A sua carreira profissional começou pelas empresas e só depois é que enveredou pelo mundo da consultoria…
Sim, fui trabalhar para o departamento de pessoal da Catermar, uma empresa que prestava serviços de catering a empresas americanas de prospeção e produção petrolífera que operavam no offshore da costa ocidental de África. Depois saí para o Grupo MSF, onde fui responsável pelo departamento de recursos humanos, porque queria ganhar outras experiências. Mas passado algum tempo percebi que havia rotinas que não eram compatíveis com os meus interesses profissionais. Recordo-me que na altura perguntei a mim mesmo: o que é que verdadeiramente me interessa? Pensei na docência. Mas não tinha a adrenalina da vida nas empresas: pressão, prazos, resultados… Foi então que vi na consultoria uma oportunidade…
Fale-nos dessas experiências que teve no Grupo MSF e na Catermar.
Na Catermar tive a oportunidade de contactar com o profissionalismo e o rigor americano. Esse contacto, logo no início de carreira, marcou-me profundamente: aprendi a planear, organizar, persistir, lutar pelo que se quer… e, sobretudo, a acreditar que não há impossíveis. É tudo uma questão de querer, propósito, foco e trabalho. Via como os americanos ignoravam o «eu sou…» mas ouviam atentamente o «eu faço…». Era a partir do mérito que começavam a perceber com quem estavam e trabalhavam. Para mim era um admirável mundo novo, nada condizente com o ambiente do país no início da década de 1980 nem com a realidade de trabalho então comum no nosso país.
No Grupo MSF, a experiência foi diferente mas igualmente enriquecedora: percebi que, na prática, o «planeamento e controlo», só por si, não funcionam. É igualmente indispensável atender aos valores, interesses, emoções e capacidades das pessoas.
Entretanto passou pela Cegoc, uma excelente escola, como consultor…
Colaborei com a Cegoc durante cerca de quatro anos. Primeiro em Angola, integrado numa equipa notável: hoje, passados mais de 15 anos, continuamos a encontrar-nos, normalmente para almoçar. Depois em Portugal, em várias equipas, com profissionais que me marcaram e com quem aprendi muito sobre formação e treino nas empresas. Trabalhei para vários clientes. Corri o país de uma ponta à outra. Voltei a Angola, estive em projetos em Cabo Verde e no Brasil. Trabalhei em praticamente todos os setores de atividade. Foi extraordinário!… Senti, pela primeira vez, que tinha encontrado uma atividade que satisfazia os meus interesses e necessidades de realização profissional.
Em que ano foi constituída a Paradoxo Humano?
No final de 2000.
Em que circunstâncias é que decidiu avançar para a constituição da empresa?
Em finais da década de 1990 comecei a sentir tudo muito repetitivo. E achei que tinha que tornar a mudar: a rotina que nunca quis, nem quero, era cada vez maior. Os horizontes estavam a encurtar-se, enquanto a insatisfação aumentava na mesma proporção. Foi então que decidi que o melhor era arrancar com um projeto próprio, para poder ter os desafios que quisesse e quando quisesse. Estar a mudar, para passados três ou quatro anos estar a sentir o mesmo, não valia a pena. A oportunidade surgiu quando eu, dois colegas e o meu orientador de tese do mestrado que estava a realizar na altura achámos que podíamos propor às empresas uma oferta na área da aprendizagem organizacional alicerçada na abordagem da complexidade, paradigma científico que era a base de uma enorme cumplicidade entre nós e que me levou a perceber um aspeto fundamental que confirmo todos os dias: as pessoas nas empresas gostam de aprender sem sentirem que são ensinadas.
A Paradoxo Humano assume-se como uma consultora especializada em aprendizagem e gestão do conhecimento das empresas. Quais são os fatores de diferenciação em relação a empresas concorrentes?
A grande diferença consiste no facto de trabalharmos com os clientes, numa lógica de coconstrução e de implementação de ferramentas e práticas de aprendizagem e de gestão de conhecimento únicas. Estamos fora do paradigma de prescrição e transmissão de saberes no sentido tradicional do termo. Ouvimos e aprofundamos o que o cliente nos diz, de modo que os nossos «entregáveis» sejam uma efetiva mais-valia para o seu modelo e processos de negócio, bem como para as suas práticas de gestão e de funcionamento. No final os nossos «entregáveis» incorporam o nosso know-how e expertise mas enformam igualmente a realidade organizacional e o conhecimento existente no cliente.
