Ter-se-á aberto uma nova porta no mundo da organização do trabalho? Pelo menos, a discussão está lançada. Falamos de 80% de trabalho e 100% de salário, percentagens distribuídas por apenas quatro dias de trabalho por semana. Países como o Reino Unido já estão a testar este novo modelo de trabalho, outros para lá caminham… Poderá ser o caso de Portugal que, no âmbito da aprovação do Orçamento do Estado para 2022, vê propostos um estudo e a construção de um programa-piloto que vise analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de quatro dias. O que pensam os DRH das empresas sobre esta temática? Estarão a favor? Contra? A RHmagazine falou com 9 líderes de Recursos Humanos e revela-lhe as opiniões.
Sobretudo com a pandemia e o consequente impulsionar da transformação digital, o mundo – em geral – e o do trabalho – em particular – têm sido repensados. A palavra “flexibilidade” já não deixa ninguém indiferente e as prioridades dos profissionais passam a recair em benefícios que lhes permitam melhor equilibrar a sua vida pessoal e familiar com a organizacional. Com a emergência do trabalho remoto e, agora, com o trabalho híbrido a prevalecer, abre-se espaço para a discussão a respeito daqueles que podem ser os modelos de organização de trabalho mais proveitosos para as empresas e colaboradores. Trabalho remoto e híbrido normalizado, surge um novo foco de atenção: a redução da semana de trabalho para quatro dias.
O ser humano necessita de conciliar o trabalho com o lazer, de ter uma boa saúde mental e de estar feliz e motivado para conseguir obter o seu nível máximo de produtividade. Mais produtividade, claro está, traz mais lucro às empresas. E é por esta linha de pensamento que se rege a maioria das pessoas que defende a medida de reduzir a carga de trabalho semanal.
Vários países já estão a testar este novo modelo de trabalho, outros preparam-se para iniciar os testes. Como a RHmagazine noticiou na semana passada, em Portugal foi publicada a Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, que aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2022 e, no âmbito laboral, estabelece, entre outras medidas: a promoção de um debate nacional e na concertação social sobre novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de trabalho de quatro dias, como forma de promover uma maior conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar; a construção de um programa-piloto que vise analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de quatro dias, em diferentes setores, e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho.
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Quem já testou ou está a testar?
A redução do tempo de trabalho semanal reúne vários adeptos “lá fora”. É o caso da Islândia, por exemplo, que avalia a experiência como um “sucesso esmagador”. O país tem vindo a testar a semana de trabalho de quatro dias, sem alteração na remuneração, ou seja, apesar da menor carga horária, os profissionais recebem o mesmo salário do que aquele que recebiam a trabalhar os habituais cinco dias. O resultado? A produtividade manteve-se ou melhorou e o bem-estar dos profissionais aumentou.
Também a Nova Zelândia está em fase de testes com uma redução de 20% nas horas semanais de trabalho e, tal como na Islândia, sem impacto na remuneração.
Em Espanha foi criado um programa de financiamento para todas as empresas que decidam implementar este modelo de trabalho, de modo a avaliar o impacto e as necessidades junto das empresas, recursos humanos e serviços.
No Reino Unido, por sua vez, mais de 3.300 trabalhadores de 70 empresas já estão a fazer parte da maior experiência do mundo de um novo modelo de apenas quatro dias de trabalho por semana. Um projeto que arrancou no início de junho e terá uma duração de seis meses.
Estes foram apenas alguns exemplos, porém vários países começam a trazer o tema para as agendas políticas.
Com Portugal a, pelo menos, ponderar testar a semana de trabalho de quatro dias, o que pensam os nossos líderes de RH sobre esta temática que tanto lhes diz? A RHmagazine falou com nove DRH de várias empresas de diferentes setores e as opiniões são unânimes: se as vantagens ao nível de work-life balance, saúde, produtividade e motivação são reconhecidas pela maioria, também é verdade que grande parte dos entrevistados refere a dificuldade de aplicar este regime à totalidade dos setores de atividade, designadamente os setores produtivos assentes em mão de obra intensiva. Avançar com este sistema, sabendo que nem todos os setores e funções poderão dele usufruir, dará azo ao sentimento de injustiça? Vejamos as reflexões.
