A visão estratégica de uma das empresas – e respetivo grupo internacional – mais relevantes no setor da formação, a CEGOC, pela voz dos seus mais altos responsáveis: Benoît Félix, CEO do Grupo, e Ricardo Martins, Diretor Geral em Portugal.
O
mercado da formação foi fortemente impactado pela pandemia. Como conseguiram ultrapassar estes anos difíceis?
Benoît Felix (BF): Como em todos os setores, a Formação e Desenvolvimento sofreu um impacto significativo provocado pela COVID-19. Posso mesmo dizer que o segundo trimestre de 2020 foi um autêntico pesadelo, quando assistimos a mais cancelamentos de projetos do que a novos pedidos. Mas também sentimos uma recuperação forte a partir de junho desse ano. É interessante verificar que nos últimos 15 anos investimos bastante no desenvolvimento de novas soluções digitais, como o formato blended, o qual associa diferentes tipos de modalidades, entre as quais o remoto. Assim, quando começou o confinamento, foi possível apresentar de imediato programas totalmente remotos, embora a maioria dos nossos clientes, e a sociedade em geral, não estivesse inicialmente preparada para os implementar.
Mas também assistimos, após dois meses de confinamento, que depressa aprenderam a usar todas estas novas ferramentas colaborativas e ficaram prontos, aliás, ávidos, para aderir a programas de formação totalmente digitais e à distância.
Ainda assim, ao nível do Grupo, o volume de negócios teve um forte decréscimo, 29%, mas totalmente recuperado em 2021, com um crescimento de 37%. Com isto, creio que posso afirmar que, depois da pandemia, ou por causa da pandemia, os nossos clientes estão muito mais cientes da importância da formação em geral, e à distância em particular.
Ricardo Martins (RM): Em Portugal, o cenário foi semelhante apesar de não tão dramático. Em 2020 o nosso volume de negócios recuou 25%, e a nossa rentabilidade, apesar de positiva, caiu 50%. Em 2021 o cenário foi de total recuperação, com um crescimento de 67% do volume de negócios e 178% do nosso resultado líquido.
Em que áreas da formação concretamente?
(BF): Se olharmos para as tendências, é claro que as necessidades de formação na área digital e de IT estão a aumentar. Também a formação de líderes sofreu um incremento, em larga medida porque há uma perceção de que gerir pessoas de forma remota é substancialmente diferente da gestão presencial. Não temos dúvidas de que o mercado de trabalho não é o mesmo que antes da pandemia.
Na realidade, e ao dia de hoje, o mercado de trabalho está muito mais ativo, pelo que as empresas, não só devem, como têm de investir cada vez mais na formação dos seus líderes e colaboradores, se quiserem reter o seu talento.
O mercado de trabalho está muito mais ativo, pelo que as empresas não só devem, como têm de investir cada vez mais na formação dos seus líderes e colaboradores, se quiserem reter o seu talento
Benôit Felix
O modelo blended será a solução para o futuro?
RM: O modelo blended já existia e sempre nos pareceu que teria espaço para crescer. Acredito que o seu futuro não resulte de existir ou não oferta, melhor ou pior tecnologia, mas antes pelo facto das pessoas se terem habituado a uma nova forma de trabalhar.
Claro que uma modalidade de formação que assente 100% no remoto e que seja assíncrona terá o seu espaço, mas não será aquela que predominará. As pessoas irão sempre reconhecer – (mais-valias) na adição de uma interação humana no processo de aprendizagem.
De que forma? 50/50 ou 70/30?
RM: É difícil ter a certeza, mas a nossa perceção, e os dados apontam nesse sentido, é que a tendência seja de algo entre os 50% a 60% para a componente blended e um pouco menos para a 100% remota.
BF: De facto, a pandemia mudou definitivamente a forma como pensamos e concebemos programas de formação. Antes da COVID-19, apenas 2% da atividade era totalmente remota. A nossa perceção do mercado diz-nos que muito provavelmente passará a representar 40% da atividade no próximo ano.
Qual o papel do Grupo em toda estas mudanças? Quais as tendências na formação?
BF: No que respeita às tendências, há algo do qual estamos convictos. Quando há interação humana num programa de aprendizagem, há uma maior predisposição para mudar comportamentos, porque é muito mais fácil criar experiências memoráveis através das emoções. Pode-se fazê-lo cara a cara, mas também é possível fazê-lo remotamente.
Se olharmos para os ativos digitais 100% assíncronos, são muito interessantes como complemento ao longo de um processo de aprendizagem; contudo, não são o melhor formato para mudar comportamentos. Por isso, o Grupo CEGOS detém no seu portfólio programas blended em formatos híbridos e programas totalmente digitais 100% online, que consideramos excelentes para aprender algo muito específico ou como complemento de um programa de aprendizagem mais alargado.
Qual é a força do Grupo CEGOS ao estar presente em 50 países e com inúmeros parceiros?
