«Toda a verdade passa por três estádios. Primeiro, é ridicularizada. Segundo, é violentamente contestada. Terceiro, é aceite como autoevidente.»
Arthur Schopenhauer
«A espécie humana não suporta muito bem a realidade.»
T.S. Eliot
«Todas as teorias científicas que representem uma rutura e um avanço significativo são inicialmente contraintuitivas»
D. Dennett
IDEIAS A RETER:
- As causas das desigualdades de rendimento e riqueza entre nações não são consensuais. Entre as principais teorias que as procuram explicar temos as seguintes: «teorias climáticas e ambientais», «teoria da dependência», «teoria neoliberal dos mercados livres», «teorias dos fatores psicológicos e culturais» e «teoria do QI nacional».
- Embora polémica e eventualmente politicamente incorreta, há cientistas sociais que, baseados em investigação transcultural, concluíram que o QI médio nacional dos RH de um país está positivamente correlacionado com a sua riqueza e rendimento.
- É fundamental que os dirigentes e governantes dos países invistam na educação dos seus RH desde a mais tenra idade e numa perspetiva geracional.
As causas das desigualdades de rendimento e riqueza entre nações têm sido discutidas há pelo menos 250 anos e até hoje não se chegou a um consenso. Já em 1748 Montesquieu propôs, na sua obra De L’Esprit des Lois, que os climas temperados foram mais favoráveis para o desenvolvimento económico do que os climas tropicais. Cerca de 30 anos mais tarde (1776), Adam Smith discutiu este tema na sua obra A Riqueza das Nações, sugerindo que as capacidades da população de um país são o principal fator responsável por diferenças nacionais em termos do seu rendimento e da sua riqueza. Desde essas primeiras tentativas para analisar este problema, várias outras teorias têm sido avançadas (Finuras, 2012) e podem, atualmente, ser agrupadas em cinco grandes categorias principais.
Primeiro temos as «teorias climáticas e ambientais» que ainda hoje prevalecem, sendo um dos seus principais representantes Andrew Kamarck (1976), que defende que os climas tropicais são desfavoráveis para o desenvolvimento económico porque o calor e a humidade reduzem a eficiência das capacidades de trabalho, prejudicam a produtividade da terra e proporcionam um ambiente favorável para doenças debilitantes. Isso explica, na sua opinião, a diferença entre o que é às vezes chamado de «norte rico», com o seu clima temperado, e o «sul pobre», com o seu clima predominantemente tropical. Nesta mesma linha, também Jeremy Diamond (1998) apresenta argumentos semelhantes sobre a importância crucial que os fatores climáticos e geográficos tiveram e continuam a ter no desenvolvimento económico dos países e das suas populações.
A segunda grande explicação contemporânea é a designada «teoria da dependência», que propõe que as nações capitalistas e economicamente desenvolvidas são responsáveis pela pobreza das nações subdesenvolvidas, porque elas dominam a economia mundial e impõem a dependência económica ao resto do mundo, pagando preços baixos pelos produtos agrícolas dos países menos desenvolvidos e pelos seus recursos naturais. Entre alguns dos principais representantes desta corrente teórica estão Frank e dos Santos (1996), Wallerstein, Valenzuela e também Seligson e Passé-Smith (1998).
Em terceiro lugar, temos a «teoria neoliberal dos mercados livres». Esta propõe que o principal fator responsável pelas diferenças nacionais no desenvolvimento económico consistiu na presença dos mercados livres, em oposição ao mercado planificado das ex-economias socialistas e comunistas. Bates e Weede (1993) são os principais teóricos defensores destas posições.
Em quarto lugar, temos as diversas «teorias dos fatores psicológicos e culturais», que defendem a importância das diferenças de atitudes, valores e motivações como principais fatores explicativos das diferenças nacionais em termos de riqueza. A primeira grande teoria deste tipo foi defendida por Max Weber (1904), para quem a ética de trabalho protestante explicava o mais rápido desenvolvimento económico do norte (protestante) da Europa em comparação com o sul católico do século xvi em diante. Outros teóricos nesta linha de pensamento, mais tarde, incluem David McClelland (1976), que propôs o conceito similar de «motivação para a realização». Vários cientistas sociais (Harrison, 1985; Grondona, 2000; Harrison e Huntington, 2000), embora não corroborando as teorias de Weber ou McClelland, simpatizam com este tipo de explicação e propõem o que geralmente é denominado por fatores «culturais» como principais contribuintes para as diferenças nacionais no desenvolvimento económico. David Landes, por seu turno, defendeu a importância da cultura «no sentido de valores internos e atitudes que norteiam uma população» (1998, p. 516).