Alexandra Andrade, Country Manager da Adecco Portugal
“A semana de quatro dias de trabalho tem muitos layers que carecem de reflexão profunda face à dimensão e impacto que têm em termos sociais, económicos e até culturais. Como em qualquer tema, há que contextualizar, considerar vantagens e desvantagens para as pessoas e empresas antes de se encontrar uma solução equilibrada para o momento que vivemos. Do lado positivo, pesam na balança fatores como a produtividade, felicidade, engagement, retenção, motivação, menos absentismo, worklife balance e tempo, que é um valor inqualificável. Do lado negativo, pesa muito a dificuldade de aplicar transversalmente uma semana de quatro dias de trabalho aos vários setores de atividade, o que traz implicações como redução de salário, necessidade de maior número de recursos (que se agrava quando as empresas trabalham por turnos), o que significa mais impostos num contexto económico em que as empresas ainda se estão a restabelecer. Pese embora a retoma, há empréstimos contraídos num cenário inflacionista sem precedentes desde há décadas. E tudo isto a acontecer num contexto de escassez talento e de elevada rotatividade nas empresas. Num tecido empresarial onde as PME representam 97% do tecido empresarial (dados INE, 2020) e onde a indústria representa (70%) da força laboral que trabalha por turnos, será muito difícil implementar a medida de forma transversal. Se for transversal é inflexível, o que vai contra tudo o que a pandemia nos ensinou: a flexibilidade no trabalho é o padrão de ouro a implementar, como fator-chave de equilíbrio para que haja produtividade num ambiente são, com pessoas felizes e motivadas. Portanto, acredito que seria mais produtivo implementar medidas de flexibilidade em vez da semana de quatro dias de trabalho, tais como: horário de entrada e saída flexível, desconexão digital, mais dias de férias, tardes de sexta-feira livres, entre outros exemplos. O segredo é encontrar o equilíbrio entre as necessidades individuais de cada e as necessidades de negócio. Vivemos claramente um contexto, em matéria laboral, em que ‘one size does not fit all’.”
Bernardo Martinho, HR Director da Plateform
“Numa época em que o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal (nomeadamente familiar) assume, cada vez
mais, uma maior importância e está na agenda de trabalho das empresas, são de valorizar as iniciativas e as propostas que, para além de proporcionarem um maior equilíbrio entre as áreas anteriormente referidas, permitem ainda reduzir o impacto ambiental, incrementar a saúde mental e o bem-estar e aumentar a produtividade das equipas. Se, por um lado, a proposta da semana de trabalho de quatro dias vem permitir um maior equilíbrio entre trabalho e lazer, por outro lado, num setor como o da hotelaria e da restauração, que opera 24 sobre 24 horas e com um défice enorme de mão de obra, tal como muitos outros setores, parece-me não ser concretizável num futuro próximo. A implementação da redução da semana de trabalho no setor da restauração, para além de distante da realidade atual, acarretaria, com toda a certeza, com a agravante de os horários comerciais que são praticados nesta indústria, uma necessidade de contratação de muitos mais colaboradores, o que, para além dos custos associados, seria difícil de consubstanciar num contexto de enorme escassez de mão de obra.”
César Vieira, HR Partner da Willis Towers Watson
“Existe agora um foco demasiado na semana de quatro dias de trabalho, quando penso que deveríamos estudar e introduzir, em termos legislativos, uma maior flexibilização das formas e horários de trabalho, com a introdução de novos modelos, passando por exemplo, pela redução dos horários de trabalho e uma adaptabilidade diferente e mais abrangente do que aquela que temos atualmente. Recordo que há contratos coletivos de trabalho (como é o caso de uma das áreas da nossa empresa) que já definem 35h de trabalho (próximo das preconizadas 32h). Por outro lado, as empresas ainda estão a perceber e a avaliar as consequências do trabalho remoto/híbrido que, na minha visão, permitiu já uma aproximação ao tão desejado equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Reconhecendo os argumentos da semana dos quatro dias de trabalho em três vertentes – o “desligar” maior dos trabalhadores em três dias (com os benefícios que isso possa trazer para a produtividade), passando em algumas áreas pelo necessário incremento de postos de trabalho e pela suposta maior procura do ponto de vista do consumo –, creio que nem todas as áreas/setores poderão estar preparados para a alteração. É necessário apoiar as empresas, focarmo-nos ainda mais em processos de desenvolvimento e automação e, como referi, começarmos por ter um quadro legislativo que permita uma maior flexibilidade dos horários de trabalho.”