As empresas estão hoje confrontadas com desafios de melhoria de processos e com questões de sustentabilidade. Que contributos pode dar a Paradoxo Humano para alcançar estes objetivos?
A Paradoxo Humano pode contribuir de duas formas: melhorando a qualidade do trabalho realizado e alinhando e comprometendo pessoas e equipas com os objetivos fixados pela empresa, aos diferentes níveis. Para isso, ajudamos as pessoas a adquirirem o conhecimento certo e necessário à melhoria do seu desempenho e a desenvolverem os skills facilitadores da comunicação – top-down, bottom-up, entre colegas, com clientes e prospects. Porque a comunicação é fundamental para transformar o conhecimento das pessoas e da empresa em valor económico. Na verdade, sendo certo que «conhecimento» e «comunicação» são concetualmente independentes, aplicá-los para obter ganhos de produtividade requer que sejam utilizados em simultâneo e de forma complementar.
Quais são os principais produtos e serviços que disponibilizam aos vossos clientes?
A nossa oferta de produtos e serviços está organizada em três linhas de produtos. O Knowledge Value é dirigido às empresas que compreendem que o conhecimento é um asset que precisa de ser gerido, porque impacta realmente no seu desempenho económico. Agrega soluções de identificação, mapeamento e transferência de conhecimento ao nível corporativo, de negócio e operações. Attitude Pro responde à necessidade de as empresas precisarem de pessoas com atitude: pessoas que têm iniciativa e proatividade, sem se perderem com questões menores; pessoas que olham em frente, com foco, confiança e determinação; pessoas que colocam o «todo» acima do «eu»; pessoas que encaram o trabalho como uma dimensão positiva das suas vidas, em que podem e devem ser felizes… O RH Plus é um serviço prestado em outsourcing que cobre todo o processo de gestão e de desenvolvimento do capital humano − gap analysis, conceção, execução e avaliação. É especialmente interessante para as empresas que necessitam de serviços especializados nesta área, sem aumentarem a sua estrutura de custos fixos.
Que tipo de metodologias inovadoras é que aplicam?
O digital storytelling aplicado ao formato learning on demand é uma metodologia muito inovadora que permite criar e implementar soluções na área da aprendizagem e da gestão de conhecimento com ganhos de eficiência, eficácia e flexibilidade. Inovadora, porque conjuga a eficácia das técnicas do storytelling aplicadas à aprendizagem com as potencialidades das tecnologias e da Internet. É eficiente, porque os custos estão sobretudo na criação e na produção dos conteúdos formativos − o custo da distribuição é reduzido. A eficácia decorre do facto de as pessoas aprenderem realmente o que é suposto e precisam de aprender, em tempo útil. E é flexível, porque está disponível e acessível quando e onde cada pessoa pretende.
Como é que a Paradoxo utiliza as técnicas de storytelling para potenciar a aprendizagem nas empresas, nomeadamente o digital storytelling?
A nossa equipa, nesta área, é composta por profissionais de engenharia informática e multimédia e por especialistas em aprendizagem. A utilização das técnicas do storytelling é efetuada em quatro passos: mapeamento do conhecimento que precisa de ser transferido; identificação e análise de eventos e casos práticos ocorridos no cliente relacionados com esse conhecimento; construção do storyboard; e produção dos materiais necessários à aplicação prática da história ao processo de transferência do conhecimento em jogo.
Que plataformas é que utilizam para distribuir as vossas soluções de digital storytelling?
Utilizamos qualquer uma, desde soluções open source, como a popular Moodle, até plataformas dedicadas. Neste caso, precisamos apenas de conhecer as especificações técnicas, para avaliarmos e efetuarmos as configurações e customizações necessárias à disponibilização online dos conteúdos construídos na modalidade digital storytelling.
Fale-nos do conceito learning on demand.
