Autores: Paulo Rego, Camões – Instituto da Cooperação e da Língua; Miguel Pereira Lopes, Professor no ISCSP-ULisboa e Membro do Conselho Editorial
Como resultado da pandemia, assistimos a um conjunto de transformações na sociedade em geral que têm impacto direto na forma como vivemos o presente, olhamos e perspetivamos o futuro. Isso acaba por ter influência no nosso bem-estar, nos níveis de stress, nas nossas atitudes e comportamentos e, consequentemente, no nosso desempenho a nível profissional.
Assim, torna-se imperativo para as organizações, tendo em conta os seus objetivos e a sua sobrevivência, que, para além de uma aposta vincada nos seus recursos humanos, que são pedra basilar em toda a estratégia organizacional e têm um contributo inestimável para o sucesso da mesma, adotem um conjunto de estratégias, que visem, entre outras coisas, a promoção e o desenvolvimento das capacidades psicológicas positivas (otimismo, esperança, resiliência e autoeficácia/confiança), ou seja, do capital psicológico positivo dos seus colaboradores.
Estas quatro capacidades psicológicas positivas, que interagem entre elas e que compõem o capital psicológico positivo (PsyCap), revestem-se de extrema importância para as organizações (Luthans, Youssef, & Avolio, 2007), porque, segundo alguns autores, colaboradores com níveis mais elevados de capital psicológico positivo, quando comparados com os restantes, lidam melhor com situações geradoras de stress, têm uma maior propensão a ter atitudes mais desejáveis, tais como, autonomia, comprometimento para com a organização, melhor desempenho, são menos propensos a faltar e têm melhores comportamentos de cidadania organizacional (Luthans & Youssef-Morgan, 2017; Murthy, 2014; Avey, Reichard, Luthans, & Mhatre, 2011). Outros estudos aludem também ao facto de existir uma relação direta entre algumas das capacidades psicológicas positivas e o engagement no trabalho (Luthans & Youssef, 2004; Cunha, Rego, Lopes & Ceitil, 2008).
Poder-se-á constatar, tendo em consideração as atuais circunstâncias e o facto de estarmos talvez na presença de uma mudança de paradigma, que uma aposta por parte das organizações no desenvolvimento do capital psicológico positivo dos seus colaboradores, numa economia cada vez mais volátil, global e que se pretende sustentável, será certamente benéfica para as mesmas, tendo em conta a relação custo versus benefício, e traduzir-se- á numa vantagem competitiva (Luthans & Youssef, 2004).
CAPITAL PSICOLÓGICO POSITIVO
O capital psicológico positivo tem origem nos estudos relacionados com a psicologia positiva, que remontam há uns anos e direcionaram o seu foco para o que está bem nas pessoas, tornando-as mais produtivas, ao invés da psicologia tradicional, que se centrava nos aspetos negativos da saúde humana (Luthans, Luthans & Luthans, 2004). Esse facto deu origem ao surgimento de duas correntes de estudos diferentes, que apoiavam a positividade e a gestão baseada nas forças da organização. Surge assim Positive Organizational Scholarship (POS) e Positive Organizational Behavior (POB), que têm a sua origem na Psicologia Positiva, afirmam Seligman, (2005) e Luthans et al. (2007).
Segundo a literatura, e apesar de POS e POB representarem suposições deontológicas distintas, uma vez que apontam para diferentes componentes da realidade como elemento-chave para explicar os comportamentos positivos (Lopes, 2013), POS alude a que os comportamentos resultem de caraterísticas psicológicas mais estáveis e consequentes, como fazendo parte do caráter e virtudes positivas, ao invés do que é apontado no POB, ou seja, que defende que as caraterísticas do comportamento devem ser vistas em primeiro lugar como consequência dos estados psicológicos positivos.
Para Luthans et al. (2007), POB centra-se ao nível individual e estuda as diversas forças e capacidades psicológicas positivas (PsyCap) dos recursos humanos que possam ser medidas e avaliadas. Segundo Luthans, Avolio, Walumbwa & Li (2005), o seu desenvolvimento foca-se numa ótica de resultados positivos ao nível do desempenho, resultando isso, segundo Luthans & Youssef, (2004), numa melhor performance organizacional.
É como resultado do estudo efetuado por diversos autores, que o capital psicológico positivo (PsyCap) emerge definido como “um estado psicológico de desenvolvimento positivo que é caracterizado por ter confiança para assumir e colocar o esforço necessário para ter sucesso em tarefas desafiadoras (autoeficácia); fazer uma atribuição positiva sobre ter sucesso agora e no futuro (otimismo); ser perseverante perante as metas e quando necessário redirecionar os caminhos para alcançar o sucesso (esperança) e, quando abalado por problemas com adversidades, sustentar e recuperar, ir mais longe e mais além, para alcançar o sucesso (resiliência).” (Luthans et al., 2007, p. 3).
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A IMPORTÂNCIA DO CAPITAL PSICOLÓGICO POSITIVO PARA AS ORGANIZAÇÕES
Vários são os exemplos sobre o quão é importante para as organizações apostarem na promoção e desenvolvimento do PsyCap dos seus colaboradores. Talvez o mais paradigmático, tendo em conta vários fatores, tais como políticos e sociais é, segundo Luthans et al. (2005), o facto de existir uma relação direta entre o PsyCap dos trabalhadores chineses e o seu empenho, e que isso influenciou diretamente o desenvolvimento da economia chinesa.