Diogo Ribeiro, HR Director da Visual Nuts
“Após a pandemia, onde o modelo de trabalho foi completamente revolucionado, este será o próximo passo.
Tendo em conta o estado de saúde dos colaboradores e a grande possibilidade de burnout, esta seria uma solução para aliviar a carga horária de trabalho e aumentar as horas para o tempo pessoal. É possível aplicarmos a semana de trabalho de quatro dias e a empresa trabalhar os tradicionais cinco dias, havendo várias hipóteses para a organização do modelo e dissipando as eventuais desvantagens. Temos conseguido comprovar nacional e também internacionalmente que a aplicação da semana de quatro dias tem um impacto muito positivo na produtividade, no correlacionamento entre e a vida pessoal e profissional e, consequentemente, na felicidade dos colaboradores, na redução de custos, entre outras inúmeras vantagens. Posto isto, devemos ter em consideração o setor de atividade e, sobretudo, a forma como poderemos aplicar o modelo na realidade vivida em cada empresa, tendo em conta os vários agentes interessados na equação.”
Graça Rebocho, Diretora de RH da Altice Portugal
“Na Altice Portugal ainda não estamos a pensar introduzir a semana dos quatro dias, por várias razões. Temos um conjunto de atividades bastante diversificadas, com funções que dificilmente poderão adotar uma redução dos dias de semana trabalhados, como é o caso das áreas técnicas, onde predomina um regime laboral com turnos e prevenções. Com um total de 6.200 trabalhadores, cerca de 50% ficariam fora desta nova medida, o que poderia causar algum sentimento de injustiça face à diferenciação de tratamento. Esta diferenciação já acontece atualmente no que respeita à organização do trabalho em regime híbrido, o qual não pode abranger toda a população. Naturalmente que o horário diário poderia ser estendido nos restantes quatro dias da semana e essa poderá ser uma opção futura, mas não me parece ser o momento oportuno. A maior parte dos nossos colaboradores tem um horário flexível, o que já hoje permite um maior equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar, além de um conjunto de outras regalias, designadamente mais dias de férias para além dos 22 e dispensa associada à antiguidade, que pode ir até três dias.”
Hugo Protázio, Diretor de Recursos Humanos da JCDecaux Portugal
“Estando na ‘ordem do dia’, é um tema que tem sido alvo de intensa reflexão. Na minha
opinião, esta temática tem de ser abordada de acordo com duas perspetivas. Por um lado, a perspetiva organizacional e de gestão e, por outro, a perspetiva do colaborador. Do ponto de vista organizacional e de gestão, provavelmente esta medida não é consensual, pois, consoante o setor em causa, a sua aplicação pode trazer impactos profundos naquilo que são os resultados e outputs gerados (e.g.: setores produtivos baseados em mão de obra intensiva). Do ponto de vista do colaborador, do seu bem-estar e, acima de tudo, do seu work-life balance, as vantagens são mais do que evidentes, como por exemplo a melhoria da employee experience, o equilíbrio na sua vida pessoal vs. profissional e, consequentemente, o aumento dos seus níveis de felicidade no trabalho com impactos óbvios ao nível da sua produtividade. Assim sendo, enquanto medida focada na melhoria das condições e do contexto de trabalho das equipas, sempre que a sua aplicação for compatível com a natureza da atividade das organizações e com a sua própria sustentabilidade, considero que a mesma deverá ser aplicada sem quaisquer reservas. Nos casos em que a compatibilidade com a atividade das organizações não é evidente (e.g.: setores produtivos), deverão ser estudadas outras medidas que promovam o bem-estar e o work-life balance das equipas, pois o foco, independentemente do contexto organizacional, deverá ser apenas um: as pessoas.”