Finalmente, em quinto lugar, temos a polémica «teoria do QI nacional», de Richard Lynn e Tatu Vanhanen (2002 e 2006), apresentada na sua polémica obra IQ and the Wealth of Nations (2002), onde defendem que as diferenças nos «quocientes de inteligência» dos recursos humanos (ou populações nacionais) dos países são os principais responsáveis pela capacidade de produzir riqueza e são eles que explicam a diferença de rendimento entre as nações. Argumentam que tem sido defendido que todas as pessoas de todos os países têm o mesmo nível médio de inteligência, lembrando, por exemplo, as palavras de Kofi Annan (2000), o qual afirmou que a inteligência é como uma «mercadoria» distribuída igualmente entre as pessoas do mundo (Hoyos e Littlejohn, 2000), algo que estes investigadores contestam fortemente, alegando que é sabido em psicologia que existem grandes diferenças nos níveis médios de inteligência entre diferentes nações. As revisões da literatura têm mostrado que, em relação à média standard de QI de 100 na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos (com um desvio-padrão de 15), os povos do norte da Ásia Oriental têm um QI médio à volta de 105 e os povos da África Subsariana têm um QI médio de cerca de 70 (Lynn e Vanhanen, 2006).
Tendo em conta essas diferenças, estes autores colocam a hipótese segundo a qual as diferenças nacionais na inteligência média das populações talvez sejam afinal um fator (fortemente) contributivo das diferenças nacionais na riqueza das nações, dada a correlação entre o QI e o PIB per capita por eles apresentada de r = 0,623 (n = 185 países). Defendem esta posição com base em dois motivos principais: em primeiro lugar, porque está bem estabelecido na psicologia que a inteligência é um determinante dos rendimentos entre os indivíduos e, em segundo lugar, porque vários estudos têm mostrado que a inteligência dos grupos sociais está relacionada com os seus rendimentos médios.
QUADRO 1: QI médio para 80 países − resultados dos testes de inteligência e estimativas com países comparáveis
País | QI nacional | País | QI nacional | ||
1 | Hong Kong | 107 | 41 | Malásia | 92 |
2 | Coreia do Sul | 106 | 42 | Croácia | 90 |
3 | Japão | 105 | 43 | Indonésia | 89 |
4 | Taiwan | 104 | 44 | Azerbaijão | 87 |
5 | Singapura | 103 | 45 | Brasil | 87 |
6 | Alemanha | 102 | 46 | Iraque | 87 |
7 | Áustria | 102 | 47 | México | 87 |
8 | Holanda | 102 | 48 | Marrocos | 85 |
9 | Itália | 102 | 49 | Honduras | 84 |
10 | Luxemburgo | 101 | 50 | Irão | 84 |
11 | Suécia | 101 | 51 | Arábia Saudita | 83 |
12 | Suíça | 101 | 52 | Egito | 83 |
13 | Bélgica | 100 | 53 | Emirados Árabes | 83 |
14 | China | 100 | 54 | Índia | 81 |
15 | Inglaterra | 100 | 55 | Zâmbia | 77 |
16 | Nova Zelândia | 100 | 56 | Congo | 73 |
17 | Hungria | 99 | 57 | Uganda | 73 |
18 | Polónia | 99 | 58 | Quénia | 72 |
19 | Austrália | 98 | 59 | Tanzânia | 72 |
20 | Dinamarca | 98 | 60 | Gana | 71 |
21 | EUA | 98 | 61 | Maláui | 71 |
22 | França | 98 | 62 | Camarões | 70 |
23 | Islândia | 98 | 63 | Ruanda | 70 |
24 | Noruega | 98 | 64 | Benim | 69 |
25 | Canadá | 97 | 65 | Mali | 69 |
26 | Espanha | 97 | 66 | Eritreia | 68 |
27 | Finlândia | 97 | 67 | Rep. C. Africana | 68 |
28 | Rep. Checa | 97 | 68 | Angola | 68 |
29 | Argentina | 96 | 69 | Burquina Faso | 67 |
30 | Bielorrússia | 96 | 70 | Nigéria | 67 |
