A RHmagazine desafiou os vencedores das duas últimas edições do Prémio Carreira para uma conversa, sob a forma de entrevista, entre ambos. Os temas foram o percurso de Mário Ceitil (professor universitário e especialista em RH com diversas valências na área, o galardoado em 2022) e, inevitavelmente, a evolução da “gestão das pessoas”.
As perguntas – e a condução do diálogo – couberam a Pedro Ramos (atual presidente da APG, distinguido com o troféu em 2019, quando trabalhava na TAP). Eis o essencial do encontro dos dois premiados, cuja versão integral está disponível no site do IIRH.
Achas que faz sentido ainda haver associativismo ligado à gestão das pessoas, “uma APG”?
Durante os longos anos que estive ligado à Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG), várias vezes nós nos interrogámos se era ou não era pertinente manter o movimento associativo, sobretudo numa altura em que existe uma enorme quantidade de oferta com múltiplas valências e estamos a viver tempos diferentes. No entanto, mantive sempre esta convicção profunda de que existe sempre espaço para o movimento associativo, dependendo, naturalmente, das causas que as associações servem. A nossa causa, a causa da gestão das pessoas, é no meu ponto de vista uma causa que é omnipresente e é intemporal. Como eu já ando nos RH há décadas, tive oportunidade de verificar uma evolução muito grande a nível das práticas, dos modelos, das filosofias que enfocam as estratégias que enfocam a gestão das pessoas.
Tens uma carreira de mais de 40 anos na área de recursos humanos. Como professor, como consultor, como gestor, como investigador… disto tudo, das várias profissões, qual é que tu achas que mereceu mais o “Prémio Carreira”?

Evidentemente, estou profundamente reconhecido e honrado mas, eu preferia responder à questão no sentido de dizer o seguinte: em primeiro lugar, a grande sensibilidade que eu comecei a ter em relação à gestão das pessoas foi a partir da minha licenciatura em psicologia. A psicologia abriu em mim um espaço de reflexão muito interessante, designadamente ao nível da sensibilidade em relação ao humano. E, depois, descobri através da minha vertente da psicologia social e das organizações a gestão de recursos humanos. Quando descobri a gestão de recursos humanos também em termos da minha intervenção prática, para mim ficou profundamente claro que há toda a pertinência entre o que aprendemos e ensinamos nas universidades – nas teorias e nos modelos –, há uma grande pertinência entre isso e a prática. Isto é mais a minha costela académica, mas também acho que “não há nada mais prático que uma boa teoria”.
Para singrarmos nesse território tão complexo que é a gestão das pessoas é fundamental termos várias ideias orientadoras. Porque a realidade é tão diversa e tão complexa que se não tivermos uma ideia clara julgo que perdemos o norte.
E, em simultâneo, essas experiências diferentes. Ou seja, foste melhor consultor porque foste académico, foste melhor académico porque tinhas a realidade profissional das organizações…
Sim, senti-me muitíssimo mais completo. Foi sempre essencial ter uma abordagem mais reflexiva que é propiciada pela academia e ao mesmo tempo ter a vertente prática para nunca me esquecer que as teorias só são válidas se tiverem uma comprovação prática. Mas, a prática só pode ser fundamentada se tiver, atrás, algum suporte teórico de investigação. Se não, as práticas podem resultar numa total confusão e disparar para várias direções e não acertar no alvo. Por isso, acho que essa combinação entre as duas dimensões para mim foi das questões mais essenciais da minha carreira.
Porque tens essa inquietude que te fez e faz andar à frente do teu tempo?
Teve a ver basicamente com três questões que foram importantes. Primeiro, sempre tive uma grande paixão por aquilo que faço; segundo, sempre tive uma enorme curiosidade e terceiro, sempre tive uma grande apetência para verificar até que ponto as coisas que nós pensamos têm alguma validação prática. A conjunção destas três coisas foi essencial. A curiosidade levou-me a interrogar-me sempre uma série de coisas que me obrigaram a estudar. Como sempre tive uma enorme paixão, associada, fui enveredando pelas pessoas e pela gestão das pessoas, levando-me a procurar “como podemos melhorar?”, “como podemos encontrar formas de construir aquela ideia de que é nas pessoas, pelas pessoas e para as pessoas que reside o sentido mais profundo de uma organização?”.
Consolidas esse conhecimento em material que é lido, estudado, investigado. Fazes isso apenas pela necessidade de estudar ou isso faz também parte do teu conceito de carreira?
Eu tenho sempre muito de pessoal na minha forma de sentir, na minha forma de estar. Para mim a gestão das pessoas não é uma profissão, é uma missão.
A tua carreira teve, então, também algo de missionário?
Gosto mais até de lhe chamar “propósito” pois é um conceito mais concreto do que missão. Sim, a missão de uma pessoa é aquilo que a pessoa descobre… pois não inventamos a nossa missão, nós descobrimos a nossa missão. E essa missão é descoberta como? Através dos centros de vida. E quando estamos a trabalhar nos centros de vida, sentimos aquilo que hoje na psicologia positiva chamamos o “estado de flow”. E este é um estado sem reservas mentais, no sentido que estamos entregues, e esta entrega é muito importante para termos uma aproximação muito profunda daquilo que realmente gostamos. Eu encontrei isso na gestão das pessoas.

Queres partilhar connosco uma, duas ou três coisas, das muitas que fizeste, de que te orgulhas muito e que são pontos altos da tua carreira?
É difícil estar exatamente a responder-te a isso. Antes de ser consultor de RH, estive cerca de nove anos em atividades diferentes. Comecei a minha vida profissional como operário de 4ª classe, numa empresa que conheces bem, visto que já foste diretor de recursos humanos lá: foi na OGMA, e tinha 18 anos. Depois, fui durante cinco anos bancário. E, assim, um dos momentos absolutamente marcantes foi exatamente o ano de 1981, em que deixei de ser bancário e encontrei a oportunidade de me conectar com aquilo que eu depois descobri que era o meu centro de vida, quando passei a ser professor no ISPA e integrei os quadros da CEGOC. Esse foi o momento mais marcante, entrar nesta carreira. Nesse ano, praticamente na mesma altura, iniciei-me na vertente da consultoria e na vertente académica.
Mário, o que ainda não fizeste que te falta fazer? Não estamos aqui a falar com uma pessoa que amanhã vai “arrumar as botas”…
Respondo-te de uma forma muito analógica, até porque estou calçado de botas, e deixa citar a canção famosa da Nancy Sinatra “These boots were made for walking”.
Para onde caminha a “gestão das pessoas”?
É profundamente gratificante para mim ver o sentido da gestão de pessoas, constatar que está no caminho de, de facto, colocar a pessoa no centro. Estamos no oposto daquilo que foi a génese da “gestão de pessoal”, em que as pessoas eram consideradas o elemento mínimo das organizações. Neste momento estamos com as pessoas como o elemento máximo das organizações e é com elas com que podemos contar. Outro aspeto ainda, e esse eu acho que caracteriza aquilo que vai ser a evolução futura da gestão de recursos humanos, que é esta questão de que pela primeira vez na história da humanidade vamos ter a possibilidade real daquelas tarefas que são mais desmotivantes, que são mais desgastantes, possam ser feitas sem ser à cus- ta da exploração das pessoas.
E portanto, o futuro vai ser nós irmo-nos libertando mais dessas tarefas mais rotineiras, que podem ser feitas pelas máquinas, pelos robots. Assim, vamos reinventar esta forma de nos aproveitarmos mais enquanto pessoas.