Artigo publicado na RHmagazine de janeiro/fevereiro de 2021
Autora: Cristina Martins de Barros, RHmagazine
A crise sanitária que atingiu a economia mundial em 2020 transformou profundamente o mercado de trabalho em todos os países, incluindo Portugal. Economistas e observadores destacam que o mercado de trabalho será profundamente abalado por esta crise. Logo que a pandemia nos tocou à porta e enviou uma parte importante da população para casa em teletrabalho, a formação tornou-se essencial para permitir o avanço da economia. De acordo com o estudo realizado pelo IIRH nos meses de novembro e dezembro de 2020, são vários os grandes desafios que têm vindo a emergir no que respeita à formação.
Quase 60% das empresas realizaram, aquando do surgimento da pandemia, ações de formação específicas em várias áreas, entre as quais se destaca a liderança à distância. Muitas ações de formação também se realizaram sobre a questão específica da crise sanitária, em áreas relativas à saúde e segurança no trabalho e técnicas de higienização.
A preponderância de habilidades sociais: alavanca de resiliência em tempos incertos
Segundo as conclusões do estudo realizado pelo IIRH, existem áreas estratégicas que precisam de ser desenvolvidas na formação em 2021 – resultado dos desafios impostos a certos departamentos e setores em 2020. As áreas ligadas ao desenvolvimento pessoal são as áreas privilegiadas em cerca de 87% das empresas, com a formação em liderança para as chefias (75%) a predominar.
Por outro lado, e de forma compreensível, a área de higiene e segurança no trabalho volta às preocupações das empresas: 56% das empresas indicam que pretendem formar pessoas nesta área.
Com o episódio da pandemia, as competências comportamentais, como as que se inserem nas áreas da comunicação, liderança, autonomia, criatividade, gestão do tempo, inovação, entre tantas outras, mostraram toda a sua utilidade. Os colaboradores querem capitalizar estas competências transversais, que provam ser cada vez mais essenciais para um ambiente estável. Estamos, portanto, a testemunhar uma consciencialização do papel fundamental das competências comportamentais nos negócios do futuro.
Como é que a pandemia impactou a formação das empresas? O que se espera do futuro?
A pandemia, os vários confinamentos e o teletrabalho trouxeram o recurso massivo à formação profissional durante os períodos de desemprego parcial e/ou teletrabalho; e o distanciamento social obrigatório obrigou empresas e colaboradores a recorrer à formação online.
Essa adoção forçada do ensino à distância eliminou os últimos receios que ainda existiam relativamente à sua eficácia. Anteriormente, os formatos de e-learning sofriam com uma imagem negativa; hoje, os colaboradores veem este formato como uma forma de aprenderem ao seu próprio ritmo. Mesmo para as empresas, o desafio das mudanças na formação revelou vantagens que dificilmente serão esquecidas num contexto pós-pandemia.
«A área da formação é de rápida adaptação e de fácil mudança, uma vez que já existem várias plataformas de e-learning e comunicação, trabalho colaborativo, etc., consolidadas e de acesso globalizado». Quem o diz é João Monteiro, Diretor de Recursos Humanos da Diatosta. O profissional confessa que a pandemia veio «obviamente mudar muito a forma como abordamos a formação», e explica como as mudanças aconteceram na Diatosta: «Deixamos de poder rentabilizar a sala de formação com grupos de 20 ou 30 pessoas, para pequenos grupos de quatro ou seis pessoas. Optámos por alternativas em regime de e-learning em detrimento das presenciais, e estamos a estruturar a formação para que ocorra com segurança e com as novas regras de distanciamento físico.»
Muitas empresas optaram por avançar com formações online ao invés de cancelar os projetos que visam o desenvolver de competências, e a Prosegur não foi exceção: «Para continuarmos a dar resposta às necessidades de formação fizemos uma adaptação total à nova realidade, desenvolvendo formação maioritariamente à distância ou online, com vantagens significativas para a nossa organização, uma vez que, sendo a Prosegur uma empresa de mão-de-obra intensiva e com elevada dispersão geográfica, conseguimos assim disponibilizar formação aos nossos colaboradores sem que os mesmos tivessem de se deslocar presencialmente a um local, garantindo a sua segurança e ainda com a flexibilidade horária adequada à disponibilidade de cada um, e com tanta ou maior qualidade do que a formação presencial.» As palavras são de Sónia de Oliveira e Sasportes, Diretora de Recrutamento, Seleção e Formação da Prosegur. Para esta profissional, o método formativo à distância é o futuro: «Na atual era digital, a partilha de conhecimentos, experiências e boas práticas já se encontra no patamar tecnológico. O reconhecimento de que esta metodologia veio para ficar é já uma realidade.»
As reações foram diversas: houve empresas a optar pelo cancelamento temporário das formações, outras que escolheram não parar e avançar com iniciativas, e outras que aproveitaram até para reforçar projetos. De acordo com Rui Marques, responsável de RH na Miranda Alliance, esta última opção foi a escolha da empresa: «Não cancelamos formações e fizemos algumas específicas devido à pandemia. Tal como noutras áreas, a formação tem de ter a tecnologia como aliada principal. A formação online e esta nova forma de interagir veio aproximar os nossos escritórios em todo o mundo.»
