As redes sociais online vieram tornar mais indistintas a vida pessoal e a vida profissional e isso levanta às empresas novos desafios que nem sempre são fáceis de superar. A existência de políticas de social media para os empregados pode ser um bom ponto de partida e uma ajuda valiosa.
Nos dias que correm não há empresa, pequena ou grande, em que não se fale de redes sociais, de social media. É natural. O lugar-comum de que, mesmo não estando lá, estamos − porque os nossos clientes, os nossos fornecedores, a nossa concorrência estão lá e, de uma forma ou de outra, falam de nós − é já um dado assumido. Mas a questão da presença nas redes deve ir muito além da página no Facebook e, ao contrário do que muitas vezes se pensa, implica trabalho, não só para fora da empresa mas também (e, na minha sincera opinião, deveria começar por aí) para dentro.
Um erro que muitas empresas cometem no que se refere à questão da presença nos social media é avançarem para a exposição sem uma clara definição de regras e papéis que os colaboradores devem assumir enquanto tal, quando online.
Infelizmente, ainda é muito comum encontrar situações em que os colaboradores não têm conhecimento da presença da empresa nas redes sociais, o que claramente denota uma falha na comunicação interna mas, bem mais grave do que isso, é a situação em que, conhecendo as ações da marca nas redes sociais, os colaboradores não sabem o que fazer relativamente às mesmas, pois nunca lhes foi dito.
Digo que esta situação é mais grave pois enquanto o desconhecimento da presença da empresa nas redes sociais de alguma forma pode desculpar a inação, o medo de dizer algo por parte de um colaborador só pode contribuir para um deteriorar da imagem da empresa, pois o que fica por esclarecer (e nenhum colaborador vai dizer em público «não o ajudo pois não sei se o posso ajudar») − os não ditos − pode, e dá muitas vezes, azo a interpretações erradas e prejudiciais. «Então o André trabalha naquela empresa e não diz nada sobre o problema? Se calhar, quem se queixa tem razão e ele não se quer meter…».
Não era o caso. O André só não sabe se se pode «meter» ou não. Não sabe se alguém na empresa em que trabalha o vai chamar no dia seguinte dizendo que ele não tinha autorização para falar em nome da empresa, não sabe se vai arranjar problemas para o seu lado…
Como estabelecer e comunicar as políticas de social media na empresa, os empregadores do André teriam ganho, numa situação como a que dou a entender acima, um advogado da empresa, um defensor, eventualmente um evangelista. Um, porque falamos do André, mas pensemos numa empresa com dezenas, centenas ou milhares de empregados e facilmente podemos imaginar um verdadeiro exército ao serviço da marca. E com a vantagem de cada um dos seus «soldados» contar com a confiança da sua audiência, pois, em muitas situações, os potenciais clientes não estariam a falar com o André, colaborador da empresa x, mas sim com o André, o seu amigo nas redes sociais, que também trabalha na empresa x, e isso faz toda a diferença.
Mas que não se pense que as políticas de social media devem servir só para garantir ou permitir a evangelização da marca pelos seus colaboradores. Há situações bem mais complicadas cuja existência de tais políticas poderia evitar.
Já muitos de nós ouvimos histórias sobre outros «Andrés» que, estando aborrecidos com o emprego e com os seus superiores hierárquicos, assim que ligaram o seu computador no trabalho, desabafaram nas redes sociais coisas como «detesto o que faço e já não posso com o meu chefe». Invariavelmente, estas histórias acabam todas da mesma forma: o André foi chamado ao chefe e foi despedido no próprio dia. Ninguém fica satisfeito. O André por razões óbvias, o chefe do André porque precisa de contratar um novo colaborador e a empresa devido à má imagem com que vai ficar. «Malandros, despedirem o rapaz só porque não gostava do desalmado do chefe…».
Se a empresa tivesse elaborado e divulgado um documento em que explicitamente informava os seus colaboradores de que não permitiria referências às suas atividades, funções e hierarquias nas redes sociais, possivelmente o André não teria arriscado e, se o fizesse, dificilmente alguém acusaria a empresa de despotismo. «Ele sabia o que podia acontecer…».
