Eu sei que, à partida, esta pergunta parece estranha. Mas será que conseguimos mesmo ver a realidade? Ou apenas vemos a realidade que os nossos olhos, portanto o nosso cérebro, nos permitem ver?
Muitos têm sido os avanços ao nível das neurociências e do estudo do comportamento humano durante os últimos anos, apesar de todo o caminho que ainda existe por explorar.
Hoje, podemos compreender um pouco melhor como somos, isto é, como pensamos, como sentimos e como fazemos!
São muitas as abordagens que nos podem ajudar, desde o coaching até ao conscious business, nunca descurando temas como a mentalidade de crescimento (growth mindset), o mindfulness e até a espiritualidade (sem qualquer conotação, na minha abordagem, com religião), entre outras.
Uma coisa é certa, todas se focam no autoconhecimento, na consciência e na capacidade de sermos, cada vez mais, humanas e humanos – três constantes-chave para este novo mundo em transformação acelerada, não digital ou tecnológica, transformação humana, na forma como nos interrelacionamos, como vivemos, como trabalhamos.
Na minha opinião, alguns pontos são essenciais.
1.
É através da linguagem que podemos criar, ou pelo menos declarar, a realidade. Consequentemente, se formos capazes de mudar a forma como falamos de algo, essa realidade muda.
No limite, até o passado podemos alterar (mesmo sem uma máquina do tempo)! Basta (não quer dizer que seja fácil) que consigamos contar uma história distinta e credível sobre o que se passou e que essa história passe a fazer mais sentido para nós.
Portanto se é a linguagem que influencia a nossa realidade, a ferramenta mais relevante que temos para mudar o mundo são as conversas, principalmente se foram construtivas.
Penso que todas e todos concordarão se eu afirmar que palavras diferentes (até tons diferentes) levam a ações/reações distintas. A palavra tem uma força gigantesca, influenciando positiva e negativamente tudo o que está ao nosso redor, contudo nem sempre lhe é dada a devida relevância.
Para além da palavra, toda a linguagem não-verbal tem igual poder, desde que a possamos gerir e interpretar.
2.
Numa conversa entre duas pessoas existem sempre três conversas! A que as duas pessoas estão a realizar uma com a outra e as conversas que cada uma das pessoas terá consigo própria – e são estas últimas que, efetivamente, ficam registadas na nossa memória.
Por outras palavras, se eu estiver a falar com alguém, o que ficou para mim foi a minha conversa interior. Esta conversa interna é, obviamente, baseada na conversa a dois, mas, por outro lado, não deixa de ser uma interpretação da mesma, influenciada por inúmeros fatores que explorarei no ponto seguinte.
Muitas vezes não estamos, efetivamente, a escutar as outras pessoas, ouvimos o que dizem com os nossos próprios filtros.
Já para não dizer que usualmente falamos como outra pessoa como se estivéssemos a falar connosco, dizendo o que nos faz sentido e o que está alinhado com as nossas crenças, não tentando adequar o registo às crenças das outras pessoas.
3.
Temos muita dificuldade em ver os factos tal e qual como eles são.
Acredito que já tenham explorado o conceito da escada de inferências – é através dela que formulamos as nossas opiniões e que tomamos decisões.
Perante um facto, qualquer uma e um de nós faz uma interpretação. Várias pessoas diferentes expostas ao mesmo facto podem senti-lo e verbalizá-lo de forma diferente.
Isto acontece porque a interpretação que fazemos de qualquer facto está inconscientemente enviesada. Existem diversos estudos sobre os enviesamentos inconscientes (unconscious bias), inclusive num deles é apresentado o mapeamento de 188 tipologias diferentes – desta forma, se eu olhar para qualquer facto tenho vários enviesamentos a atuar e dos quais nem me apercebo de forma linear. Para além das lentes dos meus óculos, que me ajudam a ver de forma mais nítida e focada, tenho outras lentes invisíveis que me fazem ver a realidade de forma condicionada.
Dou um simples exemplo: se à minha frente estiver alguém parecido comigo, comportar-me-ei de forma distinta e provavelmente mais favorável para essa pessoa (efeito espelho).
Mas a escada não fica por este primeiro degrau… Depois de termos feito uma inferência dos factos com base nos nossos enviesamentos, acrescentamos ainda os nossos juízos em função das nossas crenças, dos nossos valores e dos nossos padrões. Só depois destes efeitos todos é que chegamos a uma opinião e/ou a uma decisão, que já não estará baseada em factos.
Alguma vez deixaremos de o fazer? Não! Mas podemos estar conscientes que tal acontece, para que possamos descer e subir a escada várias vezes e para nos tentarmos aproximar, o mais possível, dos factos. É este o desafio – temos que nos colocar em causa.
4.
Não existem verdades absolutas!
O que é verdade para mim pode ser diferente da verdade para outras pessoas e isso depende, certamente, da forma como vemos o mundo, do que foi a nossa educação e formação, do que foram as nossas experiências ao longo da vida.
No limite, não existe o certo e o errado, existem perspetivas.
Torna-se, portanto, fundamental que tenhamos a capacidade de mudar de observador, de tentarmos interpretar as diversas verdades de outro ângulo, do ângulo das pessoas para as quais é essa a verdade, mesmo que não seja a nossa verdade.
Quantas vezes nos dão uma opinião com a qual discordamos e que desde logo verbalizamos? “Isso não faz sentido”; “Não concordo”; “Deves estar maluca/o”… Mas fazemo-lo sem termos ainda percebido o que nos disseram! Se não está de acordo com o nosso pensar, estará errado?
O que, provavelmente, está errado é a circunstância de não tentarmos perceber o que levou outras pessoas a pensarem dessa forma, pois talvez consigamos ter muito mais empatia e possamos alcançar porque é essa a verdade para elas (diferente de concordar e de anuir).
Desta forma, podemos criar conversas construtivas, aquelas que abrem portas ao diálogo. Ao invés das verbalizações anteriores, porque não optarmos por: “Não consegui perceber bem o teu ponto de vista, podes explicar-me melhor?”; “Eu tenho uma ideia diferente, podemos explorar as nossas visões?” – o que nos obriga a colocar o ónus em nós.
Por outro lado, podemos utilizar outra das ferramentas poderosas da comunicação, que é tão descurada – as perguntas! Só com elas podemos tentar perceber o “porquê” e o “para quê” de qualquer tema. Mas perguntas sem “contrabando”, sem esperar ou tentar forçar uma determinada resposta. Perguntas que efetivamente procuram perceber as outras pessoas.
Em suma, se conseguirmos olhar para o mundo de uma forma diferente, se o conseguirmos definir com outra linguagem, nesse momento o mundo mudou para nós.
Na segunda parte desta crónica falarei sobre a mentalidade de crescimento e como a mesma pode fazer toda a diferença.
A boa notícia é que existem ingredientes para esta receita que depende apenas de nós! Também falaremos de escolhas e de responsabilidade.
Ate breve!