Irene Vieira Rua, Diretora de Pessoas & Cultura Organizacional do Doutor Finanças
“Sou a favor de modelos flexíveis…não necessariamente da semana de quatro dias ou da semana de 32 horas. Isto, porque acredito que o que serve a uns não tem necessariamente de servir a outros. Na minha perspetiva, é nos modelos flexíveis que nos devemos focar, porque têm muitas vantagens. Estes modelos contribuem para uma melhor conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar (logo, para o bem-estar dos colaboradores), para o uso mais eficiente do tempo (trabalhar mais tempo, não significa ser mais produtivo), para os níveis de motivação e engagement e pode trazer benefícios ambientais. No entanto, estes modelos flexíveis não se devem cingir ao número de horas trabalhadas, mas devem ser combinados com flexibilidade ao nível do horário de trabalho (porque haveremos de insistir num horário 9-18, quando nem sempre os picos de criatividade e concentração se coadunam com esse horário?). Sou a favor de modelos que permitam uma maior flexibilização. ‘One size doesn’t fit all’…e esta é uma certeza que, dia após dia, mais tenho.”
Pedro Sousa, Head of HR da GKN Automotive Portugal
“O mundo mudou e o mundo do trabalho também, pelo que todos os estudos relevantes para aferir novas
formas de trabalho – como o da semana de trabalho de quatro dias – devem ser realizados e aprofundados de modo a avaliar a sua aplicabilidade e impacto no mundo empresarial ‘real’. No setor dos serviços, onde opera a GKN Automotive – Global Business Services, acredito que, mais do que a redução da semana de trabalho para quatro dias, o principal fator diferenciador e motivador será a flexibilidade e como esta é gerida na organização. Apesar dos 260 anos de história, a GKN Automotive ‘nasceu’ em Portugal em 2020, pelo que trabalhamos remotamente desde a nossa génese e agora em formato híbrido, com flexibilidade para as equipas e respetivos líderes alinharem os momentos de colaboração presencial no Office. Para tal, é absolutamente decisivo que os líderes estejam preparados para liderar equipas remotamente e gerir a flexibilidade dos seus elementos, de forma a serem cumpridos os objetivos do negócio. Admito, no entanto, que noutros setores – como a indústria – esta flexibilidade não seja viável, pelo que outras alternativas, como a redução da semana de trabalho, poderão ser a solução para esses casos, desde que a produtividade seja, pelo menos, mantida.”
Teresa Rocha, Diretora de Recursos Humanos da CCA Law Firm
“Desde a introdução da semana de cinco dias de trabalho (início do século passado), assistimos a uma transformação profunda nas relações de trabalho e nas relações familiares, a par de uma evolução gigantesca na área tecnológica e científica. Então, por que não aceitar a necessidade de uma reorganização do tempo de trabalho em função de uma nova realidade e exigências? Muito recentemente, as empresas tiveram que, de forma generalizada, introduzir políticas de trabalho flexíveis, de modo a conseguirem atrair e reter. As empresas que agora adotarem medidas mais vanguardistas vão ter certamente impactos muito positivos na gestão das suas pessoas, porque serão diferenciadoras. Os estudos já realizados em vários países são muito encorajadores, quer ao nível da produtividade, quer ao nível da saúde mental, bem-estar e equilíbrio pessoal. Os resultados indicam manutenção ou até aumento dos índices de produtividade e profissionais mais motivados e comprometidos, bem como pessoas mais equilibradas. Enquanto não se tornar prática generalizada – o que me parece muito difícil nos anos mais próximos –, o grande desafio será a adoção de medidas adequadas à gestão da relação com clientes e outros stakeholders.”
E agora perguntamos-lhe a si, caro(a) leitor(a)… Qual a sua opinião a respeito da semana de trabalho de quatro dias? Diga-nos na caixa de comentários abaixo!
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