Sónia P. Gonçalves
Licenciada, mestre e doutorada em Psicologia do Trabalho e das Organizações pelo ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa)
Professora Auxiliar Convidada do ISCSP-ULisboa
Coordenadora Executiva da Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos
Este artigo poderia começar por destacar a importância e vantagens da formação no contexto laboral. A formação perspetivada como um dos principais fatores de competitividade, e também de sobrevivência, permitindo que a organização e o indivíduo possam dar uma resposta adequada às exigências do ambiente envolvente. Contudo, isso seria apenas a replicação de muito que já está escrito. Optou-se por um outro olhar que se espera ser enriquecedor e que deixe algumas inquietações e sementes de mudança.
A formação profissional é uma obrigação legal. O empregador deve assegurar formação contínua e cada trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de horas de formação. Além disso, às empresas cabe o dever de promover a qualificação do trabalhador, assegurar o direito individual à formação; organizar planos de formação anuais ou plurianuais; reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador; e habilitar os trabalhadores a prevenir os riscos associados à respetiva atividade. O incumprimento resulta em coimas aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho. Este é um lado da moeda, que muito inquieta organizações e as áreas de recursos humanos.
E o que está do outro lado da moeda?
O que assistimos realmente em muitas empresas ao nível da formação?… Formações agendadas em cima da hora, no final do ano para preencher a obrigação legal, levantamentos de necessidades que são “copy paste” do ano passado, a área de recursos humanos a correr atrás de gestores e equipas para conseguir concretizar os planos de formação…. Trabalhadores forçados a frequentar formações sobre as quais não têm interesses…formações estandardizadas e iguais em todas as empresas… E muito outros erros podem aqui ser somados.
Que benefícios retiram empresas e trabalhadores deste tipo de formação? Quais são os ganhos efetivos? O que é realmente aplicado no dia-a-dia? O que é na verdade transferido?
Como contornar estes erros mais comuns?
Não há soluções, nem receitas milagrosas, mas destacaremos dois caminhos possíveis e que certamente potenciariam estes processos transformacionais.
1 Adoptar uma abordagem sistemática da formação.
Esta abordagem tem como objectivo procurar uma visão geral do processo de formação e caracteriza-se por desenvolver, de forma ordenada, uma série de processos em que se recolhe e analisa informação sobre os comportamentos individuais e colectivos e pela sua resposta em termos de identificação e satisfação de necessidades de formação (IEFP, s/d). Visa responder ao quem, quando, onde, porquê e como? A aplicação da abordagem sistémica assegura que os programas de formação tal como os seus materiais, são desenvolvidos de forma continuada, efetiva e eficaz para satisfazer às necessidades e à sua rápida evolução.
A identificação das necessidades de formação visa detetar o desvio entre exigências do trabalho e competências existentes face a conhecimentos, aptidões, atitudes e experiência. É uma etapa importante para evitar formação excessiva e défices de formação (custos extra). Para que esta etapa seja efetivamente realizada é necessária a implicação e envolvimento de todos. Se os objetivos de formação estiverem integrados nos objetivos individuais de cada área/departamento certamente o empenhamento será mais vincado.
A fase da conceção e planeamento da formação visa preparar conteúdos e sequência de apresentação, adequar estratégias pedagógicas, escolher equipamento e outros recursos e definir o tempo. Esta é uma fase crucial, a unicidade de cada processo formativo. A área de recursos humanos se envolver ativamente nesta fase é fundamental, quer seja formação intra-empresa ou não, quer seja formador interno ou externo. O facto de ser uma formação adjudicada a uma consultadora externa, não retira responsabilidade à área de RH nesta fase. Aspetos tão simples, como a personalização dos materiais e exemplos, com fotografias, exemplos ocorridos na empresa faz toda a diferença para a adesão e utilidade da formação. Nesta fase a na próxima a andragogia é o elemento chave e que teremos oportunidade de abordar mais à frente.
Monitorizar a formação implica escolher e aplicar técnicas para apoiar a aprendizagem ao longo do processo formativo.
