A Síndrome de Asperger é considerada uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) com uma expressão mais ligeira. De acordo com a última revisão do DSM-5 (2013) – o manual de diagnóstico mais aceite para perturbações no neurodesenvolvimento – a designação síndrome de Asperger desapareceu como diagnóstico.
Crianças e adultos que se encontrem na síndrome de Asperger partilham os mesmos desafios em áreas como a comunicação, interação social e no comportamento que caracterizam perturbações do Espectro do Autismo. No entanto, estas dificuldades não afetam aspectos como a linguagem e pessoas com estas características mostram um nível cognitivo normal ou mesmo acima da média em algumas áreas.
À medida que estas pessoas entram no mercado de trabalho, desafios como manter o contacto ocular, descodificar mensagens para além do conteúdo verbal explícito ou ter pouca iniciativa na comunicação são desafiantes para estas pessoas quando entram nas diferentes etapas do recrutamento das empresas.
Um estudo realizado pela Boston Consulting Group (BCG) concluiu que 25% dos trabalhadores dizem ter uma deficiência ou condição médica limitadora, mas as empresas apenas reportam entre 4% a 7%. Os dados apurados pela Boston Consulting Group acrescentam que “a disparidade pode ser atribuída a fatores como o receio do estigma, de um impacto negativo na segurança no trabalho ou até mesmo em perspectivas de promoção”.
“Nos 16 países incluídos no estudo da BCG, o índice mostra que a inclusão de Pessoas com Deficiência (PcD) é três pontos mais baixa do que o valor médio das pessoas sem deficiência ou condição de saúde”, escreve a BCG no mesmo estudo.
O estudo conclui que as PcD têm uma experiência de trabalho mais negativa e apresentam mais 1,5 vezes maior de probabilidade de sofrer discriminação dentro das empresas, do que as restantes.
No entanto, é possível observar pequenos casos com sucesso. Em abril, a Critical Software abriu 14 vagas especificamente dirigidas a profissionais dentro do Espectro do Autismo. Mas exemplos como estes ainda são um microcosmo do que pode ser feito para ajudar estes profissionais, especialmente como o que aconteceu durante o tempo da pandemia.
Os desafios e o papel da APSA

Em 2020, durante um fórum organizado pela APSA (Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger) para assinalar o Dia Internacional da Síndrome de Asperger e o Seu Sentir, jovens com esta condição salientaram que a socialização se tornou numa necessidade para muitos, ao invés de um desafio.
Com a pandemia, muitas atividades presenciais foram interrompidas, mas ocorreu uma continuidade através de tarefas domésticas. Após o confinamento, em que muitos jovens acusaram sentimentos de solidão e frustração, muitos expressaram a necessidade de querer ter um salário estável, mais autonomia e a vontade de viver sozinhos.
Patrícia de Sousa, psicóloga e Diretora Técnica da Casa Grande da APSA, explica que a integração laboral das pessoas com Autismo funcional implica um trabalho de intervenção antecedente, muitas vezes a nível psicológico por existirem comorbilidades associadas como a ansiedade generalizada, estados depressivos ou outras questões de saúde mental.
“Muitas vezes, pela falta de coerência entre a legenda social, o desajeitamento motor e a perturbada função de planeamento para a tomada de decisão, estes jovens apresentam limitações na sua autonomia funcional. A etapa da procura de emprego, por si só cheia de desafios para qualquer um, coloca a nossa população em desvantagem”, acrescenta Patrícia de Sousa.
No entanto, Patrícia de Sousa salienta o aspecto autodidata de muitas destas pessoas. Profissionais com Síndrome de Asperger revelam-se exímios em determinados conhecimentos e “saberes”, mesmo quando os currículos não são representativos das mesmas capacidades e aptidões por falta de credenciais e formação certificada. “Por outro lado, temos perfis que dedicam a sua vida a estudar, apresentam currículos com inúmeras habilitações/certificações, mas a componente de relação interpessoal, comunicação e a desadequação a nível social, faz com que numa entrevista dificilmente sejam selecionados”, sublinha.
Outros aspectos que podem afetar trabalhadores com Síndrome de Asperger são as limitações ao nível da relação interpessoal, o facto que estas pessoas necessitam de um ambiente físico que corresponda às suas sensibilidades e padrão de atenção, a rigidez de pensamento ou dificuldade de autogestão.
Além disso, os estímulos externos à função, por si só, podem promover índices de distração elevado ou momentos de ansiedade que levam a uma indisponibilidade ou à fraca produtividade.
“Trabalhar a full time torna-se exigente, muitas vezes, pela carga de estímulos associados ao ambiente e não diretamente à função/ tarefa”, conclui.
Desde a sua criação em 2003, a APSA tem desenvolvido projetos que auxiliem pessoas no espectro do Autismo. Na Casa Grande, um projeto desta iniciativa, são feitas atividades de integração comunitária para jovens a partir dos 16 anos com síndrome de Asperger.
“A coordenação da APSA com as empresas passa por uma mediação desde o processo de conhecimento, levantamento de informações diversas da empresa até à manutenção do posto de trabalho do colaborador com autismo. Acompanhamos e trabalhamos em conjunto para o match Candidato/Função; preparamos as equipas, falamos sobre o autismo, mas, acima de tudo, falamos sobre o perfil do futuro colaborador com autismo. Validamos os seus potenciais e fortalecemos as equipas de ferramentas e estratégias para saberem lidar com as suas limitações. Não saímos de cena. A mediação é constante em todo o processo de permanência laboral com o objetivo de melhorar a eficiência laboral, competência social e contribuir para melhores índices de autonomia e qualidade de vida no seu projeto de vida”, refere Patrícia de Sousa, psicóloga e Diretora Técnica da Casa Grande da APSA.
A Casa Grande, resposta social da APSA, já integrou 66 jovens no mercado de trabalho e têm mais de 35 empresas recetivas ao projeto. Ao mesmo tempo, a APSA têm um número significativo de parceiros que desenvolvem projetos e dinâmicas junto da nossa equipa de intervenção.
A APSA é um dos exemplos de instituições que ajudam na integração dos profissionais, com outras a criar parcerias com empresas de modo a incluir estes jovens nas empresas. Outro exemplo é o da SEMEAR, que conseguiu integrar 57 pessoas com DID – Dificuldade Intelectual e do Desenvolvimento – no mercado de trabalho numa rede de 27 empresas parceiras.
Além destes aspectos de formação, intervenção e mentoria que estas instituições podem dar a estes jovens que desejam ingressar no mercado de trabalho, é importante que as empresas criem bases que auxiliem na captação destes talentos. Mesmo com diversas dificuldades ao nível da comunicação, interação social e no comportamento, profissionais no Espectro do Autismo podem revelar grande domínio e capacidade em aspectos bastante específicos do dia a dia das empresas.