Nos últimos cinco anos, o mundo atravessou grandes mudanças sociológicas, desde a pandemia à guerra na Ucrânia, com forte impacto em vários setores: o mercado do trabalho não foge à regra. Depois da “Great Resignation” e do “Quiet Quitting”, a tendência dos “Boomerang Employees” chegou e parece que veio para ficar.
Mudar de emprego não é tarefa fácil. Exige tempo, ponderação e, acima de tudo, um alinhamento entre os objetivos e expetativas do profissional e da empresa. Mas, desengane-se quem pensa que regressar a um antigo emprego não é igualmente desafiante.
De acordo com um estudo realizado pelo instituto UKG, quatro em cada dez pessoas (43%) trocaram de trabalho durante a pandemia, mas rapidamente revelaram sinais de frustração e arrependimento. É por isso que “uma em cada cinco pessoas acaba por retornar”, aponta o mesmo estudo.
Num mercado laboral cada vez mais competitivo e dinâmico, a decisão de regressar deve ser ponderada e consciente, independentemente de ter sido a empresa a abordar o profissional ou vice-versa. Neste sentido, a responsabilidade é dupla porque, apesar de termos modelos de trabalho mais fluidos do que nunca, todos têm o compromisso de tomar atitudes à medida: tanto os recursos humanos (RH) da organização como os profissionais.
Perspetiva dos RH
É inegável que a atração e retenção de talento continua a ser um dos maiores desafios das empresas, mas como podemos fazer frente a este quadro de instabilidades? Segundo um report do Grupo Adecco, intitulado “Global Workforce of the Future Report 2022”, as empresas têm de aprender a adaptar-se às necessidades e exigências das novas gerações de profissionais.
Ainda que 69% dos colaboradores afirmem ter satisfação geral no trabalho, não podemos ignorar a ascensão do fenómeno “Quitfluencer” — trata-se da demissão por contágio e é mais proeminente entre as gerações mais novas. “A Gen Z tem 2,5 vezes mais hipóteses de desistir se vir outros a fazê-lo do que os Baby Boomers”, segundo o mesmo estudo.
De forma a gerir todos os desafios e mudanças, é necessário que haja uma reestruturação dos processos internos, nomeadamente ao nível da gestão de carreira. Ou seja, as empresas precisam de apostar em modelos de trabalho flexíveis, como o trabalho remoto, e em programas de formação e de benefícios extrassalariais.
Além disso, não podemos ignorar que os profissionais estão mais atentos à ética e valores organizacionais, mesmo que isso implique salários menos competitivos. Uma pesquisa da PwC, realizada em 2021, revela que 56% dos inquiridos considerariam deixar um emprego, caso a empresa revelasse não ter uma cultura organizacional sólida e focada em valores éticos e morais.
Neste novo âmbito, será que é mais comum existir entidades empregadoras a tomar a iniciativa de contratar antigos colaboradores? Embora dependa de vários fatores, temos cada vez mais organizações a optarem por abordagens diretas aos profissionais quando tomam conhecimento de que não estão satisfeitos no seu emprego atual ou procuram um novo desafio.
Um recrutamento boomerang pode ser uma opção vantajosa e de menor risco, em comparação com a contratação de um novo profissional, porque permite a otimização de tempo e recursos nos processos de recrutamento e de integração. Não só é uma das formas de fazer face à escassez de candidatos especializados, como dá acesso a competências, know-how e experiências adicionais — o conhecimento que os profissionais adquiriram noutras empresas, pode ser bastante valioso e útil.
Mas existe algo que tem de estar na ordem de prioridades dos RH: a gestão de expetativas profissionais e financeiras. É crucial que estas estejam, devidamente, alinhadas com o expetável de ambas as partes, na medida em que o regresso pressupõe uma evolução salarial e de carreira que, por sua vez, deve manifestar-se em mais responsabilidades e reconhecimento.
Perspetiva do profissional
Existem vários motivos que levam estes profissionais a regressar a um antigo emprego. Por um lado, existem as motivações pessoais como a mudança de cidade/país, o casamento ou o nascimento de um filho. Por outro lado, temos as razões profissionais que vão desde a procura de novas oportunidades de crescimento, aprendizagem de novas competências até à mudança de funções/cargos.
Estamos diante de uma tendência que cresceu porque as novas gerações têm diferentes ambições, objetivos e expetativas do que as anteriores. Um report do CEMS, designado “Leading for the future of our planet”, aponta que 21% dos profissionais classificaram o work life balance e a remuneração como os principais critérios a ter em conta quando procuram um novo desafio profissional. A condição que surge em terceiro lugar, nesta lista de prioridades, é a rápida progressão na carreira.