Frederico Correia Contreiras, learning manager da Fidelidade, confirma que a pandemia deu origem a uma alteração na forma de entrega das formações, e confirma como o processo sucedeu na empresa: «Os temas macro continuam válidos e todas as áreas de apoio aos colaboradores (capacitação digital, trabalhar no novo normal) foram priorizadas.»
Ainda assim, para os colaboradores existem diferenças significativas na forma como a formação é concedida e entregue, e isso revela-se em algumas empresas. Talvez por esse motivo, algumas organizações aguardem o fim da pandemia para darem aos seus colaboradores a oportunidade de uma formação num regime misto. Sandra Mateus, diretora de Learning & Development do Lidl Portugal, aponta para um futuro nesse sentido: «O nosso grande desafio, a este nível, é continuar a manter a formação relevante e apetecível, como melhoria do desempenho individual, adaptando-a a um contexto em mudança, tornando-a mais próxima e misturando métodos e formas de desenvolver aprendizagens, que acreditamos que passam quer por conteúdos digitais, quer por aprendizagens presenciais.»
A profissional acredita que 2021 será, também, um ano de grandes desafios; no entanto, a aposta na formação profissional não irá estagnar e o investimento nos colaboradores «não abrandará». Sandra Mateus relembra que os colaboradores mantêm-se um importante pilar nas empresas, e que a formação permanece vital: «Encaramos este desafio como uma oportunidade, onde temos um caminho a explorar, sempre com o crescimento de cada um dos nossos em mente.»
O desenvolvimento do e-learning ou blended-learning: desta vez é que é?
Em 2021, e para mais de 80% das empresas, o blended-learning (que combina aulas físicas e à distância) será o método de formação profissional dominante. Já para cerca de 10% das empresas, a formação decorrerá apenas em formato online.
Na verdade, os cursos blended, e em particular aqueles que oferecem certificação, estão a tornar-se a norma dentro das políticas de formação. Estes cursos são uma verdadeira alavanca de empregabilidade para os colaboradores, na medida em que oferecem reconhecimento interno e externo e tomam o papel de aceleradores de mobilidade, renovando também a autoconfiança. O blended-learning ou o puro e-learning (micro-learning, módulos, etc.) abrem também caminho para uma nova forma de aprender, mais em sintonia com o ambiente profissional atual.
No entanto, e quando o foco está nas competências comportamentais, ainda pairam algumas dúvidas relativamente ao formato online. Rui Soares, Corporate Human Resources Director da DLS, confessa uma desconfiança relativamente a este formato de formação: «Continuamos a ter algumas dúvidas quanto à eficácia do formato totalmente online para determinadas áreas comportamentais.»
No que à aprendizagem do colaborador diz respeito, será igualmente importante relembrar que a responsabilidade recai não só nas empresas: os colaboradores devem adotar o long life learning, por forma a evitar a obsolescência de habilidades e desenvolver capacidades que permitam fazer frente à incerteza socioeconómica.
Formações curtas e só para os colaboradores da empresa são as prioridades
Em relação aos parâmetros mais técnicos da formação, destaca-se a preferência das empresas por formações cada vez mais curtas em comparação às formações com uma maior exigência horária e repartidas ao longo de várias semanas, de forma a permitir a adequação da formação com o horário laboral.
Clara Trindade, Human Relations Director da L’Oréal, revela os planos da empresa relativamente às tecnicalidades da formação no futuro: «Na L’Oréal teremos uma oferta de formação com mais microformatos (uma ou duas horas de formação) do que macro (dois a três dias de formação), muito mais virtual do que presencial (webinars, virtual classrooms), e com maior foco em temas como a metodologia agile, trabalho remoto e/ou gestão de equipas em remoto, saúde mental, change management, entre outros. Estamos também a criar rituais de learning nas agendas dos colaboradores, de modo a acelerar a nossa cultura de aprendizagem.»
Dificuldades da formação à distância
Ainda que o e-learning traga inúmeros e óbvios benefícios (desde a redução de custos à grande flexibilidade para o aluno, passando pela possibilidade de treinar simultaneamente milhares de pessoas, entre outros), a formação profissional online ainda não é um método perfeito de aprendizagem.
Os profissionais que responderam ao estudo do IIRH assinalam várias dificuldades:
- Falta de motivação e empenho, que constitui o principal risco de fracasso na escolha do e-learning;
- Problemas técnicos: são considerados dos maiores obstáculos à formação online quando se trata de superar possíveis problemas de compatibilidade com sistemas operacionais, navegadores e smartphones, ou ainda problemas de segurança (sem esquecer os bugs);
- Falta de comprometimento com a formação. É verdade que o e-learning oferece uma grande flexibilidade aos formandos, uma vez que as aulas podem ser realizadas em qualquer local e em qualquer altura, ao ritmo que lhes for mais adequado. No entanto, essa flexibilidade pode levar à inação; isto é, os alunos podem carecer de diretrizes, úteis para os ajudar a trabalhar, a evitar a procrastinação e a organizar bem a agenda. Da mesma forma, alguns formandos necessitam também de interações e de relações humanas e sociais para obterem motivação e conseguirem progredir.
