[Carlos Courelas:] Vejo a logística como um setor que nos ensina a importância de trabalhar os processos. Mesmo na área das pessoas, se tivermos um bom processo, este vai contribuir para uma experiência muito mais positiva e criar valor. Carlos, sendo a logística uma atividade com muita pressão, que desafios se colocam na gestão das pessoas?
[Carlos Figueiredo:] Quando cheguei à Stef, há cerca de cinco anos, fui (entre aspas) surpreendido com desafios muito fortes. É um setor muito exigente, muito dinâmico. É uma atividade permanente. O ciclo é contínuo, ou seja, estamos sempre a laborar, 24h sobre 24h, todos os dias com cerca de 200 carros na rua. São milhares de toneladas manuseadas e isso é um ciclo que se repete todos os dias, com muitas incidências e com muitas vicissitudes.
É uma atividade extremamente contingente. Nós existimos para servir os nossos clientes e temos um propósito que é dar satisfação às suas necessidades. A atividade é muito complexa, sendo quase impossível fazer tudo bem feito.
Os sistemas, os processos e a experiência das pessoas têm de estar ao serviço desta ideia, porque o objetivo é não falhar e ser visto como um parceiro muito confiável. Há uma componente tecnológica, sistemas que nos ajudam, mas ainda é uma atividade de pessoas e de equipas. Mobilizar as pessoas todos os dias para darem 100% do seu melhor é o nosso maior desafio.
“Mobilizar as pessoas todos os dias para darem 100% do seu melhor é o nosso maior desafio.”
Carlos Figueiredo, Diretor de RH e Head of Legal da Stef
Na Stef, o nosso propósito é servir o cliente e sermos um parceiro de confiança. No caso da Servier, como é transmitido o propósito da empresa e de que forma é impactante nas equipas e na gestão diária do negócio?
[Carlos Courelas:] Na Servier, sendo uma empresa farmacêutica, o propósito é muito claro e omnipresente. Estamos aqui para desenvolver soluções terapêuticas, medicamentos, para garantir a qualidade e que estes medicamentos cheguem ao maior número de pessoas. É uma mensagem muito forte e que liga as pessoas.
Quem vem para aqui, entende rapidamente o impacto positivo que está a ter nos cuidados de saúde e no mundo. O propósito da Servier tem uma força intrínseca e com um poder fantástico. Temos a área de desenvolvimento, que é extremamente científica, mas o restante são relações. A maior parte dos meus colegas são especialistas na área do relacionamento. O trabalho deles é estar em contacto com os profissionais de saúde, com os doentes e saber demonstrar os benefícios das terapias.
Quando cheguei aqui, tive surpresas muito positivas. Uma delas foi constatar que várias pessoas estão há mais de 25 anos na empresa. Quando chegamos a uma empresa e encontramos pessoas com 25, 30, 35 anos de casa, altamente motivadas, com uma excelente qualidade de trabalho, com grande dinamismo, sentimos uma enorme confiança na organização. É o melhor cartão de visita que podemos ter. Facilmente podemos ver essa diversidade na equipa e na forma transparente como isso faz parte da cultura da empresa.
Na Stef, existe, também, este equilíbrio de uma equipa formada por diferentes faixas etárias e experiência na empresa?
[Carlos Figueiredo:] Vou pegar em dois pontos muito interessantes. Falaste na transparência e, no caso da Stef, falaria na proximidade entre as pessoas, que quebra muitos vínculos hierárquicos. Aliás, a sede da empresa está na plataforma mais importante e isso é muito interessante.
A Stef está em Portugal há cerca de 27 anos e o grupo está a celebrar 101 anos. Vejo exatamente a mesma coisa que existe na Servier. Temos pessoas que começaram no início da Stef e que se cruzam com pessoas que estão a entrar no âmbito do programa graduate ou como estagiários.
“Temos pessoas que começaram no início da Stef e que se cruzam com pessoas que estão a entrar no âmbito do programa graduate ou como estagiários.”
Carlos Figueiredo, Diretor de RH e Head of Legal da Stef
[Carlos Courelas:] Ouvi sempre falar muito bem do programa perpigners.
[Carlos Figueiredo:] Sim, temos esse programa para as pessoas que têm possibilidade de evoluir na carreira e fazer um trajeto na empresa. Gosto de várias coisas neste grupo e uma delas da qual gostaria de falar é o programa de poupança para os empregados.
Todos os anos, os colaboradores podem investir, comprando ações da empresa. Para poder participar, o colaborador pode ter contrato a termo certo ou sem termo e tem de estar a trabalhar no mínimo há três meses na Stef.
Há duas campanhas por ano e é um programa que tem 31 anos. Em Portugal, começou há cerca de 20 anos. Acabámos de fazer a primeira campanha de 2024 e batemos todos os recordes, com 300 pessoas a subscreverem ações. 75% dos colaboradores portugueses no ativo são acionistas da empresa, através deste programa. Eu considero isto fantástico. Superámos a adesão ao programa em todos os países da Europa, incluindo França. Acho que revela bastante como os colaboradores vêem a empresa e o quanto acreditam nela.
