A compreensão das nossas emoções como uma componente evolutiva da nossa natureza e da nossa arquitetura mental, é algo ainda relativamente recente. Basta recordar que, há cerca de 30 anos apenas, a ideologia académica dominante baseava-se no construtivismo social integrado no modelo padrão das ciências sociais.
Este modelo acreditava que as nossas emoções, como quase tudo o resto da nossa psicologia, só podia ser entendido e descodificado em termos de relativismo cultural. Em síntese, os processos evolutivos naturais, poderiam explicar a biologia humana «abaixo do pescoço», mas não «acima». Assim, nesta linha de raciocínio, as emoções não seriam um produto de uma natureza humana inata e evolutiva, mas algo aprendido a partir e com os outros membros da cultura onde o indivíduo se inseria.
Vários autores,[1] mostraram, contudo, que não é bem assim, e que, tanto ao nível dos indivíduos como das sociedades, há comportamentos comuns. Por exemplo, sabemos que todos os seres humanos, quando crianças, receiam os desconhecidos, registam basicamente as mesmas expressões faciais para medo, nojo, felicidade, desprezo, ira, tristeza, orgulho e vergonha. Todos gostam de histórias, mitos e provérbios e todos desenvolvem o sentimento de aversão à perda.
Do mesmo modo, em todas as sociedades, os indivíduos classificam-se segundo critérios de estatuto e prestígio, dividindo o mundo entre os que pertencem ao seu grupo e os que estão fora dele, tal como são os homens quem praticam violência de grupo e se deslocam até mais longe do lar do que as mulheres, tal como os maridos são, em média, mais velhos e mais altos do que as respetivas mulheres, e, por razões diferentes, homens e mulheres, desenvolvem ciúmes em relação ao cônjuge ou parceiro.
Agora, vários estudos sugerem que o orgulho parece ocupar também um lugar importante na nossa evolução, enquanto fator importante na motivação humana. O que se sugere é que o orgulho tem funcionado como um sinalizador e marcador das capacidades e feitos dos indivíduos junto dos outros.
Investigações transculturais recentes realizadas em quatro continentes, [2] colocaram a hipótese, segundo a qual, a emoção associada ao orgulho terá evoluído como forma de validação social dos comportamentos de conquista e exibição, tanto de estatuto como de respeito, pelos outros membros do grupo ou da sua comunidade.
Isto é entendível se tivermos em conta que, no ambiente ancestral em que vivemos a maior parte do tempo, e onde a nossa psicologia foi moldada, as avaliações positivas feitas pelos outros sobre o comportamento e o orgulho dos indivíduos, gerariam relações de apoio e deferência, as quais seriam um capital importante em termos de estatuto, influência e liderança.
Para conseguir obter o apoio dos outros e que a sua escolha se inclinasse para alguém, os indivíduos teriam de, mesmo inconscientemente, computar a intensidade de orgulho necessária para gerar no grupo a sua aprovação.
As investigações sugerem que o grau de intensidade do orgulho, em todas as culturas, parece ser um bom marcador do grau de admiração e avaliação positiva por parte dos outros. Além disso, os pontos comuns nos sentimentos de orgulho, são de tal forma comuns nas diferentes culturas, que nos sugerem, também, que estamos perante um sistema de avaliação universal e inerente à nossa natureza.
Em resumo, o sentimento de orgulho e as emoções que lhe estão associadas, funcionam como um «universal humano» que permite, impulsiona e motiva, os comportamentos que irão produzir uma avaliação e uma validação social, aos olhos dos outros membros do grupo.
A investigação sugere assim, que este jogo entre a avaliação social de um comportamento e o sentimento de orgulho antecipado, é transcultural, uma vez que se verificou em todas as culturas estudadas, incluindo em culturas consideradas mais coletivistas, como é o caso do Japão.
Neste sentido, é legítimo colocar outra hipótese, segundo a qual, o orgulho é, para todos os efeitos, um programa neuro computacional adaptado pela seleção natural, de modo a conseguir orquestrar a cognição e o comportamento dos indivíduos, como um motivador que lhes permitisse enfrentar a relação custo-benefício de certos comportamentos, os quais aumentariam a avaliação e o respeito dos outros na sua comunidade.
