Autoras: Lígia Nascimento, Investigadora e Docente do Ensino Superior, Centro de Investigação em Organizações, Mercados e Gestão Industrial (COMEGI) da Universidade Lusíada de Lisboa, Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT) | Manuela Faia Correia, Professora Associada e Investigadora, Centro de Investigação em Organizações, Mercados e Gestão Industrial (COMEGI) da Universidade Lusíada de Lisboa
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as últimas décadas as TIC mudaram a forma como agimos, interagimos, trabalhamos, ocupamos os nossos tempos de lazer, tratamos dos mais variados assuntos. Numa frase, a forma como vivemos.
De entre as várias revoluções industriais, a Revolução 4.0 foi reconhecida como a mais importante, uma vez que a sua abrangência e velocidade de propagação alcançaram uma escala maior do que em qualquer outro período da história humana, fundindo as esferas física, digital e biológica. As organizações rapidamente anteviram o papel das novas tecnologias na sua competitividade e progresso, sendo que, atualmente, embora o grau de digitalização varie consoante o setor, a grande maioria define a respetiva estratégia e gere as operações numa infraestrutura de base tecnológica.
As alterações produzidas nas organizações trouxeram, inevitavelmente, mudanças no trabalho. O teletrabalho, que nos dias de hoje se tornou trivial em virtude dos condicionalismos impostos pela pandemia COVID-19, já se encontrava em grande crescimento em alguns países, pelo que, exercer a atividade profissional de forma remota, com base em dispositivos tecnológicos diversos, bem como na conectividade permitida pela internet, tornou-se bastante apelativo devido à flexibilidade e independência dos vetores tempo e espaço.
Até mesmo no trabalho presencial, a integração das TIC não só se impõe como um dado adquirido, mas também como uma realidade na maioria das funções, tornando-se em condição sine qua non para a concretização de qualquer atividade e assumindo-se, explícita e implicitamente, nos requisitos ou normas relacionadas com o trabalho, invocando novos padrões de atuação. Desta forma, as TIC agilizam e apoiam a realização das tarefas e a condução dos processos, conferindo-lhes mais celeridade, segurança, eficácia e produtividade.
Contudo, da integração das TIC adveio uma constante conectividade, uma maior sobrecarga e um lidar com sucessivas atualizações e necessidades de adaptação contínua que, de um modo geral, tiveram como resultado uma perceção de stress por parte dos utilizadores – o technostress – que se vem constituindo num crescente fenómeno de estudo interdisciplinar.
Quando falamos em stress, quase sempre associamos uma conotação negativa, o mesmo sucedendo com o technostress. Ou seja, pensamos em consequências psicológicas, comportamentais ou mesmo fisiológicas, tais como desconforto, ansiedade, ineficácia ou aumento da pressão arterial. Em contexto ocupacional, claramente se anteveem efeitos nefastos, como redução da satisfação, do engagement e do desempenho. É assim possível compreender o denominado paradoxo das TIC: concebidas e implementadas com desígnios de suporte e facilitação, apresentam, contudo, o reverso da medalha, ao poderem gerar efeitos adversos.
Mas será que o stress e o technostress são sempre negativos e disfuncionais? Ou poderão ser benéficos para as pessoas e para as organizações? Embora, para um entendimento compreensivo do fenómeno, a literatura reconheça a distinção entre distress e eustress e (no contexto tecnológico) os seus equivalentes technodistress e technoeustress – para designar as valências negativa e positiva, respetivamente – a verdade é que a vertente positiva tem sido muito menos alvo de estudo e de intervenções práticas.
Perante a mesma situação de exigência tecnológica, dependendo dos recursos pessoais ou organizacionais disponíveis, as pessoas podem considerar que estão perante uma ameaça ou, em alternativa, um desafio. E, neste último caso, o mais provável é que se associem sentimentos de entusiasmo e sejam empreendidas ações que permitam dominar a situação e ultrapassar eventuais obstáculos, conduzindo previsivelmente a resultados favoráveis.
Estudar o technoeustress e conhecer os fatores que o estimulam permite ir além de uma redutora postura de mera minimização dos efeitos negativos do stress induzido pela utilização das TIC no trabalho. Em complemento, representa investir em políticas e práticas de gestão que visem incrementar não apenas a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, como também os resultados organizacionais. Neste sentido, torna-se necessário identificar os aspetos de contexto e individuais que potenciam o technoeustress. Em concreto, há vantagem em conhecer, a montante, que condições fomentam esta perceção positiva de stress face às TIC, sejam elas 1) as caraterísticas inerentes às ferramentas tecnológicas de uso profissional, para que os respetivos desenho e implementação possam ser otimizados em conformidade; 2) os mecanismos organizacionais de apoio aos utilizadores das TIC, a criar ou desenvolver; 3) as caraterísticas individuais (nomeadamente competências, personalidade) que possam, por exemplo, ser objeto de desenvolvimento e/ou aspeto a atender no recrutamento.
Estudar o technoeustress e conhecer os fatores que o estimulam permite ir além de uma redutora postura de mera minimização dos efeitos negativos do stress induzido pela utilização das TIC no trabalho
Os avanços tecnológicos são irreversíveis e têm vindo a desafiar a natureza humana. O desafio é que as pessoas comandem a transformação digital em seu benefício, e não o oposto. E o gestor de RH pode ter um papel fundamental neste desígnio.
Artigo técnico publicado na edição n.º 135 da RHmagazine, referente aos meses de julho/agosto de 2021.
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