Autor: Joana Santos Silva, Professora de Estratégia, Marketing e Digital Business no ISEG – Executive Education
Geração “G” Gamer: os jogos “derretem o cérebro”?
Estamos a preparar mais um ano letivo e o regresso às aulas. Nesta altura provavelmente estamos preocupados em reduzir o tempo que os miúdos passam a jogar, seja no telefone, na Playstation ou computador.
É segunda-feira 17h34, e de acordo com o playercounter.com, estão neste momento 3,318,407 jogadores online no Fortnite e 3,209,657 no Minecraft. De acordo com a Entertainment Software Association, 2,5 biliões de pessoas são gamers, mais 1 B do que há 5 anos. Não há nenhum negócio, produto, religião ou outro meio de entretimento que tenha crescido tanto. A idade média de um gamer é de 34 anos e há 1 bilião adicional de potenciais gamers em países em desenvolvimento. Em suma, um terço da população está a jogar e com tendência crescente.
Serão os jogos uma perda de tempo? O meu marido diz que o nosso filho está a “derreter o cérebro” a jogar na Playstation. Será mesmo assim?
Carnegie-Mellon estima que um individuo jogará 10 000 horas online entre o 5º e 12º ano, o que é comparável com o tempo que passa na escola (11 049 horas nos 12 anos de escolaridade em Portugal). Na realidade, os jogos poderiam constituir um ensino paralelo.
Os jogos provocam efeitos nocivos na vida dos jovens?
Existem várias ideias preconcebidas sobre os efeitos nocivos dos videojogos. Por exemplo, que os ecrãs pioram a acuidade visual. Neurocientistas concluíram que a acuidade visual dos gamers era superior e observavam melhor performance do que não-gamers na capacidade em discernir pequenos detalhes no caos.
Outra ideia feita defende que os jogos levam a problemas de atenção. Contudo, em testes laboratoriais foi observada melhor capacidade de resolução de conflito cognitivo, com 2x mais capacidade de manter a atenção em testes de monitorização. A maior vantagem dos videojogos foi observada nas redes cerebrais – o córtex parietal (responsável pela orientação da atenção), o lobo frontal (como sustentamos a atenção) e o cingulado anterior (localiza e regulariza atenção) são todos mais eficientes em gamers, que também demonstraram maior rapidez na troca de tarefas e melhor capacidade de dominar multitarefas simultâneas.
Se pensarem bem, quando jogam as crianças conversam por voz ou por texto, movimentam personagens, trabalham para objetivos de curto e longo prazo, enquanto são interrompidos pelos pais… Em boa verdade, os miúdos têm capacidades extraordinárias!
Os videojogos são igualmente bons para desenvolver a inteligência fluida que é a nossa capacidade de pensar e raciocinar de forma abstrata e resolver problemas. Para a aumentar devemos: procurar novidade e expandir os nossos horizontes cognitivos, abraçar desafios constantes, pensar de forma criativa, fazer coisas difíceis, socializar e estender as nossas experiências interpessoais para introduzir novas ideias e ambientes e identificar novas oportunidades. Todos os videojogos de sucesso respeitam estas regras.
Acresce que jogar ajuda a conviver com família e amigos. Jogos sociais são ferramentas de relacionamento social que ajudam a manter ligações com pessoas com que de outra forma provavelmente ficaríamos sem contacto. Estudos também demonstraram que 30 minutos diários de jogo ajudavam a reduzir sintomas de depressão e de ansiedade.
Afinal existem algumas vantagens em matar zombies em vez de ler Os Lusíadas – as professoras de português que me perdoem! -. É claro que jogos diferentes têm impactos diferentes na capacidade cognitiva. Qualquer atividade em excesso é negativa, contudo os neurocientistas têm demonstrado de forma inequívoca que os jogos têm potencial para melhorar a plasticidade do cérebro, contribuem para a aprendizagem e até para melhorar a atenção e visão.
Geração “G”
A geração “G” é diferente da nossa. Crescem e desenvolvem-se num mundo acelerado caracterizado por: hiper conexão, ágil, volátil, always-on, just-in-time, e competição à escola global com desafios extraordinariamente difíceis nas áreas da saúde, do clima, da economia, da empregabilidade, da equidade, da diversidade e inclusão. Falamos abertamente sobre as mudanças das competências do futuro, mas insistimos em aplicar o modelo antigo de treino, aprendizagem e desenvolvimento.
Se têm filhos, se trabalham com crianças, se são responsáveis pelo desenvolvimento de pessoas, explorem um pouco o mundo dos jogos. Conversem com as crianças. Mais do que isso, joguem com elas. Procurem entender a real motivação subjacente e as dinâmicas destes mundos simulados. Descubram como as suas mentes respondem ao contexto do jogo e procurem dicas no dia-a-dia real de transposição de competências apreendidas no mundo virtual.
Para enfrentar estes desafios o mundo precisa de ser mais colaborativo, criativo, aberto à inovação e ao romper com as antigas “regras” sociais. Precisamos construir um “mundo novo”. Não será isso que os miúdos encontram nos jogos? Superação, criatividade, desafios e colaboração numa missão comum com objetivos partilhados? As crianças com a ajuda dos jogos vão contribuir para a criação de um mundo novo e melhor.