Mas, para conseguirem modelar o quanto investir em ações e comportamentos que possam levar a avaliações e reconhecimento positiva pelos outros, o sistema de orgulho de cada indivíduo deve, de alguma forma, conseguir prever, também, a magnitude dessas mesmas avaliações em relação às suas ações, e o sentimento que as mesmas podem evocar junto dos outros, para assim poderem calibrar proporcionalmente o seu esforço.
Aquilo que pode parecer para alguns um «pecado», um desperdício, ou uma irracionalidade, tem, afinal, um racional evolutivo compensador por trás. E porquê? Porque, como refere Jessica Tracy (2016), « conseguir ser amado ou apreciado, é sem dúvida importante, mas conseguir ser respeitado e admirado, alcançando um estatuto e um lugar na sociedade, em que se alcança também o poder de influenciar outros, e se consegue desta forma o que se quer, possui, sem dúvida, um potencial para uma enorme compensação evolutiva».
Portanto, o orgulho revela ser uma das emoções responsáveis pelo fenómeno da evolução cultural cumulativa, isto é, uma força que tem conduzido a muitos dos avanços que os seres humanos têm conseguido desde o início da nossa espécie.
Por isso, não subestime nem desdenhe, a importância deste sentimento. Se o perceber na sua vertente positiva, verá os enormes benefícios que o mesmo possui.
Conseguir conquistá-lo e senti-lo é, provavelmente, uma das coisas que faz com que sejamos como somos, tanto enquanto espécie como enquanto indivíduos, únicos e singulares.
E você, sente-se orgulhoso de quê?
Notas:
[1] Brown, 1991; Robert B. Edgerton, 1992; Ekman, 2003; J. Haidt, 2007, 2012; D. Brooks, 2012;
[2] Center for Evolutionary Psychology – Santa Barbara – EUA – http://www.cep.ucsb.edu/;file:///C:/Users/Paulo%20Finuras/Desktop/Academia%20junho%202017/Sznycer%20et%20al.%20Cross-cultural%20regularities%20in%20pride.pdf Cross-cultural regularities in the cognitive architecture of pride. Princeton University, Princeton, NJ.
Referências
Brooks, D. (2012). The Social Animal. New York: Random House.
Brosnan, S., Newton-Fisher, N., & Van Vugt, M. (2009). A melding of minds: When primatology meets personality and social psychology. Personality and Social Psychology Review.
Brown, D. (1991). Human Universals. Boston, Mass: McGraw-Hill.
Daniel Sznycera, Laith Al-Shawafc, Leda Cosmides, John Tooby. (2016). Cross-cultural regularities in the cognitive architecture of pride. Princeton University, NJ,
Ekman, P. (2003). Emotions Revealed. London: Times Books.
Finuras, P. (2015). Primatas Culturais – Evolução e Natureza Humana. Lisboa: Silabo.
Haidt, J. (2012). The Righteous Mind. London: Penguin Books.
Haidt, J. (2007). The new synthesis in moral psychology. Science, 316, 998-1002.
Henrich, J. (2008). A cultural species. In M. Brown (Ed.), Explaining Culture Scientifically (pp. 184-210). Seattle: University of Washington Press.
Henrich, J. (2010). Cultural transmission and the diffusion of innovations: Adoption dynamics indicate that biased cultural transmission is the predominate force in behavioral change and much of sociocultural evolution. American Anthropologist, 103, 992-1013.
Henrich, J. (2016) The Secret of Our Success: How culture is driving human evolution, domesticating our species and making us smarter. New Jersey: Princeton University Press.
Henrich, J., & Gil-White, F. (2001). The evolution of prestige: Freely conferred deference as a mechanism for enhancing the benefits of cultural transmission. Evolution & Human Behavior, 22, 165-196.
Tracy, J. (2016) Take Pride. New York: HMCH Publishing.
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