Autor: Nuno Abranches Pinto, Partner na DCM | Littler
O mês de outubro foi rico em indicações que poderão contribuir para uma melhor preparação do ano que aí vem.
Por um lado, o Conselho Económico e Social (CES) divulgou o documento “Reforço do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade” (Acordo) correspondente ao acordo celebrado na Comissão Permanente de Concertação Social, no dia 7 de outubro de 2023, com a intervenção do Governo e dos parceiros sociais (União Geral de Trabalhadores [UGT], Confederação dos Agricultores de Portugal [CAP], Confederação do Comércio e Serviços de Portugal [CCP] e Confederação do Turismo de Portugal [CTP]). O novo Acordo de Concertação Social faz o balanço relativo à implementação das medidas previstas no anterior Acordo, de 9 de outubro de 2022, e introduz novos compromissos.
Por outro lado, no passado dia 10 de outubro de 2023, o Ministro das Finanças apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 109 / XV / 2.ª (Proposta) para efeitos de aprovação do Orçamento do Estado para 2024.
A análise conjugada dos dois documentos é relevante na medida em que permite antecipar medidas de política legislativa na área laboral com implicação direta na vida das empresas e dos trabalhadores. Das medidas referenciadas nos dois documentos, destacamos as que se prendem com habitação para trabalhadores, qualificação de trabalhadores e valorização salarial. Vejamos cada um destes eixos.
Habitação para trabalhadores
No capítulo respeitante à habitação para trabalhadores, o acordo de concertação social prevê a criação de incentivos fiscais e contributivos para a cedência de habitação pela entidade empregadora (designadamente, isenção de IRS e de contribuições sociais incidentes sobre o rendimento em espécie, limitada aos valores previstos para o Programa de Apoio ao Arrendamento Acessível – PAAA), excluindo-se os trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal, os membros de órgãos sociais da entidade patronal e os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 10% do capital social.
Do lado dos empregadores, prevê-se redução de IRC através da aceleração das depreciações fiscalmente relevantes em relação a imóveis destinados à habitação de trabalhadores.
Por outro lado, isentam-se para efeitos fiscais e contributivos os valores mobilizados no âmbito do Fundo de Compensação do Trabalho (FCT) para soluções de habitação dos trabalhadores.
O art. 142.º da Proposta de orçamento concretiza a isenção de IRS e de contribuições sociais para o rendimento em espécie que aqui se discute no período compreendido entre 1 de janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2026 (excluindo os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade patronal), até ao valor limite das rendas previstas no PAAA, ainda que os imóveis não estejam inseridos no âmbito daquele programa. Para efeitos de determinação do lucro tributável das entidades patronais, aos imóveis detidos, construídos, adquiridos ou reconvertidos pelos sujeitos passivos para habitação dos trabalhadores pode ser aplicada uma quota de depreciação correspondente ao dobro da que resulta da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual.
Qualificação de trabalhadores
No capítulo da atração e fixação de talento e no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), bem como dos benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo, incentivam-se os contratos celebrados com trabalhadores altamente qualificados, através do alargamento das despesas elegíveis aos custos salariais dos trabalhadores com qualificações iguais ou superiores ao grau de mestre.
A Proposta de orçamento dedica três artigos a esta questão.
Em primeiro lugar, o art.165.º prevê a alteração do art. 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), definindo os custos salariais decorrentes da criação de postos de trabalho de pessoal com habilitações literárias do nível 7 (mestrado) ou do nível 8 (doutoramento) do Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) como custos relevantes para efeitos de aplicação do RFAI.
Por outro lado, o art. 166.º da Proposta prevê o aditamento do art. 58.º-A ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). De acordo com a nova norma, beneficiam do regime de incentivo fiscal à investigação científica e inovação os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores e que aufiram rendimentos que se enquadrem em (1) carreiras de docentes de ensino superior e de investigação científica, (2) postos de trabalho qualificados no âmbito dos benefícios contratuais ao investimento produtivo, (3) postos de trabalho de investigação e desenvolvimento, de pessoal com habilitações literárias mínimas do nível 8 do QNQ, cujos custos sejam elegíveis para efeitos do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial. O benefício consiste na tributação, em sede de IRS, à taxa especial de 20% sobre os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos no âmbito das atividades anteriormente referidas, durante um prazo de 10 anos consecutivos a partir do ano da sua inscrição como residente em território português.
Finalmente, o art. 167.º da Proposta prevê a alteração dos arts. 8.º e 11.º do CFI no sentido de consagrar a possibilidade de serem concedidos benefícios fiscais a projetos de investimento relativamente a trabalhadores que ocupem postos de trabalho qualificados, bem como relativamente a custos salariais estimados decorrentes da criação de postos de trabalho, quando digam respeito a pessoal com habilitações literárias do nível 7 ou do nível 8 do QNQ, em virtude do investimento inicial em causa, calculados ao longo de um período de dois anos.
Valorização salarial
O Acordo prevê a revisão e simplificação do Incentivo Fiscal à Valorização Salarial com o alargamento do universo elegível (nomeadamente membros dos órgãos sociais), inclusão de IRCT’s não negociais e referenciação à valorização salarial efetivamente suportada pela entidade empregadora desde que abrangida por IRCT dinâmico celebrado há menos de 3 anos.
Prevê ainda a criação de incentivo fiscal, em sede de IRS, aplicável à participação dos trabalhadores nos lucros, por via da gratificação de balanço das empresas, até ao limite de um salário mensal base auferido pelo trabalhador, com o máximo de 5 RMMG, desde que a entidade empregadora tenha, em 2024, procedido a aumento salarial ao universo dos trabalhadores.
Ainda nesta matéria, prevê o reforço do regime de tributação aplicável às stock options mediante o alargamento do respetivo regime fiscal aos membros de órgãos sociais e estabelecimento de isenção de exit tax para ganhos até 20 vezes o valor do IAS.
Quanto à Proposta de orçamento, os objetivos são concretizados pelo art. 143.º, segundo o qual, sem prejuízo da obrigação de englobamento, ficam isentos de IRS até ao limite de 5 vezes a RMMG, os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, pagos por entidades cuja valorização nominal média das remunerações fixas por trabalhador em 2024 seja igual ou superior a 5 %.
Em segundo lugar, o art. 165.º da Proposta prevê a alteração do art. 19.º-B do EBF no sentido de alterar o incentivo fiscal a políticas de valorização salarial. Ao abrigo deste incentivo, para determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes ao aumento salarial (desde que abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmico e desde que as remunerações tenham aumentado, acima da remuneração mínima mensal garantida, em pelo menos 5%) relativo a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado são considerados em 150 % do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício.
Finalmente, o art. 182.º da Proposta define como dinâmicos os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais e, para 2023 e 2024, a portaria de extensão e a portaria de condições de trabalho.