Começo esta entrevista com uma pequena provocação: a marca Carlos Coelho vende bem?
Antes de mais gostaria de dizer que uma pessoa não é uma marca no sentido comercial do termo. Numa marca podemos alterar a fórmula, a embalagem, o preço, até o nome, em função do target ou da performance no mercado. Numa marca pessoal, como se refere ao meu caso, podemos adaptar alguns aspetos, mas não somos reposicionáveis.
Assim sendo, pelas minhas caraterísticas profissionais e pessoais, creio que «vendo bem» junto de quem sabe ouvir e «vendo mal» junto de quem está cheio de si próprio e gosto mais de falar, embora eu seja também considerado um bom ouvinte.
Gosto de pensar que sou uma marca de Portugal e que muito gostaria de contribuir para que o nosso país voltasse a ser uma marca extraordinária e muito valiosa.
Não podemos dissociar a marca Carlos Coelho da marca Ivity…
A Ivity é a minha menina. Aos 43 anos voltei a ser pai e a Ivity já vai fazer 7 anos. Sou eu e o Paulo Rocha, o meu sócio de sempre, que damos a cara, embora seja eu a face mais visível da empresa.As marcas são as pessoas, as empresas são as pessoas, pelo que a Ivity é muito maior do que a minha marca pessoal. A Ivity é uma equipa de pessoas extraordinárias que são muito melhores que apenas eu.
Peço-lhe para nos resumir a história da criação da Ivity e a sua saída da Novodesign/Brandia.
Quando terminei o curso de design, em 1985, fundei a Novodesign com o Paulo Rocha e com outro colega do curso. Ao longo de 20 anos tivemos sucesso, crescemos, abrimos muitas empresas, mais de 20, chegámos a ser quase 500 pessoas, estávamos entre as dez maiores empresas de design do mundo, mas tínhamos muitas marcas. No final dos anos 1990 veio a primeira crise e tivemos de fechar algumas empresas e dispensar muitas pessoas. Depois decidimos internacionalizar e para isso só poderíamos ter uma marca. Foi quando criámos a Brandia, que na altura dividimos em Brandia Consulting, Brandia Creating e Brandia Marketing Logistics. Deixámos, com muita pena, o nosso primeiro amor, a Novodesign, e apaixonámo-nos pela Brandia. Voltámos a ter sucesso, ainda com quase 300 pessoas, fizemos muitos projetos mas começámos a ter muitas divergências com os outros sócios que entretanto se tinham juntado à sociedade e que não tinham a nossa visão apaixonada pelas marcas. Depois de mais de um ano de divergências, eu e o Paulo saímos com um litígio muito profundo e uma mágoa ainda maior. O nosso segundo amor tinha morrido nesse momento. E assim foi, a Brandia já não existe, creio inclusive que faliu. A empresa que ainda existe chama-se agora Brandia Central. Ficámos muito magoados com os acontecimentos, mas, como éramos novos demais para morrer de amor, decidimos, depois de um ano de paragem, partir para o nosso terceiro amor e em 2007 criámos a Ivity. A Ivity é hoje uma «menina» que vai fazer 7 anos e que nos tem dado muitas alegrias, quase 200 prémios e reconhecimento nacional e internacional como nunca antes.
Quantas pessoas trabalham consigo atualmente na empresa?
Na Ivity somos quase 50. Temos escritórios em Lisboa, em Ponta Delgada e em Luanda. Além dos colaboradores internos temos uma rede de pessoas − Ivity external network − com quem mantemos relações de trabalho regulares e que nos permitem amplificar a nossa equipa quando é necessário. Somos nesta altura a empresa mais musculada em termos de recursos humanos, quer ao nível criativo quer ao nível da gestão de projetos.
Gerir uma equipa de criativos não deve ser um processo fácil.
Na Ivity funcionamos como um «circo» ou, como diria o meu sócio Paulo Rocha (ele o criativo-mor), como uma grande sala de espetáculos. Uma vez ele explicou: nós somos como o Scala de Milão, eu seria o diretor do teatro, asseguraria que funciona, que se posiciona no mercado da melhor forma, que a curadoria está sempre ao mais alto nível e que aqui se executam os melhores espetáculos do mundo, injetando inquietação e ambição a todos quantos aqui trabalham para que no final sejamos eleitos os melhores do mundo.
Ele, o Paulo, seria o maestro que garante a execução das peças e a interface com os músicos. Não é bem assim que funciona, mas eu sou quem gere pelo exemplo institucional, o Paulo gere pelo contacto emocional. Ambos gerimos a Ivity como uma caixa de ressonâncias de muitas sensibilidades e de muitos talentos.
Tendo em conta o tema da nossa edição, «Bem-estar e emoções positivas», que atividades promove dentro da sua empresa para garantir que os colaboradores estejam motivados, empenhados e que essa felicidade se traduza em resultados?
