AUTOR:
Fernando Boavida, Professor Catedrático na Universidade de Coimbra
O problema da gestão de tempo
Muito do sucesso ou insucesso pessoal passa por uma correta gestão de um dos recursos mais limitados e mais críticos de que dispomos nas nossas vidas: o tempo. Tomar decisões sobre o que fazer ou não, quando fazer, como organizar o trabalho, quando trabalhar e quando descansar, como identificar, delegar e gerir tarefas, ou como interagir com outros, é determinante para atingir bons resultados, para a realização pessoal, para o bem-estar e, em última análise, para a felicidade. O presente artigo, baseado no meu recente livro “Gestão de tempo e organização do trabalho”, da editora PACTOR, tem por objetivo introduzir a problemática da gestão de tempo – termo geral que inclui não só o controlo da utilização do tempo cronológico de que dispomos ou julgamos dispor, mas, também, a organização do trabalho e da vida – como forma de alcançar o melhor equilíbrio entre o investimento temporal e os resultados alcançados nas mais variadas atividades do dia a dia.
As ferramentas e tecnologias para gestão de tempo e organização do trabalho de que dispomos nunca foram tão poderosas e, no entanto, muitos são os que não conseguem lidar com as tarefas que lhes são atribuídas e estão constantemente atrasados. As listas de tarefas e agendas “seguem-nos” para todo o lado, em todo o tipo de dispositivos móveis ou fixos ligados à nuvem, mas nunca tantas tarefas foram abandonadas, tantos prazos limites foram incumpridos e tantas pessoas falharam, por má gestão de tempo, os objetivos a que se propuseram. Software, vídeos, cursos e livros sobre gestão de tempo estão disponíveis em grande quantidade e, no entanto, são ineficazes. Quais os motivos que justificam esta situação? As razões são variadas. Em primeiro lugar, as ferramentas e tecnologias, por si só, não podem resolver um problema que é, essencialmente, organizativo. Podemos e devemos explorar as ferramentas existentes, tirar partido das tecnologias, mas, se não o fizermos corretamente, estas só servirão para acentuar aquilo que é evidente: a incapacidade para gerir o tempo. É como se dispuséssemos de um excelente computador com ótimos programas para a execução de todo o tipo de tarefas, mas não o soubéssemos utilizar. O mesmo se pode dizer de agendas, listas de tarefas, software dedicado e todo o tipo de “armas” para a gestão de tempo. A (dura) realidade é que o que a maioria das pessoas sabe sobre gestão de tempo está, simplesmente, errado.
Uma boa estratégia de gestão de tempo conduz a uma boa agenda e, por sua vez, uma boa agenda possibilita a implementação de uma estratégia de gestão de tempo adequada
Não somos máquinas
Pode dizer-se que a necessidade da gestão de tempo se fez sentir assim que as pessoas se aperceberam de que o tempo é um bem limitado e que, através da utilização do tempo, se poderiam produzir bens ou serviços com um determinado valor. Ou seja, poderíamos afirmar que a gestão de tempo se iniciou com as primeiras formas de comércio, que remontam à pré-História. Foi, no entanto, com a primeira e segunda revoluções industriais, no século XIX, que a máxima “tempo é dinheiro” se generalizou e que a gestão de tempo ganhou um papel crucial na nossa sociedade.
Não é surpreendente constatar que as últimas décadas têm sido aquelas em que se dá mais atenção à gestão do tempo e, também, às formas de organização de trabalho, devido ao reconhecimento do valor do trabalho na sociedade atual. Por conseguinte, não é de estranhar que nos últimos 50 anos tenham surgido diversas estratégias de gestão de tempo – como, por exemplo, estratégias assentes na maximização da eficiência, priorização de tarefas, multiplicação temporal, ou investimento temporal – cada vez mais sofisticadas, cujo objetivo foi e é o de permitir a realização de mais e melhor trabalho em espaços de tempo cada vez menores.
No entanto, apesar de, intrinsecamente, essas estratégias terem por objetivo a otimização da utilização do tempo, o erro consiste na forma em que elas são utilizadas. Com efeito, todas essas estratégias têm como objetivo único e exclusivo a máxima rentabilização do tempo. Ora, se isso é algo que é importante e desejável no caso de trabalho realizado por máquinas – uma máquina que realiza mais trabalho por unidade de tempo que outra é, naturalmente, melhor do que esta –, a verdade é que não somos máquinas e, portanto, o nosso desempenho é afetado por outros fatores. É um grande equívoco pensar que as pessoas se devem comportar como máquinas, com capacidade de trabalho ininterrupto e perfeitamente constante. Esta é uma ideia da primeira revolução industrial, que ainda subsiste em muitos setores. Também é um erro querer que máquinas se comportem como pessoas.
Porque não somos máquinas, o nosso desempenho não é independente da carga de trabalho que se nos oferece. Independentemente da ou das estratégias de gestão de tempo que utilizemos, se a carga de trabalho crescer demasiado, o desempenho degradar-se-á a ponto de entrarmos em colapso, tal como é ilustrado na figura1.