Sobre estas histórias é igualmente comum ouvir comentários como: «A solução é simples. Fecha-se o acesso às redes sociais e está o problema resolvido.» Acreditem, também não é solução. Estudos publicados recentemente[1] mostram que empregados que utilizam as redes sociais são na generalidade mais produtivos do que os empregados que não o fazem. Para além disso, há também que ter em conta que, mesmo vedando o acesso às redes sociais nos computadores da empresa, os colaboradores continuam a ter acesso nos seus dispositivos pessoais como os telemóveis e, sobre esses, o empregador não terá qualquer controlo.
Também outros estudos mostram que a geração y[2] parece dar mais valor à possibilidade de acesso às redes sociais do que a um ordenado mais elevado quando procuram emprego[3]. Fechando o acesso às redes sociais, as empresas não só correm o risco de ter menor produtividade como de perder melhores profissionais.
Por tudo isto, a existência de um código com regras orientadoras que indiquem aos colaboradores da empresa qual a forma de estar nas redes sociais que a empresa entende como a mais correta parece-me ser de uma grande mais-valia para todos os intervenientes: para a empresa, para o colaborador e para o eventual cliente, que terá certamente mais pontos de suporte e confiança online.
Antes do conteúdo propriamente dito, o processo.
Quem vai escrever as regras?
O departamento jurídico é normalmente a primeira resposta, mas sei por experiência própria que, não querendo ser excluído do processo, é também o primeiro a dizer que não possui conhecimentos para tal. Trata-se de um campo gerido pelo bom senso e conhecimento da etiqueta e vivência online, mais do que por leis e códigos.
O departamento de informática também não será a resposta mais correta. Engenheiros e programadores apontam geralmente as suas baterias para outras preocupações que não a ética e a comunicação da empresa.
O departamento de marketing talvez também não seja o mais indicado. O seu foco no negócio, no cumprimento de objetivos comerciais, poderá desvalorizar ou passar a um plano secundário fatores como o tempo necessário para estabelecer relações de confiança ou o facto de que ações de good will, sem retorno imediato ou com eventual custo acrescido, são igualmente vitais.
No entanto, nenhum destes departamentos deverá ficar de fora. Dos juristas, que dirão o que é legal ou não no que toca ao controlo e monitorização das atividades online dos colaboradores da empresa, aos técnicos de informática, que implementarão esses mesmos meios de monitorização, passando pelos marketeers, com os seus conhecimentos de comunicação, todos devem estar presentes.
Duas condições são, no entanto, essenciais: que os intervenientes tenham conhecimento do funcionamento das redes sociais (e sim, é preciso lá estar para saberem do que falam) e que haja na equipa elementos com poder decisório. Muito trabalho neste sentido fica guardado em gavetas perdidas, por não haver nas equipas que o elaboram quem possa decidir sobre a sua implementação.
Uma equipa multidisciplinar e com a devida autoridade conseguirá mais facilmente chegar a uma boa estratégia e, em última análise, é disso mesmo que falamos quando nos referimos a políticas de social media para a empresa: de estratégia.
Recolher informação
Escrever regras, mesmo que orientadoras, sem uma boa base de conhecimento não é uma boa ideia e, quando falamos de regras para uma presença online (onde os limites estão praticamente ao nível da imaginação), uma boa base de conhecimento implica não só conhecer os interesses e objetivos da empresa mas também dos colaboradores. Como é que os colaboradores da empresa se apresentam nas redes sociais? Quantos? Onde? São consumidores de informação ou produtores de conteúdos? Há influenciadores? Identificar perfis, necessidades e oportunidades. Compilar.
Criar e comunicar
Com a informação recolhida e aplicando as competências dos elementos da equipa escolhida é então altura de elaborar um documento onde se estipule a política da empresa para a presença dos seus colaboradores nas redes sociais. De notar que tal documento deve ser um documento dinâmico, que verá o seu conteúdo alterado e ajustado em conformidade com as necessidades da empresa, dos colaboradores e dos clientes, assim como em conformidade com a evolução do meio.
Num documento desta natureza, do mesmo modo que a empresa deve sugerir formas como entende ser preferível que o colaborador atue (sugerir que, se o colaborador escrever num blogue ou num fórum, por exemplo, algo que de alguma forma seja relevante para a empresa, deve escrever também um disclaimer que informe os seus leitores que aquela é a sua opinião pessoal e que não representa necessariamente as posições, estratégias ou opiniões da empresa[4]), deve também ser muito concreta e específica quando designa o que é necessário para que um colaborador possa publicar nas redes sociais em nome da empresa (como, por exemplo, ter completado com aproveitamento uma determinada certificação no campo de social media[5]).
