As últimas estatísticas publicadas sobre o emprego em Portugal, reportadas ao mês de maio, evidenciam um agravamento substancial dos níveis de desemprego, com um número de desempregados a subir cerca de 34% em relação ao mesmo período do ano passado.
Este número, já por si dramático, torna-se ainda mais preocupante quando se leva em consideração o número de empresas que já desapareceram durante a pandemia, ou que apresentam um prognóstico muito reservado relativamente à possibilidade de se manterem ativas e de sobreviverem num futuro próximo.
Em conjunto, estes dados configuram um verdadeiro cenário de catástrofe económica que, a concretizar-se, conduzirá a inevitáveis e muito profundas transformações no mercado de trabalho, em concreto no que respeita às tradicionais relações entre empregadores e empregados, às formas de organização das forças produtivas e às próprias conceções sobre o trabalho e sobre o papel e a real importância das pessoas nas organizações.
Algumas empresas, numa tentativa honesta de recuperação e perante a possível emergência de um mercado caracterizado pela existência de um grande número de operadores e de consumidores com grandes dificuldades financeiras, poderão ter a tendência de reatualizar modelos de negócios “arcaicos”, centrados em estratégias do tipo “low-cost provider”. Como é sabido, as empresas que competem com base nesta estratégia procuram afirmar-se no mercado como o fornecedor que apresenta o produto ou serviço de mais baixo custo/preço, procurando, assim, atrair o maior número possível de consumidores indiferenciados, e sobreviver, ainda que com magros resultados, até que “a crise passe”.
Uma estratégia deste tipo acarreta inevitáveis consequências gravosas para a gestão das pessoas que, a acontecerem, vão constituir uma regressão de mais de um século em relação aos modelos e aos paradigmas que têm inspirado as práticas de gestão de RH desde pelo menos meados do século XX até à atualidade.
De facto, como as empresas que prosseguem este tipo de estratégia têm de reduzir drasticamente os seus custos internos, para poderem praticar preços de mercado verdadeiramente competitivos, as práticas de gestão das pessoas vão ser centradas em políticas de salários baixos e numa organização de postos de trabalho com perspetivas e horizontes muito limitados, de modo a que as empresas possam admitir pessoas com qualificações mínimas, as únicas que, nestas circunstâncias, permitem gerar uma certa “virtuosidade” na equívoca relação “competências mínimas-salários baixos”.
As modalidades de organização do trabalho neste tipo de empresas assentam em postos de trabalho que requerem comportamentos repetitivos e altamente previsíveis. Há uma necessidade muito limitada de interdependência e comportamentos cooperativos entre os empregados e a empresa dirige os seus esforços de gestão para “fazer mais com menos”, capitalizando economias de escala e reduzindo drasticamente os níveis de complexidade cognitiva da generalidade das funções.
As empresas deste tipo são possivelmente aquelas que hoje olham para a tecnologia com a vaga (ou nem tanto) esperança de que os avanços tecnológicos possam finalmente libertá-las da sempre “incómoda dependência do fator humano”; e são provavelmente estas as áreas e os domínios empresariais onde, num futuro próximo, se registarão níveis de desemprego maiores e incidindo sobre populações que mais dificilmente irão conseguir reentrar num mercado de trabalho que vai tornar-se cada vez mais sofisticado e exigente.
Mas, mesmo que ainda venham a verificar-se exemplos deste tipo de estratégias, num futuro próximo, eles não irão nunca ser prevalecentes.
Pelo contrário, os mercados atuais, na sua já quase generalidade, e sobretudo os mercados futuros, vão ser dominados por dinâmicas competitivas centradas em oferecer cada vez mais algo único, diferenciador e que aporte ao cliente “more value for the money”.
O foco primário dos novos mercados está centrado no novo e no diferente. Observação, experiência, pesquisa de mercado que saiba incorporar as contribuições da “big data” com a singularidade dos contributos da “small data” e que dê realmente uma substância mais concreta ao conceito de “customização”, são ferramentas que irão estabelecer aquilo que os clientes consideram importante, aquilo que tem valor para eles e os “delieverables” que estão dispostos a pagar. Com base nesta informação recolhida, interpretada e retrabalhada em modo de oferta, as empresas estarão então preparadas para oferecer um produto ou um serviço que não só permita justificar um “preço premium”, com ainda ganhar a “lealdade” de clientes de modo a transmutá-los em “promotores”.
Ao contrário do modelo anterior, as organizações que competirem através de estratégias de diferenciação e geração de valor para o cliente, vão requerer dos seus colaboradores comportamentos altamente criativos, foco no longo prazo, atitudes interdependentes e colaborativas, e ainda assunção de risco, acompanhadas com competências para lidar com ambientes ambíguos e imprevisíveis. As competências requeridas destes colaboradores são de elevado nível de abrangência e complexidade e deve existir um clima de grande envolvimento e “cumplicidade” com os destinos da organização.
No atual contexto de complexidade e de exigência crescentes, este é o modelo de estratégia que as empresas deverão seguir e no qual deverão perseverar.
Não é, todavia, um modelo fácil. Porque aqui também, aquilo que as empresas pedem aos seus colaboradores é muito mais do que aquilo que podem oferecer, embora de um modo radicalmente diverso do que vimos em relação às empresas “low cost provider”.
Por isso, é essencial que exista por parte do conjunto dos stakeholders a capacidade de instituírem um novo diálogo social dentro de cada organização, feito a partir da consciência de que, de facto, “estamos todos no mesmo barco” e o comportamento de cada um é instituinte de uma dinâmica de conjunto que, só ela, pode determinar o destino futuro da própria organização.
Vivemos, por isso, um tempo de grandes desafios e em que enfrentamos grandes dificuldades. Mas é também o tempo em que, definitivamente, o valor das pessoas e dos seus contributos se reafirma na sua mais expressiva potencialidade, enquanto o grande repositório do sentido e da esperança de futuro das organizações.
E, por isso, é um tempo que merece ser celebrado; e, por isso, e só por isso, é um tempo que merece ser vivido.