Muita dessa degradação decorre de não sermos psicologicamente imunes ao facto de sabermos que temos demasiado trabalho por fazer, que se irá atrasando inevitavelmente até ao ponto de falharmos a sua execução atempada. Isso tem um efeito não só no trabalho que não podemos realizar, mas, também, naquele que temos em mãos. Além disso, quando a carga é elevada, temos tendência a aumentar o número de tarefas que tentamos realizar simultaneamente, o que também causa grande ineficiência, pois leva a períodos de trabalho de curta duração em cada tarefa e a grandes perdas de tempo na comutação entre tarefas.
A (dura) realidade é o que a maioria das pessoas sabe sobre gestão de tempo está, simplesmente, errado
As pessoas são sistemas complexos
De facto, qualquer pessoa é um sistema complexo, onde se misturam a racionalidade com a emotividade, pelo que é um erro querer organizar o trabalho e gerir o tempo, esquecendo um fator tão importante no nosso comportamento como é o fator emocional. Esse fator manifesta-se em todas as escolhas que fazemos no curto, médio e longo prazos, devendo ser incorporado em todas as decisões de gestão de tempo.
A questão chave no curto, médio e longo prazos é sempre: o que queremos atingir? Esta questão pode formular-se de muitas maneiras, mas tem sempre a ver com a nossa ambição, com os nossos anseios e angústias, com o nosso imaginário. É conveniente tentar traduzi-la em subquestões de natureza aparentemente racional, mas não nos podemos esquecer que, na sua génese, está sempre algo que é subjetivo.
Apesar disso – e porque necessitamos de ter algum controlo sobre o que fazemos e o que queremos atingir – devemos adotar algumas práticas que aumentem a probabilidade de alcançarmos os objetivos. Ao estabelecermos a duração e data de arranque de tarefas, queremos ter uma margem para lidar com imprevistos, com riscos e com fatores emocionais. Queremos, também, minimizar perturbações no nosso trabalho – tal como interrupções e urgências – para conseguirmos um maior controlo sobre os resultados.
Temos, ainda, que aprender a lidar com a execução de várias tarefas em “simultâneo”. Trata-se de algo que é inevitável e fundamental nos dias de hoje e que, se for bem pensado e planificado, pode, até, levar a ganhos de produtividade. Em qualquer caso, é um aspeto crítico, que exige extremo cuidado. Muito do nosso sucesso ou insucesso pode passar pela forma em como lidamos com a simultaneidade de tarefas, quer quando trabalhamos isoladamente, quer quando trabalhamos em equipa.
Um outro aspeto crucial para a produtividade é a organização geral dos períodos de trabalho e de descanso ao longo do tempo. Os períodos de focagem são fundamentais para atingir bons resultados, mas não menos importantes são os períodos de almofada, durante os quais lidamos com tarefas menos críticas e menos exigentes, mas às quais não podemos fugir. De facto, estes períodos permitem um relativo relaxamento e podem servir como investimento temporal para a realização de tarefas futuras. Por fim, os períodos de trabalho e de descanso devem suceder-se de forma cíclica, por forma a permitir a recuperação de forças e a maximização dos resultados atingidos durante o trabalho. Períodos durante os quais “não se faz nada” são absolutamente essenciais para a existência de períodos em que “se faz muito”.
A estratégia de organização da agenda é, também, fundamental para o sucesso. Sem uma agenda controlada não é possível ter bons resultados no curto, médio e longo prazos, e não é possível pôr em prática qualquer abordagem eficaz para a gestão de tempo. Trata-se, de facto, de um ciclo: uma boa estratégia de gestão de tempo conduz a uma boa agenda e, por sua vez, uma boa agenda possibilita a implementação de uma estratégia de gestão de tempo adequada aos fins em vista. Associada a qualquer agenda deve existir, complementarmente, uma lista de tarefas. A combinação dos dois mecanismos – agenda e lista de tarefas – flexibiliza a gestão de tempo e otimiza os resultados. Dois aspetos de extrema importância, pelo impacto que têm na nossa organização do trabalho e na implementação de qualquer estratégia de gestão de tempo, são a participação em reuniões e a gestão de equipas e projetos. O fator que estes dois aspetos têm em comum é o de envolverem várias pessoas em simultâneo. A gestão do tempo de múltiplas pessoas tem um elevado potencial para ineficiências que, frequentemente, se propagam à totalidade dos envolvidos, dada a sua interdependência. É nestas situações que a organização do trabalho assume um caráter mais crítico.
Há, por fim, que ter em consideração o impacto do teletrabalho nas formas de gestão de tempo e organização do trabalho. Em regime de teletrabalho passamos a dispor de mais tempo, pois eliminam-se os tempos de deslocação de e para o local de trabalho. Este tempo adicional pode ser aproveitado para reforçar qualquer dos períodos de trabalho – sejam eles períodos de focagem ou de almofada – ou os períodos de descanso, o que se traduzirá em benefícios de produtividade. No entanto, não nos devemos esquecer de que teletrabalho conduz também a uma série de desafios, cuja resposta reside numa ainda mais criteriosa gestão de tempo.
Artigo publicado na edição n.º 134 da RHmagazine, referente aos meses de maio/junho de 2021.