Autora: Maria João Santos, Head of Careers & Talent na Católica Lisbon School of Business & Economics, Universidade Católica Portuguesa
Antes da Covid-19, o mundo já era altamente complexo e interligado, com um ritmo de mudança alucinante potenciado pela tecnologia. Quando questionados por diferentes organizações, colaboradores (BCG, 2019) e empregadores (WEF, 2016) por todo o mundo já reconheciam o impacto da globalização e da tecnologia no emprego e nas competências “à prova de futuro”.
Apesar de diferenças por funções ou geografia, no geral, as pessoas acreditavam que as competências cruciais seriam comunicação, analíticas, de liderança, solução de problemas, adaptabilidade, criatividade, colaboração, inovação e pensamento crítico (BCG, 2019). Não muito diferente do top de competências antecipado pelos responsáveis dos recursos humanos e estratégia para 2020 que o WEF publicou no seu primeiro Future of Jobs Report: solução de problemas, pensamento crítico, criatividade, gestão de pessoas, coordenação com outros, inteligência emocional, capacidade de decisão, orientação para o serviço, negociação e flexibilidade cognitiva. Ou seja, todos os atores reconheciam a importância das competências humanas mais difíceis de replicar pelas máquinas.
Solução de problemas e inteligência emocional
O terceiro relatório no final do primeiro ano de pandemia (WEF, 2020) volta a realçar as competências de solução de problemas, incluindo pensamento analítico e crítico, iniciativa, inovação e criatividade. Mas também foca nas dimensões específicas da gestão da relação – trabalho de equipa, influência, liderança -, e da gestão pessoal – resiliência e flexibilidade, ambas parte da inteligência emocional, acrescentando ainda a aprendizagem ativa.
E, naturalmente, as competências de uso, controlo, desenho e monitorização da tecnologia ganham lugar próprio e de destaque.
Competências digitais
A McKinsey (2021) entretanto definiu o que considera serem as competências base para todas as pessoas, independentemente da função ou do setor, que garantem a sua empregabilidade futura e a que chamou DELTAs, por incluírem competências e atitudes. Estes dividem-se em quatro categorias: cognitivos – pensamento crítico, comunicação, planeamento e flexibilidade mental -; interpessoais – mobilização, relação e trabalho de equipa -; liderança pessoal – auto-consciência e gestão pessoal, empreendedorismo e resultados -; e digitais – fluência e cidadania digital, utilização e desenvolvimento de programas, compreensão digital. Têm também impacto na satisfação e na remuneração.
Diferentes autores e organizações organizam as competências de forma diferente. Mas as exigências para indivíduos e organizações previstas em 2016 ou no ano de 2023 não são assim tão diferentes. A pandemia acelerou drasticamente a mudança que já se vivia, isolando algumas variáveis, como se duma experiência em laboratório se tratasse. E a necessidade destas competências tornou-se mais evidente para todos, porque, de repente, a dependência das tecnologias era mais geral, o desconhecido estava instalado e a autonomia era maior.
Liderança pessoal
Claramente a literacia digital já não é uma necessidade só de alguns e passou, como se previa, a fazer parte das competências base. As organizações continuam a precisar de colaboradores com flexibilidade para rapidamente se adaptarem, capacidade para aprenderem o que ainda não se sabe que vai chegar, e resiliência para ultrapassarem as adversidades potenciadas pela globalização, reemergindo mais fortes. O desafio aqui é: como se desenvolvem estas competências?
Responsabilidade pessoal e corporativa
As competências cognitivas ou de solução de problemas, com foco no pensamento disruptivo, são as que permitirão complementar as máquinas desta quarta revolução industrial. E, enquanto o sistema educativo não sofre a transformação obrigatória para ensinar crianças e jovens a pensar e questionar, mais que replicar, são as organizações que podem mais rapidamente dar esse espaço para as desenvolver e os indivíduos conquistá-lo e merecê-lo. Ou seja, as pessoas devem assumir as suas responsabilidades no processo de desenvolvimento individual, na gestão de si mesmos e da relação com os outros, e as organizações o seu papel no processo de desenvolvimento coletivo.
Por isso, esta função de desenvolvimento assume um papel fundamental que não pode ficar só pelo competitivo panorama do talento tecnológico ou pelo talento atual, mas deve ser transversal a todas as funções, assim como ao talento que há de vir e ao que está de saída. Pois só assim, se garantem a empregabilidade e, consequentemente, os mercados e a economia no futuro.
Referências Boston Consulting Group (BCG) & The Network. (2019). Decoding Global Trends In Upskilling And Reskilling: What 366,000 People In 197 Countries Tell Us About Their Willingness And Preferences For Learning. https://www.bcg.com/publications/2019/decoding-global-trends-upskilling-reskilling McKinsey & Company. (2021). Defining the skills citizens will need in the future world of work. https://www.mckinsey.com/~/media/mckinsey/industries/public%20and%20social%20sector/our%20insights/defining%20the%20skills%20citizens%20will%20need%20in%20the%20future%20world%20of%20work/defining-the-skills-citizens-will-need-in-the-future-of-work-final.pdf World Economic Forum (WEF). (2016). The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution. https://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf World Economic Forum (WEF). (2020). The Future of Jobs Report 2020. https://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdf