Autora: Andreia Borges, Professora Convidada do ISCTE-IUL
Não foi há muito tempo que a COVID-19 pressionou os profissionais de Recursos Humanos (RH) a adaptar-se a uma nova realidade laboral. Dentre as várias mudanças implementadas, destaca-se a integração da Inteligência Artificial (IA) nos processos de trabalho (Motta et al., 2020). Desde então, muito se tem debatido sobre o seu impacto nos RH e, em específico, na área do Recrutamento e Seleção. Até que ponto a IA facilita os processos dos profissionais de RH? Como integrar, na prática?
É, de facto, pertinente falar sobre este tema, pois a IA permite poupar um aspeto valioso para os membros de qualquer organização: o seu tempo (Lima, 2021). Porém, existe um fenómeno pouco explorado na literatura que diz respeito ao impacto da utilização da IA na intenção de candidatura e na atratividade organizacional. Até que ponto os candidatos se sentem confiantes e tranquilos, ao saberem que as suas candidaturas serão totalmente, ou parcialmente, analisadas pela IA?
Para responder a esta questão, e numa primeira instância, torna-se crucial definir o que se entende por IA. A IA compreende um conjunto de sistemas que imitam o comportamento humano e a nossa capacidade de raciocínio e, por isso, procuram padrões baseados em experiências passadas.
Deste modo, a IA automatiza e agiliza a obtenção de conclusões (Leitão, 2023). Tendo em conta a facilidade com que se obtêm evidências e se chegam a conclusões, é necessário aceitar que a IA pode elevar ao máximo o nível de eficiência dos RH, dada a desburocratização que proporciona (Gil et al., 2018).
Na área de Recrutamento e Seleção, tornar os processos de recrutamento eficientes e rápidos é fundamental. A IA surge, assim, como o aliado perfeito, pois através dela, automatizam-se processos de aquisição e registo de dados, triagem de currículos, marcação de entrevistas e esclarecimento de questões de forma instantânea (Randstad, 2024).
Através dela [IA], automatizam-se processos de aquisição e registo de dados, triagem de currículos, marcação de entrevistas e esclarecimento de questões de forma instantânea
No entanto, nem tudo é amplamente positivo. Estudos recentes mostram que os candidatos sentem que, quando os processos de recrutamento e seleção são automatizados, têm menos controlo sobre o curso dos mesmos e, por conseguinte, menos oportunidades de demonstrar um bom desempenho (e.g., Langer et al., 2019; Langer et al., 2020).
Para além disto, a investigação anterior, que revela as reações dos candidatos após o processo de recrutamento e seleção, refere que os mesmos consideram menos justos os processos de seleção baseados em IA, comparativamente aos processos conduzidos por humanos (Acikgoz et al., 2020). Lee (2018) vai além, ao relatar que os indivíduos que participaram em processos de recrutamento e seleção automatizados sem intervenção humana foram percebidos por estes como frustrantes, desrespeitosos e humilhantes.
Se bem que as expectativas e perceções dos candidatos em relação aos processos de seleção automatizados podem, também, ser influenciadas pelas suas próprias experiências anteriores (Bell et al., 2004). Contudo, estas não deixam de ser evidências cruciais para os gestores de RH.
Não é difícil concluir sobre a influência da IA na Atratividade Organizacional. O estudo de Ahmadi e colaboradores (2024) demonstra que a atratividade é condicionada quando a organização se ancora em processos de recrutamento automatizados.
A variável da atratividade organizacional é, assim, preponderante, dado que, desde há algum tempo que se começou a assistir a uma verdadeira guerra de talentos, na qual as empresas lutam para atrair o melhor, pois é através dele que se garantem, também, melhores resultados (Michaels et al., 2001).
As empresas lutam para atrair o melhor [talento], pois é através dele que se garantem, também, melhores resultados
É facto que não é a utilização de IA per si que determina a atratividade organizacional. Fatores como a autonomia laboral e possibilidades de formação têm impacto, contudo processos automatizados no recrutamento são percebidos como menos atrativos do que processos que derivam da intervenção humana e este aspeto não deve ser subestimado (Ahmadi et al., 2024)
Mas quais são as possíveis explicações para que candidatos não apreciem tanto métodos de seleção automatizados e entrevistas automatizadas? Lukacik e colaboradores (2020) baseiam-se em teorias de reações dos candidatos baseadas na justiça, presença social, ansiedade na entrevista e gestão de impressões, para propor uma estrutura de como o design de recursos (especificamente de entrevistas mediadas por tecnologia com e sem tomada de decisão automatizada) impactam as reações dos candidatos e resultados.