Hoje, nas empresas, as pessoas não têm tempo, deslocam-se com frequência por motivos profissionais e precisam de atualizar os seus conhecimentos, para poderem trabalhar de forma profissional. Com o conceito learning on demand é possível abordar esta nova realidade, através da conceção e implementação de treino específico para necessidades específicas, a qualquer hora e em qualquer lugar. Por exemplo, com uma solução learning on demand, acedida a partir de um tablet ou smartphone, um executivo que vá trabalhar a um outro país pode aprender muito rapidamente quais as três diferenças culturais com maior impacto nos negócios nessa região.
Que projetos é que a Paradoxo está a implementar neste domínio?
Neste momento estamos numa fase avançada de produção de uma solução para um grupo profissional crítico na indústria da saúde. As conhecidas dificuldades financeiras que o país atravessa estão a exercer uma grande pressão sobre os agentes económicos que operam neste setor, obrigando-os a mudanças para as quais muitos dos seus profissionais não estão preparados. Vimos aqui uma oportunidade e decidimos avançar.
De que setores de atividade são oriundos os principais clientes da Paradoxo?
Ao longo destes 13 anos temos tido a oportunidade de trabalhar para empresas que são líderes e referências de boas práticas de mercado nos setores da energia, serviços financeiros, telecomunicações, tecnologia, engenharia e construção, transportes, água e ambiente, distribuição e indústria.
Têm apoiado também os vossos clientes nos projetos de internacionalização?
Estamos a desenvolver dois projetos nas áreas da liderança e da perceção da segurança e risco para um dos nossos clientes do setor da engenharia e construção, com operações na Europa, África e Médio Oriente. Começámos por Portugal e estamos a alargar ambos os projetos para os países e mercados de África onde a empresa tem operações.
Quais os contributos que a Paradoxo pode dar aos países africanos e, de uma forma particular, aos países africanos de língua oficial portuguesa?
Conhecemos muito bem Angola e Cabo Verde e estamos a entrar em Moçambique, através de um parceiro local. Compreendemos a realidade cultural e social destes países, bem como os fatores críticos que potenciam o sucesso dos projetos nas nossas áreas de especialização. É esse conhecimento que nos permite adaptar e ajustar abordagens e metodologias à realidade local, potenciando ganhos, inatingíveis com a simples replicação do que se faz em Portugal. Pensamos que as nossas soluções de transferência de conhecimento e de desenvolvimento da comunicação executiva são áreas em que o nosso contributo é diferenciado e uma mais-valia para as empresas e instituições destes países, uma vez que as ajuda a evoluir no sentido do rigor e da excelência.
Como têm conseguido fidelizar os vossos principais clientes?
A fidelização dos nossos clientes está alicerçada em bom produto com bom serviço. Para isso há três pilares da nossa atuação que são vitais: conhecimento do cliente, confiança do cliente e inovação para o cliente. Com o conhecimento sobre os princípios e valores que enformam a identidade do cliente, bem como os seus processos de negócio, gestão e funcionamento, entregamos soluções integradas e que são uma mais-valia para o todo que é uma empresa. Com a conquista da confiança, damos a segurança que qualquer cliente precisa quando decide comprar um serviço de consultoria, sobretudo numa área como a aprendizagem e o comportamento humano. Finalmente, com a inovação, proporcionamos ao cliente novas abordagens e ferramentas agregadoras do valor já existente, ao mesmo tempo que se mantém atualizado. É assim que temos clientes com quem trabalhamos de forma continuada há anos, sem interrupção, o que nos orgulha particularmente.
A Paradoxo tem ela própria um projeto de internacionalização a médio prazo?
Acreditamos que sim, mas não para já. Para nós internacionalizar não é ir para fora apenas para contornar as dificuldades de onde estamos. Primeiro queremos consolidar a estratégia e o negócio em Portugal, nomeadamente na área do digital storytelling e do learning on demand. Em alturas de crise podemos ser tentados a abrir várias frentes, para alargar e aproveitar outras oportunidades. Mas nós pensamos o contrário: achamos que o foco deve sobrepor-se à dispersão, sob pena de acabarmos a não fazer nada bem feito. Com o tempo aprendemos que às vezes temos que ir devagar para andar depressa.
É também administrador da MLearning. Quando é que a empresa foi criada e qual a sua missão?
