Autora: Inês Fialho, Associada Sénior Garrigues
No meio desta escalada, que já está a criar natural celeuma entre empresas e trabalhadores, impõe-se procurar perceber e clarificar a origem desta alegada obrigação, e em que casos terá efetivamente aplicação.
Está em causa um Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, datado de 22 de dezembro de 2022 (processo n.º C-392/21), que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267. ° TFUE, pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), por Decisão de 12 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de junho de 2021, no processo TJ contra Inspectoratul General pentru Imigrări.
Neste Acórdão faz-se alusão a regras específicas de direito romeno, mas também à Diretiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990, diploma que se encontra transposto para a ordem jurídica portuguesa através do Decreto-Lei n.º 349/93, de 1 de outubro.
De facto, nos termos da referida Diretiva “sempre que os resultados dos exames médicos o exigirem e os dispositivos normais de correção não puderem ser utilizados, devem ser facultados aos trabalhadores dispositivos especiais de correção concebidos para o tipo de trabalho desenvolvido”.
Ora, será de entender – como parece estar a suceder de modo massificado – que esta regra se aplica, sem mais, às entidades empregadoras portuguesas, que ficam assim obrigadas a suportar o custo dos óculos de todos os seus trabalhadores?
A resposta terá de ser negativa. Dir-se-á, até, que tal interpretação peca por simplista e falaciosa, podendo ser, no limite, geradora de conflitualidade laboral.
Em primeiro lugar, o artigo em questão refere que devem ser periodicamente realizados os exames médicos adequados, dos olhos e da visão, aos trabalhadores que trabalhem com ecrãs.
Por outro lado, não se pode entender, ao contrário do que parece resultar do texto da maioria das notícias que se encontram a circular sobre o tema, que o mero facto dos trabalhadores trabalharem com ecrãs, lhes confere automaticamente o direito a óculos pagos pela empresa.
Pelo contrário, apenas se dos exames realizados resultar um agravamento do estado da visão dos trabalhadores – que se encontra intimamente relacionado com a utilização dos ecrãs e a forma como essa utilização é feita – é que o empregador deverá facultar “dispositivos especiais de correção”, nos quais se podem incluir óculos.
Em resumo, e numa tentativa de procurar aclarar esta questão, dir-se-á que a decisão do TJUE não implica necessariamente que as empresas tenham de pagar os óculos eventualmente utilizados pelos seus trabalhadores, mas tão somente alertar para o facto de existirem, já desde 1993, normas no próprio ordenamento jurídico nacional que obrigam à vigilância médica dos trabalhadores que utilizam ecrãs, e à correção de eventuais problemas detetados em virtude dessa utilização, por parte dos empregadores.