A avaliação da formação permite o follow-up para ver se resultou, para fazer o balanço de se o investimento foi rentável, usar o feedback para melhorar erros no/a: a) Desempenho do formando; b) Estrutura da formação; e, c) Forma de monitorização. Faz-se a comparação de resultados face aos objetivos predefinidos; o diagnóstico das causas de fracos resultados; o estabelecimento de ações ou planos de correção e aperfeiçoamento e a determinação da rentabilidade de um projeto. Ao nível da avaliação não podemos deixar de mencionar os 4 níveis de avaliação da eficácia da formação de Kirkpatrick (1998).
2 Estimular contextos andragógicos.
A andragogia é definida como o percurso educacional que procura compreender o adulto, podendo ser encarada como uma teoria mas também como um método de educação, que se reflete em diversas trocas de conhecimentos, entre o facilitador do conhecimento [formador] e o adulto e as suas experiências de vida. O que conduz a que a aprendizagem seja da responsabilidade compartilhada entre o formador e formando.
Alexander Kapp (1833) é considerado por muitos como o Pai da Andragogia. Contudo, foi Malcolm Knowles (1913-1997) que impulsionou a andragogia com a definição dos seis princípios da aprendizagem de adultos, elementos que precisam ser considerados em qualquer ação educacional, referenciados mais abaixo. Muitos outros autores os seguiram, diferenciando o modelo pedagógico, habitual nas nossas formações, do modelo andragógico.
Os modelos pedagógicos tradicionais têm por objetivo ensinar e desenvolver pessoas. A aprendizagem é perspectivada como produto final, o foco de condução da aprendizagem e da educação está no professor/formador. É o modelo da educação orientada para as crianças. Mas estará este modelo orientado para adultos e para o processo de aprendizagem específico dos adultos? A sua utilização terá como resultado os adultos serem ensinados como crianças?
Por sua vez, a andragogia tem por objetivo aprender a aprender, ajudar as pessoas a desenvolverem-se, sendo a aprendizagem encarada como processo e não como resultado. O facilitador é um mediador do processo de aprendizagem, para que o formando seja agente do seu próprio conhecimento e co-autor da construção do processo formativo (Anastasiou & Pimenta, 2003).
Desta forma, se as situações de aprendizagem forem integradas no dia-a-dia dos formandos, tornam-se aprendizagens significativas – ou seja, envolve o indivíduo como pessoa, como um todo (ideias, sentimentos, cultura, valores, sociedade, profissão) e ocorre quando o que se propõe para aprender se relaciona com o universo de conhecimento, experiências e vivências do indivíduo (Masetto, 2010).
Daqui decorrem os princípios da andragogia, partindo dos pressupostos que os adultos são capazes de aprender, aprendem de forma diferente e de forma contínua (Carvalho, 2018). Os adultos aprendem melhor quando têm (Knowles et al., 2015): 1) necessidade para aprender e saber o porquê, o quê e como; 2) um auto-conceito como aprendentes autónomo e autodirigido; 3) a experiência de vida para aprender que fornece recursos e modelos mentais que não podem ser ignorados; 4) de tomar a decisão de aprender, como sendo uma tarefa de desenvolvimento; 5) na motivação interna como impulsionador para aprender, como recompensa pessoal; e, 6) a vida como orientação para a aprendizagem, i.e., processo centrado nos problemas contextuais. Os adultos precisam de saber porque necessitam de aprender algo antes de começarem a aprendê-lo e têm prontidão para aprender as coisas que precisam saber para enfrentar melhor as situações do dia-a-dia.
Muito poderíamos escrever, todavia, o objetivo é lançar sementes que cada adulto e organização possa cuidar e fazer crescer ao seu ritmo e reflexão. Mas algumas mudanças temos de fazer nos processos formativos das organizações!! Caso contrário continuaremos a perder recursos, sem ganhos! A andragogia pode ser um caminho que possui bases fundamentadas na teoria, tornando-a presente no processo de formação, levando em consideração o papel (pró)ativo do adulto no processo de aprender a aprender e a sua responsabilidade pessoal pela própria aprendizagem e capacitação para a aprendizagem contínua ao longo da vida. Processo potenciado pelo facilitador e assente em princípios estruturantes e numa visão sistémica e sistemática do processo de formação.