Autor: Bernardo Costa Fernandes, Associado Principal da Área Laboral da CCA Law Firm
As alterações vieram esclarecer que se pode organizar o teletrabalho (i) a tempo parcial, ou seja, apenas uma parcela do período normal de trabalho semanal é realizada neste regime, e (ii) a tempo completo, com o trabalhador a prestar trabalho em regime de teletrabalho em exclusivo.
E é sobre os trabalhadores contratados desde o primeiro dia em full remote que se verificam lacunas, em concreto no que diz respeito à cessação do regime de teletrabalho.
Assim, ocorrendo a cessação do regime de teletrabalho, estabelece a lei que: “(…) o trabalhador retoma a atividade em regime presencial, em prejuízo da sua categoria, antiguidade e quaisquer outros direitos reconhecidos aos trabalhadores em regime presencial com funções e duração do trabalho idênticas”.
Chegados à cessação do regime de teletrabalho é que se levantam diversas questões, quer práticas quer jurídicas, relativamente ao destino que terá a relação laboral, e aos direitos que assistem às partes neste momento, nomeadamente as seguintes:
- A empresa e o trabalhador acordaram expressamente no contrato de trabalho que este último executa as suas funções exclusivamente em regime de teletrabalho. O que sucede se a empresa denunciar o regime de teletrabalho? É o trabalhador obrigado a prestar as suas funções nas instalações da empresa? E se tal implicar um prejuízo sério para o trabalhador?
- E o contrário? O que sucede quando é o trabalhador a denunciar o regime de teletrabalho? É a empresa obrigada a recebê-lo? Mesmo que não disponha de instalações em Portugal ou adequadas para o efeito?
O novo regime do teletrabalho não protege o teletrabalhador que foi contratado desde o primeiro dia exclusivamente em full remote, e que apenas pretende exercer a sua atividade neste regime. Esta situação vai contra o regime da denúncia do regime de teletrabalho que assiste, neste caso, à empresa, e que permite fazer cessar o regime e obrigar o teletrabalhador em full remote a passar a prestar o trabalho em regime presencial.
Assim, é possível concluir, se olharmos para os teletrabalhadores em regime de full remote que se encontram por este Portugal fora a prestar serviços a empresas com sede nas grandes cidades, como Lisboa ou Porto, que estes irão ficar numa posição fragilizada, caso a empresa faça cessar o regime de teletrabalho.
O que irá acontecer a estes trabalhadores quando a empresa proceder à denúncia do regime do teletrabalho? Serão obrigados a deslocar a sua residência para Lisboa ou para o Porto? Alteram a sua vida profissional, pessoal e familiar porque o empregador decidiu alterar o seu modelo de organização do trabalho e, afinal, o teletrabalho tem de seguir o regime híbrido?
E as empresas? Têm de ter instalações em Portugal para que o trabalhador possa, afinal, desempenhar as suas funções no regime presencial? Ou, mesmo que tenham instalações em Portugal, têm de as ter em condições de os trabalhadores prestarem trabalho presencial?
Será, pois, de concluir, que a solução legislativa encontrada para regular o regime do teletrabalho, não teve visão para acautelar as realidades que o trabalho digital veio permitir.
Não sendo o regime do teletrabalho expresso quanto a esta questão, e com o intuito de integrar esta lacuna da lei, tenho de me socorrer das regras gerais do Código do Trabalho, nomeadamente, as regras relativas à alteração do local de trabalho, em que se prevê que, em caso de transferência definitiva, o trabalhador possa resolver o contrato se tiver prejuízo sério, com direito à compensação prevista para o despedimento coletivo.
Assim, nas situações em que ocorrer a alteração do regime de teletrabalho de full remote para o regime híbrido ou presencial, e que estas provoquem prejuízo sério ao trabalhador, nomeadamente uma alteração radical da sua vida familiar e/ou pessoal, poderia o trabalhador vir a resolver o contrato e a ser compensado nos termos da lei.
Face ao exposto e conhecidas as recentes alterações ao Código do Trabalho, sou de opinião que o legislador perdeu uma oportunidade para adaptar o regime do teletrabalho à realidade digital em que o trabalho é prestado nos nossos dias, em que o conceito de local de trabalho se encontra em constante mutação, e, por outro lado, consolidar o regime, dando mais segurança aos departamentos de RH no momento da contratação.
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