Eu não sei gerir pelas emoções, eu acho que sei gerir pela inquietude. Tento criar condições de base para que as pessoas possam ser felizes. Mas a energia criativa que injeto não é calma, é incerteza, é impossibilidade. Eu acredito no poder da tensão como forma de balanço à comodidade positiva. No conforto há felicidade mas pode não haver novidade. Na Ivity promovemos marcas felizes para os nossos clientes, dentro da Ivity tentamos ser os melhores para sermos os mais felizes e não o contrário. Não queremos ser a melhor empresa para trabalhar, queremos ser a empresa onde se trabalha melhor e se é mais feliz por isso.
Uma das buzzwords dos gestores de recursos humanos é empowerment…
Empowerment é fazer parte de uma empresa com princípios, com regras morais, com valores empresariais. Empowerment é aprender, é evoluir, é ficar descontente no caminho para poder sorrir depois de passar em primeiro na meta. Empowerment é quando chegamos a casa cansados, mas com um sorriso na alma por termos feito alguma coisa de novo. Não acredito no empowerment como fórmula de obter resultados. Acredito, no entanto, que as empresas têm o dever de motivar profissional e pessoalmente os seus colaboradores para que possam ser melhores pessoas.
Na sua opinião, o que falta ainda às organizações para garantir o bem-estar das suas equipas?
Falta envolvimento dos colaboradores, falta sentido de missão, sentido de pertença, sentido de marca. Acho que não se trata de falta de condições de trabalho. Conheço excelentes empresas em diversos países com condições de trabalho muito piores do que a maioria das empresas em Portugal. Em Portugal falta é sentido corporativo, posso dizer que faltam procedimentos culturais, e falta organização que facilite a execução do comportamento pretendido.
Ao longo da sua carreira, conduziu importantes projetos de criação e rebranding de algumas das marcas com maior notoriedade em Portugal. Pode destacar uma que lhe tenha dado um gozo especial a trabalhar?
Não é para tentar ser simpático mas, sinceramente, gostei de todas e são já muitas. O Multibanco foi o primeiro grande projeto, em 1985, pelo que tem um sabor especial. A Telecel, a Vitamina, a Yorn são projetos inesquecíveis. Os Correios pela sua intemporalidade, a RTP pelo desafio audiovisual, o Banco BIC em Angola por ter sido uma marca de modernização do país, a Sonae pelo desafio intelectual que nos levou a ganhar o prémio do melhor projeto de marca do mundo, a Fidelidade pelo orgulho de acordar para o futuro a terceira mais antiga seguradora do mundo, a Delta pela sua dimensão social, Portugal Genial pelo amor ao meu país e Portugal Sou Eu pelo apelo que faz a cada um de nós para cuidarmos da marca Portugal e tantas outras que aqui não cabem mas que estão todas gravadas no meu coração.
Contudo, confesso a minha paixão por voar, pelo que as marcas das companhias aéreas White (TAP) e SATA foram aquelas que me fizeram voar nos céus do mundo das marcas.
A sociedade atual é um mundo de marcas. Um dos ativos mais importantes das empresas é a marca. Acha que as marcas portuguesas começam a ultrapassar a fronteira nacional e a competir eficazmente na arena global?
Acho que as empresas nacionais continuam com muita dificuldade em incorporar a gestão dos seus ativos intangíveis, das suas marcas. A crise financeira trouxe até algum retrocesso, na medida em que a escassez de recursos gerou cortes cegos nas áreas de marketing. Ainda assim, algumas marcas portuguesas compreenderam as regras do campeonato do mundo das marcas e estão a fazer um bom trabalho.
É autor do bestseller Portugal Genial, que tem como subtítulo «O lado positivo das marcas de Portugal no mundo». O que o levou a escrever esta obra?
Escrevi o Portugal Genial como um manifesto de revolta ao então vigente pessimismo instalado.
Um dia, uma pessoa que na altura ocupava um lugar de destaque na administração pública disse-me que Portugal não tinha nada de genial, quando lhe propunha uma ideia para promover o país com base nas nossas genialidades: na nossa história, na nossa cultura, na nossa geografia, nas nossas pessoas geniais, do passado e do presente. Era na altura de bom-tom, ainda é um pouco agora, passados quase 8 anos, dizer mal de Portugal. Lembro-me que saí dessa reunião profundamente revoltado e decidi começar a escrever. Para citar apenas alguns exemplos do livro, o fado era música vadia (hoje é património mundial), a flor de sal era um produto impróprio para o consumo (hoje é o valiosíssimo champagne do mar), o surf era considerado turismo de «pé-descalço» (hoje coloca Portugal nas primeiras páginas dos jornais do mundo). Valeu a pena a revolta. Tenho muito orgulho no nosso Portugal genial. Espero um dia escrever um segundo livro sobre Portugal.
Considera que os portugueses são criativos?
Os portugueses são um dos mais criativos povos do mundo; se assim não fosse já teríamos desaparecido e, ao invés disso, construímos o primeiro império multiterritorial do mundo. Entre muitas outras coisas, inventámos os caminhos marítimos do planeta Terra, inventámos a navegação pelas estrelas, inventámos a bolina, velejando contra o vento, inventámos o mulato, miscenizando com os outros povos. Sempre fomos capazes de imaginar para além da linha do horizonte, transportando no nosso sangue uma das mais valiosas qualidades do homem, a capacidade de improvisar. Somos criativos e, mais do que isso, somos criadores de mundos, para além do nosso mundo.