BF: O volume de negócios do Grupo é de 200 milhões de euros, temos 1.200 colaboradores e trabalhamos com 3.000 consultores externos. Temos estruturas que não se cingem apenas à Europa. Estamos na China há mais de 20 anos, incluindo Pequim, Xangai e Chengdu.
Também nos encontramos em Singapura, de forma a cobrir o Sudeste Asiático, e, claro, na América do Sul, nomeadamente no Chile, México e Brasil. Para além disso, possuímos uma vasta rede de parceiros. Ao olhar para a força do Grupo CEGOS, não tenho quaisquer dúvidas de que o reconhecimento global da marca e da sua reputação é um ativo fundamental. Mas complementamos este ativo com uma oferta extraordinária. E não se trata apenas da nossa oferta atual, mas também da capacidade de renová-la e desenvolvê-la. Ou seja, este é um processo de inovação e reinvenção constante.
A CEGOC faz 60 anos em Portugal este ano. É um país importante para o Grupo?
RM: São 60 anos de reinvenção contínua, de procurar estar à frente do seu tempo, com uma mentalidade de startup, mas também com os pés bem assentes na terra. Nesse cenário, o mercado português tem sido muito interessante para o Grupo, porque está disponível para experimentar coisas novas.
O digital e as nossas primeiras caminhadas na área do e-learning começaram em Portugal, muito antes de o Grupo captar essa tendência. Há, aliás, uma equipa 100% dedicada à inovação e desenvolvimento, que opera a partir de Lisboa para o Mundo. Na prática, isto significa que Portugal sempre foi um motor de aceleração para as áreas core do nosso negócio.
E o que os 60 anos trazem de novo?
RM: Passámos de uma empresa que faturava entre 2 e 3 milhões de euros, no melhor dos seus anos, para uma faturação acima de 4 milhões de euros com tendência para crescer. Ainda assim, sentimos que a missão da empresa neste mercado não está cumprida, e com este volume de faturação e rentabilidade devemos ambicionar ir mais além. Como tal, estamos numa fase de análise do mercado para avaliar a participação ou aquisição de novos parceiros, com o objetivo de acrescentar valências que nos possibilitem dar uma resposta ainda mais completa aos nossos clientes.
Isto está a acontecer, não só em Portugal, como também a nível internacional.
O mercado português tem sido muito interessante para o grupo, porque está disponível para experimentar coisas novas. O digital e as nossas primeiras caminhadas na área do e-learning começaram em Portugal, muito antes de o grupo captar essa tendência
Ricardo Martins
E como está a ser encarada a responsabilidade social na vossa organização?
BF: Fui nomeado Chief Executive Officer (CEO) em janeiro de 2021 e um dos meus primeiros objetivos foi desenvolver uma organização muito mais comprometida com a Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Já estávamos a trabalhar nesse sentido, mas quis que fosse um dos três eixos da minha estratégia.
Esta é uma matéria crucial, que move o máximo dos nossos esforços, no sentido de passar esta mensagem junto de atuais e futuros colaboradores. Sem esquecer, naturalmente, que as empresas procuram fornecedores e parceiros também eles comprometidos com estas matérias. Inclusivamente, pedem-nos muitas vezes que os ajudemos a desenvolver a sua própria abordagem de RSC.
São 60 anos de reinvenção contínua, de procurar estar à frente do seu tempo, com uma mentalidade de startup
Ricardo Martins
Em termos gerais, o que espera nos próximos 10 anos do Ricardo e da sua equipa?
BF: Quando falamos de Formação e Desenvolvimento, somos, sem falsa modéstia, um dos principais players em Portugal, apesar da forte concorrência. É um mercado repleto de potencial, ainda assim. Sempre estivemos muito concentrados naquilo que posso denominar como “eventos formativos”: é sem dúvida importante desenvolver a melhor experiência de aprendizagem para cada participante, mas é também crucial conhecer e participar no desenvolvimento dos nossos parceiros e clientes como um todo, de forma a podermos dar um verdadeiro contributo para potenciar os seus modelos de negócio.
O que estamos a fazer em Portugal, assim como na maioria dos países, é reforçar as nossas competências para, além da formação, podermos oferecer transformação com soluções e estratégias ainda mais incisivas quanto a esse aspeto.
Quer partilhar algo mais concreto?
BF: O mercado português é deveras interessante. Mas, mais do que isso, existe aquilo que podemos definir como o mercado da língua portuguesa. Por exemplo, temos agora uma grande operação no Brasil, e a cooperação entre as equipas portuguesa e brasileira é muito frutífera. Estamos também bastante interessados em reforçar ainda mais a nossa presença noutros mercados de língua portuguesa em África, como sejam Angola e Moçambique.
Entrevista publicada na edição n.º 140 da RHmagazine, referente aos meses de maio/junho de 2022.
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