31 | Eslováquia | 96 | 71 | Gabão | 66 |
32 | Rússia | 96 | 72 | Guiné | 66 |
33 | Vietname | 96 | 73 | Guiné-Bissau | 66 |
34 | Portugal | 95 | 74 | Congo Zaire | 65 |
35 | Israel | 94 | 75 | Gâmbia | 65 |
36 | Bulgária | 93 | 76 | Libéria | 65 |
37 | Cazaquistão | 93 | 77 | Moçambique | 64 |
38 | Chile | 93 | 78 | Serra Leoa | 64 |
39 | Geórgia | 93 | 79 | Etiópia | 63 |
40 | Grécia | 92 | 80 | Guiné Equatorial | 59 |
Fonte: Lynn, R., e Vanhanen, T. (2002), IQ and the Wealth of Nations; idem (2006), IQ and Global Inequality
Valerá a pena considerar todas estas hipóteses de forma desapaixonada em vez de continuarmos a acreditar na «tábua rasa»? Será isso possível? E qual o papel da educação, sobretudo nos primeiros anos de desenvolvimento das crianças? Acredito que a capacidade de desenvolvimento de um país será provavelmente o resultado da confluência de todos estes fatores (ambiente, recursos, cultura e QI). Afinal, assumir que a riqueza de um país é também tributária do QI dos seus recursos humanos parece-me intrinsecamente razoável e simultaneamente responsabilizador dos dirigentes das nações e do que fazem (ou não fazem) em prol da educação das suas populações numa perspetiva de longo prazo (geracional) e não confinado aos calendários e ciclos meramente eleitorais.
Provavelmente é sobretudo aqui (na educação) que se deve apostar e investir, pois muitos dos países desenvolvidos e ricos nem sequer recursos naturais significativos possuem, a não ser aqueles que fazem a diferença mesmo em ambientes inóspitos ou de recursos naturais escassos. Refiro-me às pessoas e às suas capacidades, qualificações e inteligência, naturalmente.
Todas estas questões devem, a meu ver, ser trazidas a debate, porque o desenvolvimento de um país não é o simples somatório dos talentos individuais, mas sim a sinergia de todos os elementos que o compõem. Teremos essa coragem?
BIBLIOGRAFIA:
Diamond, J. (1998), Guns, Germs and Steel, Vintage, Londres.
Finuras, P. (2012), Humanus: Pessoas Iguais, Culturas Diferentes, Edições Sílabo, Lisboa.
Grondona, M. (2000), «A cultural typology of economic development» in Harrison, L.E., e Huntington, S.P. (eds.), Culture Matters, Basic Books, Nova Iorque.
Harrison, L. (1985), Underdevelopment is a State of Mind, University Press of America, Lanham, MD.
Harrison, L., e Huntington, S. (eds.) (2000), Culture Matters, Basic Books, Nova Iorque.
Jensen, A.R. (1998), The G Factor, Praeger Publishers, Westport, CT.
Kamarck, A. (1976), The Tropics and Economic Development, Johns Hopkins University Press, Londres.
Landes, D. (1998), The Wealth and Poverty of Nations: Why Are Some So Rich and Others So Poor, Norton, Nova Iorque.
Lynn, R., e Vanhanen, T. (2002), IQ and the Wealth of Nations, Greenwood Publishing Group, EUA.
Lynn, R., e Vanhanen, T. (2006), IQ and Global Inequality, Washington Summit Publishers, Augusta, GA.
Maddison, A. (1995), Monitoring the World Economy 1820-1992, OECD, Paris.
McClelland, D. (1976), The Achieving Society, Irvington Publishers.
Ramsay, F.J. (1999), Global Studies: Africa, McGraw-Hill, Connecticut.
Raven, J.C., Court, J.H., e Raven, J. (1999), Standard Progressive Matrices, Oxford Psychologists Press, Oxford.
ARTIGO DE: Paulo Finuras – Consultor, professor universitário e investigador do CICPRIS
Artigo publicado na RHmagazine.