Para além disso, a literatura também refere que indivíduos com níveis de capital psicológico positivo mais elevados são mais resistentes e tolerantes a mudanças que possam ocorrer em ambientes organizacionais, e que possam originar situações de stress (Esbasi & Ozbek, 2017). Colaboradores com níveis mais elevados de PsyCap são mais autónomos e sentem-se mais confiantes, aquando da realização das suas tarefas (Avey, Wersing, & Luthans, 2017).
A literatura alude ainda ao facto de os colaboradores com níveis de PsyCap mais elevados, quando comparados com os restantes, têm, ao invés destes, um conjunto de comportamentos e atitudes mais desejáveis, tais como, satisfação no trabalho, maior comprometimento para com a organização, sofrem de menor ansiedade, são mais criativos, têm taxas de absentismo mais reduzidas, são geradores de emoções positivas e, consequentemente, menos cínicos, têm melhor comportamento de cidadania organizacional e desempenho (Luthans & Youssef-Morgan, 2017; Avey et al., 2011; Avey et al., 2008). Aliás, segundo Teixeira, Duarte e Lopes (2015), a promoção e o fomento do capital psicológico positivo pode induzir a níveis de felicidade individual mais elevados e conduzir a desempenhos de excelência, se aproveitado no dia a dia.
Não obstante, se o desenvolvimento do PsyCap na sua globalidade é importante, o desenvolvimento parcial das capacidades psicológicas que o compõem reveste também de extrema importância, não só nos indivíduos, como para as organizações. Um exemplo disso são os estudos que reportam que existe uma relação direta e significativa entre a esperança, otimismo e autoeficácia, com o engagement no trabalho (Luthans & Youssef, 2004; Cunha, Rego, Lopes & Ceitil, 2008; Xanthopoulo, Bakker, Demorouti & Schaufeli, 2009).
COMO DESENVOLVER O CAPITAL PSICOLÓGICO POSITIVO
Como referido anteriormente, face à importância que o PsyCap representa, não só para a sociedade, como para as organizações, o mesmo pode ser desenvolvido. Um exemplo disso, são estudos que apontam para que as quatro capacidades psicológicas positivas que compõem o PsyCap, podem ser mensuráveis e desenvolvidas, tendo isso, um impacto significativo nos indivíduos nos mais diversos níveis, e nas organizações como referido anteriormente (Luthans & Youssef, 2004; Luthans, Avey, Avolio, & Petersons, 2010).
Face ao exposto anteriormente, no quadro que se segue, apresentamos algumas estratégias que podem ser adotadas pelas organizações, para desenvolver o PsyCap dos seus colaboradores.
Estratégias de desenvolvimento do PsyCap
(Adaptado de Luthans & Youssef, 2004)
Porém, para além das estratégias em cima referidas, uma outra das estratégias que as organizações podem implementar é a adoção de novos tipos de liderança, mais positivos, tais como, a liderança autêntica. Segundo a literatura existente, os líderes autênticos, através do seus comportamentos, atitudes, emoções, crítica e feedback construtivo, e como consequência de possuírem a capacidade de se manterem esperançosos e confiantes, conseguem influenciar o otimismo, a autoeficácia e esperança dos seus seguidores (Avolio, Gardner, Walumbwa, Luthans, & May, 2004; Luthans et al, 2007; Ilies, Morgeson, & Nahrgang, 2005).
CONCLUSÕES
Pode-se concluir que, na atual conjuntura, a adoção de estratégias que visem o desenvolvimento do PsyCap dos colaboradores, por parte das organizações, se reveste de extrema importância, tendo em consideração a relação entre custos versus benefícios. Para além dos diversos exemplos já referidos anteriormente, e que ilustram bem o quão é importante a adoção desse tipo de estratégias, a literatura existente refere também que o PsyCap, quando comparado com o capital humano e social, pode-se traduzir em vantagem competitiva, isto é, “vai além do capital humano e do capital social, acrescentando-lhes vantagem competitiva através do investimento/desenvolvimento de “quem se é” (Luthans e Youssef, 2005, cit por Lopes e Cunha, 2005, p.33). Uma outra conclusão interessante que pode ser discutível, mas não marginalizada, é o facto de a China se ter tornado uma potência económica devido, segundo nos refere Luthans et al. (2005), à aposta das suas organizações na adoção de estratégias de recursos humanos que visaram especificamente o desenvolvimento do PsyCap dos seus colaboradores.
Não menos importante, trata-se do facto de a literatura aludir a que indivíduos com níveis mais elevados de PsyCap são mais inovadores, capazes de implementarem novas ideias para solucionar problemas que possam ocorrer, e lidam melhor com situações geradoras de stress (Abbas, Raja, Darr, & Bouckenooghe, 2014), como já referido anteriormente. Não obstante, se as organizações forem capazes de pôr em prática essas estratégias e criar um ambiente saudável que potencie as capacidades psicológicas positivas dos seus colaboradores, segundo Bockorny & Youssef-Morgan (2015), não só os mesmos se mantêm, como também aumentam a sua capacidade de atrair e desenvolver novos talentos, o que, para certo tipo de organizações será certamente benéfico.
Por fim, podemos concluir que a adoção de estratégias que visem o desenvolvimento do PsyCap dos seus colaboradores, não só pode contribuir para um aumento da qualidade de vida, bem-estar e felicidade dos mesmos, como irá certamente dar origem ao surgimento de ambientes mais saudáveis e positivos, o que acaba por ter um reflexo positivo na estratégia da organização.
[Artigo publicado na RHmagazine 130 (setembro/outubro)]
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BIBLIOGRAFIA
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