Em 2022, o Eurostat indicou que a idade média da população portuguesa se fixava 46,8 anos, a segunda mais elevada entre os 27 Estados-membros da União Europeia (UE), tendo sido a que mais aumentou nos últimos 10 anos.
Esta realidade tem alterado o mundo do trabalho em Portugal, levando a que muitas empresas, quando confrontadas com a impossibilidade de captar novos talentos, apostem nos colaboradores séniores. Ao mesmo tempo, o progressivo avanço tecnológico, a regularização dos novos métodos de trabalho e as ferramentas de Inteligência Artificial têm acelerado as expectativas das organizações quanto às capacidades dos seus trabalhadores.
“Sabemos que em muitas organizações a questão etária é tratada de uma forma ‘standard’ assumindo que os colaboradores mais novos rejuvenescem a empresa, trazem nova visão, novas competências e têm maior interesse e vontade de crescer na organização, em contrapartida, aos 50 anos as competências estão estagnadas, há menos vontade de aprender e atinge-se o ‘pico da carreira'”, enuncia Vera Norte, da Associação dNovo.
As consequências da pandemia também afetaram, de certo modo, a forma como as empresas avaliam o tipo de apoio que oferecem aos seus colaboradores, para que estes ultrapassem constrangimentos e contribuam para a organização e a sociedade.
Na opinião de Vera Norte, é assumido pelas organizações que os colaboradores nos (ou com mais de) 50 anos deixam de trazer inovação e não têm vontade de crescer e desenvolver-se, sendo que muitas vezes a maioria ainda está perfeitamente apta e com vontade (e necessidade) de continuar a contribuir.
“A gestão do ciclo da carreira de cada colaborador não tem de estar associada a uma linha ascendente que começa aos 25 e acaba aos 50. Somos todos diferentes e a nossa relação com o trabalho não é igual para todos os que têm 25 ou todos os que têm 50. Este pode ser um preconceito, mas é sobretudo uma forma de aproveitarmos todo o potencial de cada colaborador independentemente da sua idade, sem estereótipos, mas apenas baseado na sua vontade de contribuir, de estar envolvido e de querer crescer enquanto profissional e ser humano”, acrescenta.
Reconhecer o que as empresas têm

Um dos parceiros da Associação dNovo, o IAPMEI – agência para a competitividade e inovação – tem vindo a desenvolver um conjunto de ações e iniciativas cujo propósito é apoiar profissionais altamente qualificados com experiência muito relevante e que procuram novos projetos profissionais.
“Muitos deles com carreiras em empresas multinacionais ou grandes empresas nacionais, no sentido de fazer a ponte entre as necessidades das Empresas, designadamente as PME e estes profissionais, que muito podem aportar dada a experiência acumulada que têm”, explica Marisa Garrido, vice-presidente do IAPMEI.
Um exemplo que contém uma estrutura geracional multipartida é o Grupo Wellow, que possui três gerações a trabalharem em simultâneo: geração X, a Y e a Z.
“Em concreto, são 23 pessoas com mais de 55 anos de idade que integram os nossos quadros diretos, o que corresponde a 7% da estrutura interna. Se alargarmos a análise a todos os nossos trabalhadores, incluindo os que estão cedidos a projetos de trabalho temporário ou integrados em projetos de outsourcing, a proporção aumenta ligeiramente, para 9.6% (cerca de 630 pessoas)”, explica Rita Duarte, Chief People Officer (CPO) do Grupo Wellow.
A necessidade de saber gerir as necessidades de diferentes gerações trouxe desafios interessantes à empresa, uma vez que decidiu encarar esta realidade como uma oportunidade de repensar processos e de criar uma esfera de gestão de conhecimento e de inovação nas empresas que ganhe valor com as diferentes perspectivas que o multigeracional traz.
“Para isso, repensámos políticas de desenvolvimento (mentoria, formação, coaching) e de gestão de carreiras que assentem nas competências adquiridas e transferíveis”, acrescenta.
Programas desenvolvidos
Para a dNovo, o tema da gestão do ciclo de carreira de cada colaborador é discutido diariamente, aludindo a uma exclusão baseada em fatores etários de profissionais competentes e com vontade de contribuir.
“A questão coloca-se de como fazer o ‘onboarding’ destes colaboradores e como gerir esta intergeracionalidade dentro das organizações, de forma a que os colaboradores sejam apenas contemporâneos com características e contribuições diferentes, mas importantes para as organizações”, admite Vera Norte.
“Acreditamos que é na capacidade de criar esta cultura de colaboração independentemente da idade, mas baseada no compromisso e no empenho das equipas tirando o maior partido das competências e da experiência de todos os seus membros, que está uma das chaves para o sucesso das organizações”, refere.