Com uma abordagem clara e concisa, que esteja enquadrada no seu mercado, nas suas necessidades de negócio e, obviamente, na cultura da sua empresa, mais do que regras rígidas do que o colaborador pode e não pode fazer, as políticas de social media devem ser fontes formadoras de uma presença coerente em torno destas novas plataformas.
Com o documento elaborado, é necessário que todos os colaboradores o conheçam, que tenham acesso ao mesmo, e isso vai muito além do envio de um e-mail a todos os empregados. Como documento dinâmico que deve ser, é necessário que seja apresentado, por forma a poder ser debatido, questionado e esclarecido junto do maior número possível de colaboradores. Serão estes os primeiros «educadores», os primeiros a passar a palavra.
São muitos os exemplos de políticas de social media de sucesso[6] e devem servir de exemplo para novos documentos a criar mas, não esquecendo que cada caso será um caso, haverá sempre alguns princípios básicos que são hoje entendidos como melhores práticas e que devem ser observados na elaboração de uma política de social media para a empresa:
- Respeito pelas obrigações legais. A empresa no controlo que faz aos seus colaboradores e estes nos conteúdos que publicam. Algumas atividades profissionais estão sujeitas a regras muito apertadas sobre os processos de comunicação. É essencial que estas regras sejam sempre observadas, evitando assim dissabores para a empresa e para o colaborador;
- Coerência com as restantes políticas da empresa. É essencial que as regras pelas quais a empresa se orienta na sua existência offline estejam presentes no espírito das políticas de social media. Se existe um código deontológico, por exemplo, é necessário garantir que nada nas novas políticas vai contra o que neste é estipulado;
- Posicionamento multiplataforma. As regras devem aplicar-se às mais variadas plataformas de comunicação online: fóruns, sites de redes sociais, blogues, wikis, etc.;
- Garantia de confidencialidade e propriedade. Deve ser bem claro e sem qualquer espaço a interpretação que em situação alguma os colaboradores podem publicar informação confidencial da empresa ou passada à empresa em confidência;
- Entender a responsabilidade. É necessário transmitir a ideia de que, se o colaborador não detém os conhecimentos necessários para dar determinada resposta ou fazer determinado comentário, deve encaminhar tal tarefa a quem o possa fazer com absoluta segurança. Também deve ser bem claro que o colaborador não deve falar em nome da empresa se não estiver mandatado para tal e a dar a resposta oficial da empresa;
- Respeito pela audiência. Deve ser claro que o uso de linguagem inapropriada, comentários discriminatórios, insultos pessoais ou obscenidades é absolutamente proibido enquanto representante da empresa e altamente desaconselhável em todas as situações;
- Ser uma mais-valia. Deve ser sugerido que os conteúdos a publicar sejam efetivamente um acréscimo de valor para quem os lê. Que informem, que eduquem, que apresentem novas perspetivas.
Por último, não sendo propriamente um princípio, deixo uma observação que me parece pertinente no que a este tema se refere: a empresa deve também motivar e encorajar os seus colaboradores ao conhecimento, entendimento e maior envolvimento nas redes sociais. Como referi no início deste artigo, de uma forma ou de outra, todos nós lá estamos e é mais um canal. Quantos mais profissionais que o entendam a empresa tiver nas suas fileiras, maior é a sua vantagem.
[1] Estudo desenvolvido pela empresa Evolv e referenciado pelo magazine Mashable em http://mashable.com/2013/04/02/social-networks-workplace-study/
[2] Nascidos entre 1980 e meados da década de 90 do século passado.
[3] Estudo desenvolvido pela empresa Payscale e referenciado pelo magazine Mashable em http://mashable.com/2012/06/10/employer-social-media/
[4] Ponto 4 do IBM Social Computing Guidelines em http://www.ibm.com/blogs/zz/en/guidelines.html
[5] Ponto 1 do item «Company spokespeople: our expectations» no documento Social Media Principles da Coca-Cola em http://www.coca-colacompany.com/stories/online-social-media-principles
[6] No site Social Media Governance, uma base de dados com o acesso aos documentos de políticas de social media de 247 empresas em http://socialmediagovernance.com/policies.php
POR: Pedro Rebelo – Formador e consultor de social media