalizarem os objetivos de um novo ciclo sempre três/quatro meses depois dos colaboradores já estarem há muito a trabalhar nesse sentido;
. A integração de objetivos individuais e de equipa que possuam uma natureza próxima daquilo que os empregados realizam no contexto das suas funções. Estarei a defender que não faz muito sentido utilizar objetivos de natureza mais macro do género objetivos de departamento e/ou objetivos de empresa? Não, o que sugiro é que esses objetivos macro devem ter um papel de alinhamento e servirem para articular o propósito visado pelos objetivos individuais e de equipa;
. Reforçar a abordagem do processo de gestão do desempenho na dupla vertente, gerir os indivíduos e gerir as equipas. Na prática acabam por ser dois processos complementares, mas a requerer uma atenção diferenciada por parte dos gestores. E deixo a pergunta aos leitores, quão habitual é na sua organização existirem dois tipos de conversas sobre o desempenho, uma conversa individual entre si e o seu gestor, e uma conversa de equipa com todos os membros?;
. Aprofundar o sistema de gestão do desempenho enquanto mecanismo de aprendizagem organizacional, âmbito no qual são referenciados os seguintes aspetos: 1-Partilha de experiências entre os utilizadores, 2- Identificação dos casos de sucesso e dar-lhes visibilidade, 3- Incluir um plano de desenvolvimento, 4- Implementação de um processo de melhoria contínua, 5- Existir uma cultura de desenvolvimento na organização, 6- Constituir a fonte primária de avaliação das necessidades de formação, 7- Fonte crítica de validação de outras intervenções organizacionais no sistema de RH. Neste contexto, importa questionarmo-nos sobre aquilo que a função RH poderá fazer nas organizações a fim de contribuir para melhorar a eficácia deste processo, elevando-o à posição central que deve ocupar no quadro dos processos de gestão. Passar da controvérsia para a consensualidade e da queixa para a crítica construtiva.
O objetivo é reforçar as conversas sobre o desempenho e não que as conversas sejam acima de tudo sobre o próprio processo e as avaliações. De qualquer modo, e na medida em que as organizações vão desenvolvendo o seu nível de maturidade, ganham maior consciência de que não é suficiente adotar algumas ou mesmo todas das assim sugeridas boas práticas de gestão do desempenho para conseguir que o sistema seja excelente. É fundamental que concomitantemente as organizações sejam capazes de desenvolver culturas organizacionais do tipo “performance driven”, as quais demonstram, entre outros aspectos, dar atenção a oito temas centrais (Howard Risher, 2007) (ver tabela abaixo):Sistema de desempenho
Chegados a este ponto é o momento ideal para convidar o leitor a responder de forma sincera a um pequeno assessment do seu sistema de desempenho na componente especifica do seu sistema de medição (D. Sptizer, 2007). Para cada uma das 20 características responda simplesmente, Sim ou Não. E se no total obtiver 15 ou mais pontos é caso para celebrar, pois a sua organização está no bom caminho. Ao contrário, se obtiver menos de 15 pontos é provavelmente sinal de estar perante uma excelente oportunidade para considerar desenhar um plano de intervenção com vista à melhoria do sistema.
Uma última ideia à maneira de conclusão, para referir que o essencial desta discussão não será tanto uma questão de renovar o salão de baile, nem sequer de modernizar o estilo de música ou a decoração, mas antes de começar por mudar o paradigma de avaliar para gerir o desempenho. E fazê-lo na consciência do que tal implica do ponto de vista de princípios e práticas de gestão. Sabendo que a GRH e a gestão do desempenho se combinam de forma ótima, quando o sistema de GRH para funcionar adequadamente necessita de informação válida do desempenho, e o sistema de gestão do desempenho para que seja útil tem de possuir conexões fortes com os outros sistemas de recursos humanos, ainda considera que devemos acabar com o baile porque a sala está torta!?