[Carlos Courelas:] De certa forma, tem um papel de responsabilidade social, porque estão a ajudar as pessoas a criar algum tipo de poupança.
[Carlos Figueiredo:] Sim. Para mim, é mais do que um elemento de remuneração ou retribuição. É uma manifestação de como as pessoas realmente acreditam na empresa. Na apresentação anual do orçamento, defendi que o ideal seria cada trabalhador, um acionista.
Creio que a Servier também tem um modelo de negócio que a distingue na sua atividade…
[Carlos Courelas:] Na Servier, temos uma particularidade que nos distingue e é também uma particularidade dentro do nosso setor. Não temos acionista, pertencemos a uma fundação. Isto é marcante, porque quando temos o acionista, este espera um retorno do seu investimento. Numa fundação, é diferente. Temos a necessidade de ter rentabilidade nas nossas atividades, mas traz aqui outro caráter e as pessoas sentem que estão a trabalhar para um bem maior.
A questão financeira é muito importante e sabemos que a investigação e o desenvolvimento de medicamentos é extremamente pesada, de elevado risco, pois falamos em prazos longos. O esforço e as decisões que tomamos de melhor desempenho financeiro é para garantir a sustentabilidade da empresa e desenvolver medicamentos. As pessoas sentem orgulho de trabalhar para um bem maior.
[Carlos Figueiredo:] Esse propósito e a cultura transparente são essenciais para criar a proximidade entre as pessoas. Creio que o Carlos partilha dessa visão, também.
[Carlos Courelas:] Sim, há pouco partilhei a grande mudança e transformação, quando viemos para este escritório. Estávamos num edifício de oito andares, separados por pisos e, dentro dos pisos, separados por paredes cinzentas. Houve uma mudança radical e estamos em modo flex office, ou seja, temos cerca de 60 e tal pessoas, quase 70, mas só há 51 postos de trabalho e não há um único gabinete, incluindo o do Diretor-Geral.
No início, foi um choque para todos, mas o exemplo veio de cima. É um escritório onde existe equidade e igualdade. Somos todos colaboradores, temos todos os mesmos equipamentos, as mesmas cadeiras, sentamos onde queremos e isto ajuda-nos na flexibilidade.
Esta mudança gerou uma enorme poupança de recursos. Passámos de mais de 2.000 m2, para cerca de 900 m2, com reduções de água, eletricidade e menos consumos. As pessoas percebem que conseguimos ter um melhor espaço de trabalho, poupamos e estamos mais próximos dos colegas, colaboramos melhor e somos mais criativos e transparentes.
[Carlos Figueiredo:] Como está organizado o regime flex office?
[Carlos Courelas:] Temos alguma orientação do grupo, mas sempre nos pautámos na cultura da Servier de alguma flexibilidade e responsabilização. Ou seja, temos, em média, dois dias por semana no escritório. Cada um gere esses dois dias. Não foi preciso definir regras muitas rígidas, nem o desenvolvimento de aplicações para marcação de mesa. Sentimos que temos o equilíbrio certo, porque assim garantimos que, ao longo da semana, nos podemos cruzar, que existe a troca necessária à criatividade, à inovação e à camaradagem.
“Sentimos que temos o equilíbrio certo, porque assim garantimos que, ao longo da semana, nos podemos cruzar, que existe a troca necessária à criatividade, à inovação e à camaradagem.”
Carlos Courelas, Human Resources Manager da Servier
Mas, no caso da Stef, este trabalho à distância não é, obviamente, possível. Certo?
[Carlos Figueiredo:] Há funções que são incompatíveis com o trabalho à distância. Nas outras funções de gestão, ou mais administrativas, também temos um programa, mas não é tão flexível quanto o da Servier.
[Carlos Courelas:] Gostaria de dar mais uma contribuição neste ponto. Na Servier, temos flexibilidade mas, na realidade, do que gostamos é que as pessoas queiram vir ao escritório. Atualmente, é um grande desafio de liderança.
No passado, não se colocava a pergunta se amanhã temos de ir, ou não, para o trabalho fisicamente. Era uma obrigação contratual. Atualmente, não há a obrigação e qualquer líder de uma organização tem de saber criar vontade para as pessoas quererem estar próximas. Este é um grande desafio que não existia no passado.
[Carlos Figueiredo:] Recentemente, fizemos um survey e uma das conclusões foi a importância do local de trabalho, não só do ponto de vista das condições de segurança e higiene do trabalho e da saúde, mas também na ideia de como podemos tornar atrativo o local de trabalho. O workplace tem cada vez mais importância e em dezenas de leituras. Desde dar satisfação a ajudar a atratividade dos candidatos. Depois da pandemia, surgiram novos desafios na gestão de pessoas.
[Carlos Courelas:] Sem dúvida. Na minha perspetiva, há, também, a questão da retenção do talento. Não podemos dar-nos ao luxo de não aproveitar talento, até pelas questões demográficas e da sustentabilidade da segurança social. O foco no reskilling, no coaching e ainda na IA são, sem dúvida, alguns dos grandes desafios transversais a todas as organizações.
Artigo publicado na edição 153, referente aos meses de julho e agosto de 2024