Outros investigadores voltam-se para aspetos específicos da interação humano-tecnologia, descobrindo que a facilidade de uso percebida e utilidade percebida estão associadas a atitudes em relação à utilização de tecnologia (Brenner et al., 2016).
Estreitamente relacionado com o conceito de atratividade organizacional é o employer branding, definido como o processo que é construído tendo como ponto de partida as características que os atuais e futuros colaboradores associam à empresa (Brahme, 2024).
Será que a utilização, ou a não utilização, da IA no recrutamento e seleção poderá fazer parte de uma estratégia de employer branding? Num futuro assim não tão distante, até que ponto as empresas não terão de recuar e voltar a humanizar o recrutamento e seleção?
REFERÊNCIAS
Acikgoz, Y., Davison, K. H., Compagnone, M., & Laske, M. (2020). Justice perceptions of artificial intelligence in selection. International Journal of Selection and Assessment, 28 (4), 399–416.
https://doi.org/10.1111/ijsa.12306
Brahme, S. (2024). Why Employer Branding Often Takes A Back Seat To Corporate Branding. Medium.
Brenner, F. S., Ortner, T. M., & Fay, D. (2016). Asynchronous video interviewing as a new technology in personnel selection: The applicant’s point of view. Frontiers in Psychology, 7, 863.
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.00863
Bell, B. S., Ryan, A. M., & Wiechmann, D. (2004). Justice expectations and applicant perceptions. International Journal of Selection and Assessment, 12(1/2), 24–38.
https://doi.org/10.1111/j.0965-075X.2004.00261.x
de Matos Gil, A., Rodrigues, B. A. A., & Dutra, P. M. C. (2018). Cultura organizacional y los procesos de innovación y cambio: la relación de recursos humanos y la inteligencia artificial. Revista Euroamericana de Antropología, (6), 143-153.
Langer, M., K¨onig, C. J., & Papathanasiou, M. (2019). Highly automated job interviews: Acceptance under the influence of stakes. International Journal of Selection and Assessment, 27(3), 217–234.
https://doi.org/10.1111/ijsa.12246
Langer, M., K¨onig, C. J., Sanchez, D. R.-P., & Samadi, S. (2020). Highly automated interviews: Applicant reactions and the organizational context. Journal of Managerial Psychology, 35(4), 301–314.
https://doi.org/10.1108/jmp-09-2018-0402
Lee, M. K. (2018). Understanding perception of algorithmic decisions: Fairness, trust, and emotion in response to algorithmic management. Big Data & Society, 5(1), 1–16.
https://doi.org/10.1177/2053951718756684
Leitão, T. F. P. (2023). A utilização de inteligência artificial no Direito: as tomadas de decisão por sistemas computacionais no âmbito jurídico em função da complexidade da textura aberta da linguagem natural.
Lima, B. (2021). Empresas implementam inteligência artificial nos processos de RH. Available at:
https://forbes.com.br/carreira/2021/12/como-implementar-umainteligenciaartificial-nos-seus-processos-de-rh/. Accessed in: 05/01/2025.
Lukacik, E.-R., Bourdage, J. S., & Roulin, N. (2020). Into the void: A conceptual model and research agenda for the design and use of asynchronous video interviews. Human Resource Management Review, 100789.
https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2020.100789
Michaels, E., Handfield-Jones, H., & Axelrod, B. (2001). The war for talent. Harvard Business Press.
Motta, M., Stecula, D., & Farhart, C. (2020). How right-leaning media coverage of COVID-19 facilitated the spread of misinformation in the early stages of the pandemic in the US. Canadian Journal of Political Science/Revue canadienne de science politique, 53(2), 335-342.
Randstad (2024). O impacto da IA generativa no recrutamento. Consultado em: 05/01/2025.
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