A MLearning começou em 2011. Tem como missão criar e partilhar conhecimento na área de risco e seguros. Os seus serviços estão agrupados em três áreas: training, publishing e knowledge center.
No training realizamos workshops, seminários e conferências nas áreas tradicionais de seguros até aos emerging risks, às soluções alternativas de transferência de risco e ao London Market Training, um programa de imersão total no mercado de Londres, a referência nesta indústria.
No publishing temos duas coleções: «Testemunhos», em que estamos a contar a história dos seguros em Portugal, através do relato da vida profissional de pessoas impactantes no setor, e a «Mbooks», uma coleção de livros sobre os conceitos fundamentais para a indústria seguradora.
O knowledge center consiste num espaço físico e virtual que concentra, de forma estruturada, obras, publicações, artigos e outros documentos sobre seguros, para consulta e partilha.
A par da sua atividade de consultor tem desenvolvido uma carreira académica. As duas atividades complementam-se…
Durante alguns anos estive de facto ligado à universidade, onde exerci funções docentes. Mas, por agora, a minha atividade académica é pontual e limita-se à docência de cadeiras na área da aprendizagem e do comportamento organizacional em cursos de pós-graduação, programas de educação executiva ou palestras, a convite de algumas associações de estudantes.
Também escreve com regularidade, sendo autor de vários artigos e alguns livros e capítulos de livros. Que projetos é que tem em mente neste âmbito?
Tenho uma ideia que um dia hei de concretizar: escrever um livro sobre aprendizagem e comportamento humano nas empresas a partir da descrição e análise técnica de situações triviais do dia a dia de trabalho e que envolvem relações, anseios, conflitos, frustrações… Aquelas histórias que ouvimos na rua, no restaurante… Até agora não tive oportunidade de concretizar este desejo. É uma coisa que quero fazer sem obrigação. Por puro prazer. Vamos ver…
Quais as obras que mais o tenham marcado e que considere essencial para um gestor de pessoas?
Duas: A Fronteira do Caos, de Ralph Stacey, porque nos ajuda a compreender que nas empresas é importante dar atenção aos sistemas, processos e ferramentas de gestão, mas ao mesmo tempo é imprescindível acompanhar e monitorizar o comportamento e a ação humana, para evitarmos o efeito «ilusão de controlo», presente em muitas empresas; e Good to Great, de Jim Collins, porque nos explica, de forma fundamentada, a importância da disciplina e o papel da liderança na sustentabilidade das empresas, bem como os traços caraterísticos do líder que são determinantes na transformação de boas empresas em empresas de excelência.
Qual a sua opinião acerca do nível de competências dos profissionais da gestão do capital humano em Portugal?
Há um grupo de profissionais de excelência, com obra feita, alguns com carreiras internacionais de sucesso e que são certamente referência para todos nós. Há outros já com muito bom nível e que estão ainda em fase de crescimento. E existem outros que, se estivessem em empresas mais exigentes ao nível da gestão do capital humano, sofisticariam seguramente as suas competências nesta área.
Para terminarmos, peço-lhe que nos relate um episódio no âmbito da sua atividade de consultor que considere interessante partilhar com os leitores da RH Magazine.
Aconteceu há uns anos. Havia uma equipa de front office cuja relação com a chefia podia e devia ser bem melhor do que aquilo que era. E isso tinha custos de produtividade. Na altura, numa sessão de coaching com a referida chefia, ela acabou por me dizer que sabia que não estava a exercer bem o seu papel de chefia, fundamentalmente porque não gostava de ser chefe. E que só o desempenhava porque não tinha coragem de dizer «não» ao diretor a quem reportava e que tinha sugerido a sua promoção. O ponto é que quando o dito diretor soube ficou estupefacto e disse: «Mas eu promovi-a como prémio pelo seu excelente trabalho!…». A situação acabou por se resolver com o regresso às funções técnicas originais e a nomeação de uma outra chefia. Com esta mudança, a produtividade aumentou e o ambiente de trabalho na equipa melhorou. Lembro-me que na altura pensei: quantas situações como esta é que não haverá por esse país fora?
(Entrevista publicada na RH Magazine)