Das muitas expressões que ilustram os discursos dominantes do pensamento e das práticas em Gestão das Organizações, avulta a famosa frase de Heráclito de Éfeso, onde se afirma que “a única constante é a mudança”.
A ampla generalização e a grande frequência com que esta frase é citada, parece indicar que a “cultura da mudança” já está fortemente interiorizada nas mentes dos gestores e líderes, pelo que seria de esperar que as práticas que lhes correspondem já representassem o modo dominante de agir na vida cotidiana das organizações.
Se assim fosse, seria portanto de esperar que, por exemplo, as pessoas já tivessem desenvolvido uma assinalável capacidade de resiliência em relação à instabilidade gerada pela sucessão de mudanças que afetam o seu “modus vivendi” a uma velocidade sem precedentes, seria igualmente de esperar que houvesse já um maior número de evidências de que determinadas mudanças representaram de facto muito mais uma oportunidade do que uma ameaça, evidentemente traduzidas em melhorias expressivas nos resultados e progressos das organizações e seria também natural que, sendo o bem-estar e a felicidade organizacional uma das principais bandeiras dos processos de mudança, estes tivessem já tido uma repercussão efetiva em aumentos significativos dos níveis de satisfação nas organizações.
E, neste particular, as empresas em Portugal até parecem estar a evoluir de modo positivo, já que, de acordo com o estudo da Happiness Works, “o valor da felicidade nas organizações cresceu de 3,5 (2012) para 3,7 (2020)”, numa escala de 5 pontos, o que significa que “os profissionais em Portugal são quase felizes nas organizações onde trabalham” (Dutschke & Lopes Dias, 2023).
No entanto, e apesar destes números revelarem desde logo que a quantidade de organizações com experiências de mudança bem-sucedidas tem vindo a aumentar, o que parece ser também confirmado pelo número crescente de “case studies” de sucesso que têm vindo a ser publicados em várias revistas da especialidade, os processos extremamente acelerados de transformação social que atualmente vivemos, em grande medida fruto dos enormes avanços tecnológicos, estão a gerar novos estigmas de instabilidade pelo ritmo vertiginoso em que ocorrem essas mudanças que, mais do que nos levarem a perceber que “já nada é como dantes”, nos provocam em cada dia o inquietante sentimento de “já nada é…como ontem”.
Como é natural, estes novos estigmas de instabilidade estão a atingir fortemente as sociedades e as organizações, fazendo aumentar os sentimentos de “insegurança ontológica”, com o consequente agravamento dos níveis de stresse e de ansiedade que, por sua vez, impactam negativamente os índices de bem-estar e de felicidade.
De facto, estamos cada vez mais imersos numa espécie de realidade paradoxal em que, como refere António Damásio, “os tempos em que vivemos poderiam ser a melhor das épocas para se estar vivo, porque estamos rodeados por descobertas científicas espetaculares e por um brilho técnico que tornam a vida cada vez mais confortável e conveniente” (Damásio, 2017). Todavia, vários estudos, citados pelo autor, evidenciam que “curiosamente, ou talvez não, o nível de felicidade nas sociedades que mais beneficiaram com os espantosos progressos do nosso tempo mantém-se estável ou em declínio” (op.cit).
Uma das possíveis razões para este “declínio”, ou, pelo menos, para o facto de os índices de felicidade não evoluírem a um maior ritmo nas organizações, poderá estar justamente no facto de que a grande rapidez em que as mudanças ocorrem nunca permite às pessoas fruírem as suas possíveis consequências positivas, ficando para elas, as pessoas, apenas os custos do desconforto e da ansiedade provocados por esses processos.
Sabemos das ciências organizacionais, que, para as pessoas, uma das principais forças propulsoras da mudança é justamente o acreditarem que o possível futuro será sempre melhor do que atual presente. Assim, um dos ingredientes fundamentais para que um processo de mudança seja bem conseguido (não me refiro obviamente às mudanças que são simplesmente impostas) é que cada pessoa sinta que os objetivos a alcançar estão alinhados e enriquecem, por assim dizer, o seu sentido de propósito, algo que lhe faça sentir que tem “o poder de escolher um rumo pessoal com significado que integra a vida pessoal com a profissional” (Porras, Emery & Thompson, 2007).
Ora, se a mudança for, de facto, uma coisa permanente, onde, portanto, o sentido de um futuro desejável se confundir com a perceção de uma realidade presente, supostamente indesejável (ou não haveria justificação para mudar) é a própria lógica e coerência da mudança que está posta em causa, passando as pessoas a viver numa espécie de “limbo existencial” em que “já não são o que eram, mas ainda não são, nem sequer sabem, o que poderão vir a ser”.
Este tipo de situação não será, convenhamos, muito favorável à fruição de uma sensação de bem-estar e muito menos ao florescer de um sentimento de felicidade e será por isso que muitos profissionais expostos em situações de “mudança permanente”, em que já não sabem em quê e em quem acreditarem, onde são cotidianamente confrontados com novos facto e novas informações, acabam por cair em situações de “exaustão provocada pelo excesso de factos” (Damásio, 2017)e resolvem a sua dissonância cognitiva “criando uma espécie de refúgio natural para se defenderem contra a informação contraditória” (op.cit.).
Ou seja, na ausência de uma perspetiva credível de um propósito maior, voltam-se para dentro de si próprios, numa “fuga para as crenças e as opiniões pré-definidas” (id.).
Se, teoricamente toda a gente parece concorda que “a única constante é a mudança”, mantendo sobre ela uma atitude, em princípio, proativa e um prognóstico positivo sobre a sua capacidade pessoal de “vencer as transições”, na prática as pessoas confrontam-se com as dificuldades mentais e emocionais resultantes de processos de mudança que, de tão constantes, sucessivos e muitas vezes imprecisos, , acabam por ser vividos de forma desordenada e desconexa, o que acaba por minar os ambientes organizacionais fazendo disparar os níveis de stresse e de ansiedade dos colaboradores.
Mas, não será este o tipo de realidade que está representado na famosa fórmula BANI (na versão portuguesa Frágil, Ansioso, Não Linear, Incompreensível) tão frequentemente citada pelos nossos profissionais? E não é esta a realidade em que já vivemos atualmente? E para a qual temos de estar realmente preparados?
A resposta é claramente sim. Por isso, num mundo em que as dimensões do tempo se esbatem, se calhar não faz muito sentido falar de “Competências do Futuro”.
O que precisamos, sim, é de promover em permanência o desenvolvimento das competências necessárias para viver melhor as várias facetas do presente concreto. Porque, afinal, como se costuma dizer “o futuro é já hoje”.
REFERÊNCIAS
Damásio, A. (2017). A Estranha Ordem das Coisas. Lisboa: Temas e Debates.
Dutschke, G. & Lopes Dias, A. (2023). Felicidade Organizacional. Lisboa: Editora RH
Porras, J., Emery, S. & Thompson, M. (2007).