Marisa Garrido acrescenta que o IAPMEI tem, por um lado, apoiado iniciativas de empreendedorismo, onde os próprios profissionais podem vir a pensar num negócio como empresários, e por outro lado, também podem apoiar negócios, startups em fase de arranque.
“Por último, uma vez que no percurso de crescimento e de aumento de escala das PME, em muito depende também do talento qualificado com experiência, dada a missão e a proximidade do IAPMEI junto das PME e dos seus empresários, pretendemos apoiar iniciativas estratégicas que visem a aproximação destes 2 mundos – as PME e estes profissionais – com soluções de integração que sirvam ambas as partes”, conclui Marisa Garrido, vice-presidente do IAPMEI.
No caso do Grupo Wellow, a razão que levou à implementação destes programas focados nos trabalhadores séniores foi “uma realidade em constante mutação” – especialmente com a aquisição das empresas Futurcabo e TVRia. Levando a um acelerar no processo de como são pensadas as carreiras a longo prazo no grupo e que acarretaram outros desafios na motivação, na progressão e na gestão de desempenho de pessoas em diferentes estágios da sua vida e da sua carreira.

“O trabalho desenvolvido internamente sobre práticas de maior equidade e inclusão, levou-nos por um caminho muito assente em competências e mérito para lá de características como nacionalidade, género ou idade; por esse motivo, não temos programas formativos direcionados para trabalhadores séniores, mas procuramos ativamente retirar os obstáculos que a idade possa colocar na construção de uma carreira inspiradora”, acrescenta Rita Duarte, CPO do Grupo Wellow.
Com efeito, o Grupo Wellow, tendo em conta as expectativas e necessidades destas pessoas, optou por evitar dar formações 100% e-learning, de forma a reduzir a taxa de abandono por desconforto ou desconhecimento tecnológico, e privilegiou o início das formações em horário a partir das 10h, para facilitar a rotina matinal de quem tem filhos ou netos pequenos.
“Por outro lado, reforçamos o programa ‘re:starter’ que procura ser uma porta de (re)entrada no mercado de trabalho para grupos que possam ter maior dificuldade inicial nesta integração e que pode acelerar a aquisição de competências ou a requalificação de perfis que doutra forma teriam maior resistência em encontrarem uma oportunidade de emprego”, admite Rita Duarte.
Ao nível de resultados, Rita Duarte conclui referindo que o Grupo Wellow, ao nivelar a arena interna através do foco nas competências necessárias no desenho e implementação do modelo de gestão de carreira interna, foi capaz de identificar as necessidades de formação a preencher e aumentou a satisfação dos formandos perante a adequação e utilidade dos cursos desenvolvidos.
A mentoria inversa
A chegada da Geração Z aos locais de trabalho também trouxe consigo uma grande mudança na forma como a formação é administrada. Cada vez mais, colaboradores séniores repensam a forma como se relacionam com os colegas de trabalho mais jovens e tentam adotar uma abordagem mais estimulante e atual de mentoria.
Em casos concretos, o “Reverse Mentoring” (Mentoria Inversa, em português) tem ajudado a quebrar estereótipos geracionais entre os colaboradores, resultando numa melhor cooperação a todos os níveis. As empresas podem produzir uma força de trabalho mais talentosa, instruída e flexível, numa cultura de trabalho inovadora onde as gerações trocam experiências, informações e competências, permitindo o crescimento das equipas e dos colaboradores individuais. Sem dúvida, este é um aspeto importante da cultura de uma empresa para incentivar a diversidade e a inclusão, o que pode melhorar a produtividade, o bem-estar e a felicidade da equipa e a retenção de talento.
“Não o fazemos conscientemente, em modelo formal de mentoria”, explica Rita Duarte, considerando que a estrutura geracional do Grupo Wellow têm estas relações como orgânicas e alavancam naturalmente a cooperação das equipas.
“Independentemente da idade, existem características e competências transversalmente valorizadas – resiliência e superação, capacidade de comunicação, adaptabilidade ou foco no resultado esperado são alguns exemplos do que procuramos em cada pessoa que trabalha connosco. São dimensões que esbatem os estereótipos (geracionais e não só) pois criam uma dinâmica comum e uma força de coesão que cria um sentimento de pertença que vai além do que nos separa enquanto indivíduos”, conclui Rita Duarte.
Todos estes aspectos demonstram que algo está a ser feito para valorizar e transmitir novas competências aos colaboradores séniores. As práticas elaboradas por estas empresas também reforçam o sentimento de pertença e permitem que o trabalhador sinta que está a ser valorizado de uma forma mais longa na sua carreira.
Acima de tudo, após a sua saída da empresa, os colaboradores passam a ser embaixadores e referências para gerações vindouras.