Em todo o mundo, e especificamente no mercado laboral português, a igualdade de género ainda parece uma miragem. Quando analisado o fosso na remuneração, ainda é possível verificar que as mulheres recebem menos 13,3% do que os homens. No entanto, vários estudos têm comprovado a relação positiva entre a existência de mulheres na liderança e um melhor desempenho empresarial. Seria, portanto, expectável que houvesse uma maior aposta no talento feminino, mas tal não se verifica ainda.
Cuidadoras, mães, e menos orientadas para a carreira, logo, pouco interessadas em cargos de liderança– é este o estereótipo que ainda hoje predomina e que tem vindo a retrair as empresas de nomearem mais mulheres para cargos de liderança.
Paradigma nas Tecnologias de Informação está a mudar
Rita Cadillon, Head of People & Culture Portugal e África PT na Cegid, é um dos exemplos de uma liderança feminina num setor predominantemente masculino- o tecnológico. Na empresa desde 2018, tem a cargo a “atratividade e a experiência de colaborador e o aumento das competências da equipa, de forma a permitir o crescimento da empresa”, explica à RHmagazine.
A área tecnológica é maioritariamente composta por colaboradores de sexo masculino sendo que, na Cegid, a presença feminina ronda os 36%. No entanto, contrariamente ao esperado num setor onde são poucas as mulheres na liderança, na tecnológica 30% das lideranças são ocupadas por mulheres, “um valor acima da média nacional”, refere Rita Cadillon.
Na Webhelp, as mulheres já representam metade do número total de colaboradores, sendo que 50% da equipa da direção da empresa é composta, também, por mulheres. Lina de Jesus, Diretora de Recursos Humanos da Webhelp Portugal, acredita que estes valores resultam de “uma política de gestão de pessoas que segue linhas internas para que a equipa de liderança seja altamente competente, mas também diversificada ao nível de género”.
Para Fernanda Morais, Talent Recruitment Team Leader na KWAN, empresa de recrutamento de perfis para o setor das Tecnologias de Informação, os entraves a uma maior representatividade feminina na área de IT são sistémicos. “O principal desafio vem do facto de as mulheres sentirem que podem não ter a capacidade para ser bem-sucedidas, afinal estamos a falar de uma profissão que ainda é maioritariamente desempenhada por homens no nosso país”, comenta.
Esta realidade é evidenciada pelos dados da Eurostat, que mostram que, em Portugal, os homens constituem 79,3% dos profissionais de IT, o que cria um estigma em torno da profissão e tem retraído muitas mulheres a explorar uma carreira na área.
Na KWAN a reconversão de carreira para IT é realizada em parceria com outra empresa que, após o recrutamento dos profissionais, assegura uma formação de três meses em Outsystems. Esta academia já se encontra na segunda edição e tem envolvido homens e mulheres. Fernanda Morais conta que “ao nível da primeira, tivemos bastante mais candidaturas da parte de homens do que de mulheres, o que mostra que, mesmo sendo poucas, as mulheres destacam-se”.
A empresa de reconversão de IT tem assistido a uma mudança de paradigma no setor das Tecnologias de Informação: “tem-se verificado um aumento do número de mulheres que se candidatam às nossas vagas”, diz.
No setor metalúrgico, a representatividade ainda está aquém
O setor metalúrgico é outro onde a representação de mulheres ainda é escassa. Na ECOSTEEL, apesar de as mulheres serem apenas 25% da força de trabalho, são 11 as mulheres na liderança na organização. Helena Campos, corporate manager da ECOSTEEL, revela que a direção da empresa conta com “um quadro de quatro elementos, de entre os quais, duas diretoras assumem cargos absolutamente nevrálgicos – financeiro e operacional. Das chefias intermédias, nove mulheres assumem a responsabilidade de departamentos como orçamentação, preparação ou controlo de gestão”, explica.
Esta possibilidade de progressão e de alcançarem cargos de liderança é possível através de uma baseada no mérito e nas competências.
“É despropositado dizer que já não faz sentido falarmos de igualdade de género porque, a desigualdade ainda existe – seja por uma associação de menor resistência física a alguns trabalhos, seja pela associação da mulher à maternidade e a subsequente diminuição da disponibilidade para a carreira. A nossa forma de combater estes ‘pré-conceitos’ criados é, efetivamente, promovendo pelo mérito, competência e resultados gerados”, reforça Helena Campos.
