Autor: Rui Ramiro
Professor de Português para Estrangeiros Inglês, igualmente certificado em Gestão de Recursos Humanos e “Professional Coaching”. Carreira profissional desenvolvida em Portugal e em mercados como Angola, China, Reino Unido e Estados Unidos, em setores como Minas, Construção Civil e Futebol Profissional, tanto na área do Ensino de Idiomas como em Formação de Liderança e Desenvolvimento de Equipas.
Quando falo sobre liderança, o primeiro exemplo que costumo partilhar é o do meu primeiro patrão. Sem grande escolaridade, um homem que se formou com a vida e que ao longo dela foi aprendendo, sempre com grande humildade e vontade de fazer as coisas bem, o meu primeiro patrão possuía uma exploração agrícola onde eu, então adolescente, realizava pequenos trabalhos relacionados com a vitivinicultura. Quando em época de vindimas, o meu patrão reunia a sua equipa de trabalho e explicava o que queria das pessoas, perguntava se todos tinham o material necessário e destacava a importância de trabalhar em segurança, facultando luvas a quem delas precisasse. Outra situação para a qual o meu então patrão alertava dizia respeito à importância de parar a meio da manhã, porque “ninguém é de ferro”. Durante a jornada de trabalho, os elementos da equipa que ficavam para trás na vindima eram os primeiros a ser ajudados pelo patrão, que a meio do dia partilhava já as primeiras informações sobre os resultados estimados do trabalho da equipa até ao momento, no que às quantidades vindimadas dizia respeito. Toda a equipa tinha acesso à informação e eram realizados os ajustes eventualmente necessários.
Sem qualificação formal, o meu primeiro patrão foi (e felizmente é) um dos maiores exemplos de liderança que até hoje conheci. Em primeiro lugar, era um comunicador nato, que a cada momento evidenciava o seu lado humano e estava próximo das suas pessoas. Por outro lado, especialmente nos momentos difíceis, era ele que tinha sempre as soluções dos problemas, mostrando que podiam sempre contar com ele como um exemplo de capacidade e competência. Nos momentos de ausência, já avaliada a equipa, sabia sempre quem designar como substituto, concedendo oportunidades de desenvolvimento a quem com ele trabalhava. Isto tudo num ambiente de pressão para atingir resultados a cada dia, num contexto de algum risco físico, sempre existente quando há instrumentos de corte e equipamentos móveis em operação.
Sem o saber, o meu primeiro patrão praticava as características que a Google identificou anos mais tarde como aquelas que os líderes de alto rendimento reúnem. Estudos realizados em 2008, no âmbito do Projeto “Oxygen”, identificam, entre outras, as seguintes:
- Is a good coach
- Empowers team and does not micromanage
- Creates an inclusive team environment, showing concern for success and well-being
- Is productive and results-oriented
- Is a good communicator — listens and shares information
- Supports career development and discusses performance
Fonte: re:Work – Great managers still matter: the evolution of Google’s Project Oxygen (rework.withgoogle.com)
A minha questão para reflexão é já antiga, mas para a mesma não há ainda resposta cabal. Assim, quão importante é a capacidade comunicativa para o líder, ainda para mais num contexto de risco e elevada pressão para atingir resultados?
Anos mais tarde, no exercício das minhas funções como elemento da Direção de Recursos Humanos da Somincor, desci ao fundo da mina de Neves-Corvo, na companhia de um dos gestores intermédios do Departamento de Produção-Mina, com o objetivo de melhor conhecer as práticas operativas da área em questão da empresa. A empresa vivia, à época, alguns problemas de segurança, relacionados com alguns “deslizes” na saída dos operadores da parte de cima dos equipamentos móveis, o que vinha a causar várias lesões nos membros inferiores e a consequente perda de dias de trabalho para operadores e empresa. Por conseguinte, a vigilância em relação a esta questão era apertada.
Na companhia do gestor da área de produção, dirigi-me a uma frente de produção, na qual se encontrava um operador, que realizava tarefas de furação, num equipamento designado “Jumbo”. Ao aperceber-se de que estacionávamos a carrinha, o operador parou o equipamento e, sem qualquer hesitação, saltou do equipamento para o solo, ao invés de executar os procedimentos identificados como seguros por parte da empresa, para fúria de quem me acompanhava e que dificilmente consegui impedir de expressar esse sentimento.
Após expressar a minha vontade de conduzir a abordagem, iniciei o diálogo com o operador. Já conhecidos que éramos, cumprimentei-o e pedi para me explicar o que estava a realizar e como se enquadrava a tarefa no turno. Solicitei igualmente indicações sobre o equipamento, pedindo autorização para lá entrar com ele. Passados alguns minutos, ao pedir-lhe para me explicar como sair corretamente, o próprio operador executou devidamente a ação! Seguidamente, pedi ao operador que comparasse o que tinha acabado de fazer com o que fizera aquando da minha chegada. Uma queda descontrolada acarreta consequências imprevisíveis para a segurança de pessoas e equipamentos, algo ainda menos fácil de gerir se a mais de 800 metros de profundidade! Com um pedido de desculpas muito pesaroso, com as consequências do ato a serem identificadas por parte do operador, terminou esta abordagem, que iria inicialmente materializar-se em tom punitivo. Ganhou-se desta forma um operador, reforçou-se deste modo o lado humano do “líder”, ele mesmo um “people-developer” nesta circunstância.
A um condutor de pessoas exige-se em primeiro lugar que seja competente em relações humanas, algo para o qual a comunicação é uma competência essencial. É pela capacidade comunicativa que o líder inspira segurança psicológica e consegue fazer com que as pessoas o sigam. É pela capacidade comunicativa que o líder treina e desenvolve pessoas, com quem desta forma partilha a informação necessária ao desenvolvimento individual e coletivo. Um líder é um comunicador a cada momento do exercício da sua responsabilidade, pois conduzir pessoas rumo a um objetivo pressupõe estar em permanente ligação com elas, algo para o qual a comunicação é uma competência fundamental. Só assim será mais fácil que todas e cada uma consigam a cada momento dar o melhor de si em prol dos objetivos coletivos. Se isto é fundamental numa empresa de serviços, imagine-se o quão importante será quando as equipas desenvolvem a sua atividade num ambiente de risco para os que nele operam, como são os das situações anteriormente identificadas!
Como dizia Abraham Lincoln, “a maior habilidade de um líder é identificar aptidões e desenvolver competências extraordinárias em pessoas comuns”. Tal só é possível se chegamos às pessoas, ou seja, se comunicamos de modo competente com elas. A liderança materializa-se acima de tudo pela capacidade de comunicarmos com pessoas. Porque no final, “it’s all about people”!