Mais uma vez, essas desvantagens devem ser resolvidas de antemão; caso contrário, as empresas correm o risco de que estas desvantagens alimentem a frustração e reduzam a motivação dos alunos do e-learning.
O preço da formação como fator decisivo na escolha
Quando se trata de escolher uma ação de formação profissional para as suas equipas, os responsáveis de formação consideram primeiro, obviamente, o programa da mesma, seguido pelo seu custo e o formador.
Conclusões
A formação foi uma das áreas RH mais atingidas pela crise sanitária e pelo confinamento. Os efeitos mais notáveis foram sentidos no primeiro confinamento quando as formações presenciais foram todas canceladas. No entanto, este confinamento também permitiu aos empregadores dar formação online aos seus trabalhadores confinados e permitiu às empresas de formação transferirem a sua oferta para o digital.
Nestes últimos meses a aprendizagem digital democratizou-se. Em 2021, este movimento vai certamente intensificar-se com as empresas a aumentar o seu investimento na formação profissional online. De notar que os fornecedores da formação investiram para transpor para o digital toda a sua oferta. Neste âmbito, podemos esperar uma melhoria da qualidade pedagógica dos cursos online após uma “zoomificação” inicial da formação. O teletrabalho reforçou a necessidade de competências de utilização de ferramentas digitais e de liderança.
A questão do engagement dos colaboradores tem sido um dos desafios dos responsáveis de recursos humanos nestes últimos anos. Com a pandemia, esta questão tornou-se ainda mais complexa. Para as empresas é crucial que os seus colaboradores tenham um bom domínio das ferramentas digitais e sejam capazes de demonstrar liderança à distância.
Da mesma forma, os números do nosso estudo confirmam que as soft skills são as áreas mais importantes para a formação nos próximos anos.
«Apostamos na criação de nova oferta híbrida ou blended, que combina conteúdos online e sessões de acompanhamento à distância, com formador»
Jorge Lopes, Diretor da Rumos Formação
RHmagazine: Como é que a pandemia, a seu ver, impactou no mercado da formação?
Jorge Lopes: A pandemia teve um impacto importante na formação, na sua dimensão, mas sobretudo no formato. Muitos setores econômicos sofreram um impacto significativo na sua atividade, sobretudo os que estão ligados, direta ou indiretamente, ao Turismo, ao Comércio, e à Restauração, que afetaram imediatamente a formação profissional.
A pandemia, e as consequentes medidas de confinamento e de limitação à atividade e à circulação de pessoas, obrigou-nos a ajustar a nossa estratégia e modelos de negócio, num contexto em que o teletrabalho, a gestão remota das equipas e o desenvolvimento de competências à distância se tornou o novo normal. Esta mudança tem várias dimensões, das quais destacamos três: a oferta formativa, a abordagem ao mercado e aos clientes, e a preparação das nossas equipas.
Como é que a Rumos se adaptou a este impacto?
Desde 2010, a Rumos desenvolve estratégias de ensino à distância, com e-learning (assíncrono), e o Live Training (síncrono). A partir de março de 2020, mantivemos o nosso investimento nessas linhas, desenvolvendo mais conteúdos de e-learning, aperfeiçoando as dinâmicas de formação remota síncrona com a utilização de novas ferramentas e adotando novas estratégias pedagógicas, e apostando ainda na criação de nova oferta híbrida ou blended, que combina conteúdos online e sessões de acompanhamento à distância, com formador. A nossa estratégia de marketing e comunicação seguiu o mesmo caminho de transformação, com uma aposta clara em formatos e conteúdos digitais. Durante este período, desenvolvemos um vasto plano de formação, preparando assim os nossos colaboradores para este novo normal. A pandemia, apesar da quebra de atividade que provocou, acelerou o nosso processo de transformação digital, preparando-nos melhor para a retoma que virá nos próximos meses.
Qual a vossa proposta de valor para os clientes?
A Rumos faz, em janeiro deste ano, 29 anos no mercado da formação profissional e certificação técnica. A nossa proposta de valor assenta em dois pilares essenciais: contribuir para o sucesso das organizações, e das pessoas que frequentam os nossos percursos de formação, e promover uma cultura de aprendizagem e de formação contínua ao longo da vida. Estes desígnios concretizam-se com uma equipa ágil e competente, através das nossas parcerias locais e internacionais, proporcionando ao nosso mercado a formação e certificação nas ferramentas, metodologias e tecnologias mais relevantes e atuais, utilizando modelos de formação motivadores que privilegiam a experiência e o saber fazer, cumprindo assim a nossa visão de que o desenvolvimento das pessoas é a chave para um desenvolvimento económico e social sustentado.
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