Também no setor da indústria, a empresa centenária Palbit assume-se como especialista na produção de ferramentas de metal duro. Na empresa, 40% dos colaboradores são mulheres, nos dias de hoje, sendo que sete estão em cargos de liderança, assumindo posições de chefia de setores de produção, departamento de recursos humanos e engenharia de processo.
Cristina Maria da Silva Fernandes, engenheira, iniciou o seu percurso em 2016 na empresa e faz um balanço positivo do mesmo. “Por um lado permitiu-me continuar a desenvolver trabalho de investigação na área do processamento de materiais e por outro manter e alargar a colaboração com as entidades de ensino superior (Universidades e Institutos) através de projetos de I&D, orientação de trabalhos de mestrado e doutoramento entre outras colaborações”, refere.
Na empresa, não identifica que, para já, haja planos de criação de políticas de responsabilidade social, mas aponta para a necessidade da criação de incentivos e iniciativas no âmbito da diversidade e igualdade, para que esta venha a ser uma realidade mais presente no futuro.
Promover o talento feminino é prioridade
Se está comprovado, por meio de diversos estudos, que as empresas com mulheres na liderança apresentam melhores resultados e um índice de satisfação mais elevado, então porque é que as empresas ainda não estão a agarrar esta oportunidade?
Para Rita Cadillon (Cegid), “as empresas têm um papel fundamental na sociedade e devem ser agentes de mudança e contribuir positivamente para o desenvolvimento social e económico”.
Na Cegid, o investimento em políticas de responsabilidade já é uma realidade. “Atualmente, somos uma referência nacional em boas-práticas de gestão de Recursos Humanos, em termos de promoção da igualdade, parentalidade e conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal”, explica a Head of People & Culture Portugal e África PT. Contudo, a responsável identifica que ainda existe “um caminho a percorrer para que as engenharias tecnológicas se tornem mais atrativas para as mulheres. A área de desenvolvimento de software ainda continua a ser muito masculina e, por esse motivo, iremos trabalhar para atrair mais mulheres para as engenharias, particularmente as tecnológicas, mostrando-lhes que é possível ter uma carreira de sucesso, com conciliação entre a vida pessoal e familiar nesta área”.
Esta missão é partilhada pela KWAN: “acreditamos que o nosso papel é precisamente o de promover um processo de recrutamento e o posterior acesso a oportunidades de evolução na carreira de forma inclusiva e equitativa para homens e mulheres”, revela Fernanda Morais.
Também Helena Campos (ECOSTEEL) identifica a necessidade de se endereçar a igualdade, um tema que, na sua opinião, não pode esperar mais.”Estamos atentos às tendências de mercado, tentamos uma postura proativa de acompanhar, ouvir e perceber o que que cada colaboradora nossa precisa e aprecia, tentando, dentro do possível, dar resposta e aceder a essas necessidades para que, fazendo nós parte de um setor que era essencialmente masculino, seja cada vez mais, um desafio entusiasmante e não uma limitação, afirmando a nossa identidade, também, como mulheres”.
No âmbito da igualdade, tanto Rita Cadillon, da Cegid, como Fernanda Morais, da KWAN, acreditam que é imperativo, também, as empresas promoverem um equilíbrio entre a família e o trabalho. “A flexibilidade de horários e possibilidade de trabalhar remotamente ou de forma híbrida permitem que cada colaborador tenha mais facilidade em equilibrar a vida pessoal com a profissional, o que é uma grande mais-valia, tanto para homens como para mulheres, mas sendo a mulher ainda hoje a grande responsável pela gestão do lar (de acordo com os dados de 2021 da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, as mulheres dedicam, todos os dias, mais do dobro do tempo que os homens dedicam a tarefas domésticas) este benefício faz muita diferença”, afiança Fernanda Morais.
“Gostaria de acrescentar que antes de qualquer iniciativa, é essencial que haja empatia por parte das empresas, ou seja, mostrar abertura para com os desafios que um colaborador possa enfrentar, seja homem ou mulher. Apoiar que o homem fique em casa com um filho doente porque a mulher tem que ir trabalhar é igualmente promover a igualdade de género”, conclui.