Autor: Maria João Ceitil, Head of Talent & Innovation da Cegoc
O trabalho híbrido ganhou espaço na vida das empresas e a profecia de que este conceito destruirá as suas identidades têm ecoado com uma frequência cada vez maior.
O maior receio que parece existir é que a cultura organizacional seja reduzida a um exército de colaboradores individualistas – tecnicamente conectados (internet), mas corporativamente desligados –, e assim se aliene um dos principais capitais das organizações: a afinidade partilhada e o sentido de pertença, que estão na base do estabelecimento de uma identidade comum e potenciam o desempenho individual.
Resumidamente, trabalhar maioritariamente a partir de casa, de forma isolada – sem ir ao escritório e conviver com os colegas –, contribuiria assim para a alienação da cultura organizacional.
Mas será que a cultura das organizações, esse património comum de objetivos, valores, experiências e até empatias e simpatias, está comprometida com a ausência de presença física dos colaboradores nas respetivas instalações?
Para obter a resposta, teremos, antes de mais, de perceber o que é decisivo para esta cultura. Quatro fatores sobressaem:
Sentido de pertença
Sem este, a cultura da empresa será um objeto vago, teórico e, consequentemente, vazio. Pertencer a uma organização pressupõe um conjunto de crenças e referências comuns, que devem ser estimulados (registo implícito) mas também claramente identificados e vividos no dia a dia das organizações (registo explícito). É uma das formas mais eficazes de alimentar a chama e a alma das organizações.
Objetivos individuais e de equipa
As metas são o farol essencial para orientar o desempenho individual e coletivo. Ao serem claras (com a precisão suficiente que permita a sua monitorização) não são um constrangimento para os colaboradores, mas sim um “GPS de desempenho”, que permite aos colaboradores uma noção clara do caminho a percorrer. A consciência destes objetivos nas suas diferentes dimensões (individual e coletiva) e o esforço para os atingir são a malha que liga todos os indivíduos da organização, tecida sob um mesmo desígnio estratégico.
Comunicação clara
É o fio condutor do bom funcionamento de qualquer organização: das regras aos objetivos; do conteúdo ocasional ao estrutural; do oral ao escrito/digital. É nas suas entrelinhas e na forma adotada que é passada a identidade, a cultura da organização. A comunicação é o seu veículo privilegiado.
Momentos coletivos
Os eventos que juntam os colaboradores e as lideranças têm uma importância crucial no desenvolvimento da cultura das organizações. São os momentos que permitem partilhas de experiências, de emoções, de receios e ambições, e criam um espaço único de fortalecimento das relações dentro da empresa e de alinhamento com o propósito organizacional.
Podem revestir-se de um caráter mais formal e frequente (por exemplo, as reuniões regulares de ponto de situação prévio ou retrospetivo) ou mais lúdico e pontual (como os clássicos encontros anuais, durante 1 ou 2 dias, em “regime de estágio” para atividades recreativas). O importante é que aconteçam, de forma regular, e que sejam pensados e organizados em torno de um cunho institucional, não se cingindo apenas a convívios informais.
Olhando para estes fatores determinantes da cultura organizacional, a questão que se coloca é se a sua existência depende ou não se uma presença física. Com exceção dos momentos coletivos (e mesmo estes apenas de forma parcial), os fatores enunciados não são irredutíveis da presença física nas instalações da organização ou empresa.
Revelam-se, isso sim, dependentes de um conjunto de boas-práticas, cujos efeitos são transversais aos formatos híbrido e presencial: fortalecimento da cultura organizacional (se adotadas) vs diluição da cultura organizacional (se esquecidas).
Os formatos presencial e híbrido (com forte pendor do teletrabalho) encerram benefícios e desvantagens pontuais. Nenhum deles é, por si, autossuficiente para garantir a cultura, a identidade corporativa. O foco deve estar, por conseguinte, nas práticas adotadas e na comunicação que as acompanha, ao invés de se dirigir para o “onde” (formato).
Afinal, todos sabemos a resposta a esta pergunta alegórica: a planta cresce por sim só, a cada dia, ou somente por que é regada?