O pessimismo é reconhecidamente uma caraterística nacional. O José Gil fala mesmo em medo de existir…
O pensador José Gil fala em medo de existir no sentido de nos inscrevermos na missão de sermos portugueses, o que ele designa de não inscrição.
Eu creio que o pessimismo é um traço de caráter da nossa cultura e que não é esse o impedimento. Creio que o impedimento é mais superficial, na medida em que acho que se trata de uma falta de consciência muito primitiva. A maioria dos portugueses despreza o seu país e imagina os outros países sempre melhores que Portugal.
Assim sendo, não se trata de medo, trata-se de um certo tipo de sonho inocente que desvaloriza o que temos em detrimento do que sonhamos que os outros têm.
Acho que aos poucos, sobretudo os mais jovens, estamos a recuperar o orgulho de sermos portugueses e que, nesta década, seremos um país de sucesso, ainda um pouco envergonhados e com algum medo de existir mas muito bem-sucedidos e isso permitirá ultrapassar todos os medos.
No último Fórum RH, em que foi keynote speaker, ouvi-o afirmar taxativamente que «os gestores de pessoas serão os marketeers do futuro». Peço-lhe para desenvolver esta ideia.
Se considerarmos que hoje a maioria dos conteúdos das marcas é produzida por cidadãos comuns que usam a Internet para dar a sua opinião, se considerarmos que o desafio das marcas é conseguir influenciar os seus públicos de uma forma implícita, de modo que as opiniões sejam maioritariamente positivas, temos de assumir que os primeiros «acólitos» de uma marca não são os seus consumidores ou clientes, são os funcionários da empresa. Assim sendo, os recursos humanos são os principais meios de comunicação de uma marca com o exterior e, nessa medida, os marketeers do futuro serão os gestores dos mais valiosos recursos de uma organização − as suas pessoas − e, nesta minha perspetiva, as pessoas são a própria marca.
Nessa perspetiva, o que entende que deverá ser alterado na gestão de pessoas?
As marcas são as pessoas. As empresas são as pessoas, os colaboradores são a marca da empresa ao vivo. Os produtos, os serviços não falam. A publicidade foi inventada para dar voz aos produtos, numa altura em que as pessoas eram peças de grandes máquinas industriais e não tinham voz; as pessoas eram consideradas fatores de produção e de consumo. Hoje as pessoas têm opinião e expressam-na livremente criando ou matando marcas. Os colaboradores de uma empresa são o mais importante meio de comunicação da empresa com o exterior. Cada pessoa é um «anúncio», um «filme», um «spot de rádio», um «script». Cada colaborador de uma marca deverá ser o mais qualificado embaixador da sua marca. A gestão de recursos humanos deverá migrar para uma gestão de recursos humanos de marketing.
Na sua opinião, como podem os gestores de capital humano valorizar o employer branding das respetivas organizações?
Deverão ser criados programas de valorização das pessoas. A comunicação interna e a comunicação externa deverão ser integradas. A comunicação interna deverá ser sempre prévia à comunicação com o exterior. Um colaborador de uma empresa não pode ser o último a saber. Os colaboradores mais qualificados deverão ser aqueles que asseguram as principais interfaces da empresa com o exterior. Não é mais possível investir em anúncios extraordinários na Califórnia para vender um produto europeu entregando o contacto direto com os clientes a um qualquer call center no interior da Índia.
Das inúmeras atividades que desenvolve (gestor, docente, colunista, conferencista, comentador televisivo, etc.), qual é aquela em que sente maior realização pessoal?
Gosto de muitas coisas, são os meus hobbies. Mas, de tudo, o que mais gosto talvez seja falar para públicos mais jovens, onde vejo com muita esperança o futuro de Portugal.
Do seu ponto de vista, a marca Portugal tem muito território para conquistar?
Acho que Portugal é um país genial. Um país adiado, mas genial. Somos uma marca adormecida, recalcada por algumas décadas de pequenez. Somos, contudo, uma das marcas com mais potencial em todo o mundo.
Acredito que a imaginação é a energia criativa que está na base da formação das pessoas e, consequentemente, das coisas.
Portugal vive um momento especial, onde todos somos chamados a participar. A crise aumenta-nos a responsabilidade e não nos deixa alternativa para não agir.A imaginação é genética nos portugueses. Nos momentos mais difíceis sempre fomos capazes de nos revoltar e imaginar para além da linha do horizonte.
Hoje é novamente do que se trata: construir um horizonte para além da linha que nos tem conduzido ao triste domínio do possível.
É urgente libertar a nossa energia criativa. Somos 11 milhões, mais cerca de 7 milhões na diáspora.
Temos tudo para fazer de Portugal uma grande marca, uma central de energia criativa, capaz de fazer explodir um país novo, um país rico, uma grande «imagi-nação».
(Entrevista publicada na RH Magazine)