Já as organizações, estão mais preocupadas em dar resposta às necessidades dos colaboradores e isso reflete-se no aumento dos níveis de retenção, produtividade e satisfação. É por isso que, em situações de readmissão, grande parte das empresas apresentam propostas de contratação mais atrativas.
“Um boomerang employee tem um aumento salarial de mais de 20% quando é readmitido”, menciona a empresa Zen Business. Este estudo acrescenta ainda que “os profissionais que regressam, após um período de 10 ou mais anos, costumam ganhar mais 30% em comparação com o valor que ganhavam anteriormente”.
Uma outra vantagem da readmissão é que o profissional já está familiarizado com a cultura organizacional, os processos, a equipa e o modus operandi da empresa, tornando a integração muito mais rápida e eficiente.
Neste sentido, será que “o bom filho à casa torna”? De facto, voltar a uma antiga empresa é algo cada vez mais aceite, porém é fulcral que a decisão seja tomada de forma consciente e tendo em consideração todos os motivos que levaram o colaborador a sair. Muitas das vezes, temos organizações com ótimas práticas de comunicação interna, no entanto não têm programas especiais para alavancar as carreiras dos profissionais. Podem ter um excelente programa de benefícios extrassalariais, só que as relações interpessoais não são positivas. No momento da decisão, todos os fatores contam.
Implementação do recrutamento boomerang
O primeiro passo para garantir um bom recrutamento boomerang é a identificação de quais os profissionais que saíram de forma positiva e tentar estabelecer um contacto com eles, quer seja através das redes sociais, como o LinkedIn, troca de e-mails ou telefonemas.
Se existir essa relação de proximidade, é crucial que seja feita uma análise do histórico profissional do colaborador, com o intuito de identificar se as soft e hard skills ainda encaixam no perfil procurado pela empresa.
As organizações, independentemente do setor de atuação, devem construir uma boa reputação profissional no mercado e junto dos antigos colaboradores. O valor dessa reputação é incalculável porque abre portas para novas oportunidades de negócio e, acima de tudo, tem um reflexo positivo na atração e retenção de talento.
É fundamental, durante um processo de readmissão, que exista uma estratégia de comunicação bem delineada, clara e transparente. Apesar de estarmos perante um profissional familiarizado com a cultura da empresa, não nos podemos esquecer de que esteve longe da mesma e, por isso, desconhece o que mudou. Além disso, é igualmente importante entender quais os interesses e razões que motivaram o profissional a querer regressar.
O processo de recrutamento só é bem-sucedido se for criada uma política de contratação que estabeleça as condições de readmissão destes profissionais, que pode ir desde a avaliação de desempenho, disponibilidade de vagas até à negociação dos termos contratuais.
Um outro aspeto de extrema relevância é a monitorização do sucesso do programa de recrutamento boomerang. Após a reintegração dos profissionais, tem de ser feita uma avaliação do período de integração, desempenho, produtividade e satisfação dos profissionais — é uma das únicas formas de identificar o que pode ser melhorado no futuro.
De facto, o recrutamento boomerang é um processo desafiante, mas, se for implementado eficazmente, pode tornar-se em algo positivo e vantajoso para ambas as partes.
No caso do profissional, o regresso a uma empresa para a qual já trabalhou pode ser uma possibilidade de crescimento profissional e, quem sabe, financeiro. Além disso, o processo de integração é mais simples porque o profissional já “conhece os cantos à casa”.
Em relação à empresa, a impressão positiva deixada no colaborador é o reflexo de uma cultura assente em bons valores e práticas. Em contrapartida, os “Boomerang Employees” podem representar valor acrescentado já que trazem consigo mais know-how, conhecimento e experiências.
Um ponto afigura-se incontroverso relativamente a estes regressos ao antigo emprego: a satisfação com a proposta de valor recebida e/ou a cultura organizacional da “casa” a que se retorna.
A importância da reputação
Uma estratégia eficaz de employer branding é muito mais do que a construção de um plano de comunicação ou monitorização de resultados: implica um olhar holístico e estratégico por parte do departamento de RH.
De acordo com um estudo do Employer Brand Statistics, do LinkedIn, “75% dos candidatos realizam pesquisas sobre a reputação de uma empresa antes de se candidatarem a uma vaga”.
É por isso que as organizações devem ter os seus objetivos bem delineados — será que querem atrair e reter novos talentos, melhorar o ambiente de trabalho ou ganhar reputação no mercado? Este deve ser o ponto de partida.
A partir daqui já estão aptas a definir ações concretas que podem ir desde programas de bem-estar, reestruturação dos planos de carreira, políticas de incentivo ou reformulação dos processos de recrutamento.
No entanto, é fundamental que os RH estejam alinhados com a área de marketing, pois apenas assim as empresas serão bem-sucedidas na divulgação da sua cultura organizacional e atração de novos candidatos.
Artigo publicado na edição 147 da RHmagazine, referente aos meses de julho e agosto