Jorge Gomes
Professor associado com agregação no ISEG/Universidade de Lisboa e membro do CSG/Advance
Tânia Marques
Professora adjunta da ESTG do IPLeiria
Um relatório da PwC (1) prevê que cerca de 30% dos empregos no Reino Unido será substituído por trabalho robotizado ou automatizado até 2030, isto é, dentro de 12 anos. A mudança será mais acentuada em países como os EUA (38%) e a Alemanha (35%) e menos no Japão (21%) e mais nas indústrias assentes em mão-de-obra intensiva, como os transportes (56%), produção (46%) e comércio grossista e a retalho (44%) e menos naquelas baseadas em mente-de-obra, como a saúde e o trabalho social (17% cada).
A destruição e extinção de milhares de empregos e profissões pressagia um cataclismo social, mas, na verdade, tal não é mais do que um repetir da história. Quando se pensa nas três revoluções industriais já vividas pela humanidade, observa-se que o imparável fluxo da mudança obrigou a substituir uma miríade de profissões por outras. Assim, a uma aniquilação de ocupações corresponde uma comparável criação de novas oportunidades de trabalho. O desafio é adivinhar quais são esses novos empregos e quando e como nos devemos preparar para os preencher. Este texto tenta dar algumas respostas a estas questões.
Tendências globais
Em matérias de adivinhação do futuro, algumas entidades oferecem um vaticínio mais realista do que outras, quanto mais não seja por avançarem previsões a dez ou 20 anos, o que é mais prudente face ao atual ritmo de mudança. Não obstante, parece haver consenso em afirmar que as futuras profissões estão direta ou indiretamente arroladas a certos domínios científicos e indústrias em crescimento acelerado, como a inteligência artificial e a computação, os transportes, a energia e o ambiente, a biotecnologia e a genética, o big data, a indústria aeroespacial, a internet das coisas, o entretenimento e o turismo e a agricultura. Não é demais reforçar que a continência deve imperar em questões de previsão, dado que a ascensão meteórica destas ou de outras indústrias ou suas aplicações pode ser tão rápida quanto o seu declínio. Um exemplo é o do dinheiro virtual (criptomoedas), que num dia empolga o mundo financeiro, para no dia seguinte ser apontado como uma fraude.
Como se pode depreender do exposto, as inovações e descobertas científicas estão na génese das anunciadas mudanças, pelo que é sensato concluir que as profissões ligadas aos diversos ramos da engenharia e tecnologia estão naturalmente entre as que vão crescer ou, pelo menos, manter a sua saliência (2). Mas nem todos os ramos da engenharia seguirão uma marcha triunfante. Alguns poderão entrar em colapso! Por exemplo, a crise financeira que iniciou em 2008 teve um forte impacto no setor da construção civil, obrigando muitos engenheiros a emigrar ou a mudar de profissão. O crescimento económico dos últimos anos não tem sido escoltado com uma correspondente retoma da engenharia civil, a que não são alheios fenómenos como a automação e as pressões ambientais, que condicionam cada vez mais o crescimento urbano desgovernado. O engenheiro civil do futuro deverá ser capaz de conjugar o saber substantivo da matéria, com competências de computação, habilidade para gerir pessoas e equipas e ainda ter uma visão de sustentabilidade ambiental.
Para além destas tendências estimuladas pela tecnologia, é ainda notória a carência de analistas de dados (2). O volume de dados a circular cresce exponencialmente, que por sua vez estimula a necessidade em compreender o mosaico informacional envolvente. Tais profissionais são sumariamente designados “analista de dados e informação”, mas decerto em anos vindouros surgirão outras denominações, conforme as carências organizacionais se forem estruturando e clarificando.
Por fim, a habilidade para lidar com pessoas e grupos é outra tendência. A produtividade nas indústrias da saúde, educação, turismo e entretenimento, por exemplo, é altamente dependente da prestação de serviços, o que implica na maioria das vezes interação humana. Outras áreas em muitos setores, por outro lado, dificilmente são substituídas por máquinas. Nas vendas, no relacionamento com clientes e na gestão, por exemplo, toda a criação de valor assenta em interações humanas.
Novas profissões e competências para o futuro
Um relatório publicado pela plataforma LinkedIn (3) mostra as profissões de crescimento mais rápido no período 2012-2017, que reforça o exposto sobre a prevalência de empregos ligados às novas tecnologias (A): machine learning engineer (crescimento de 9,8 vezes), data scientist (6,5x), sales development representative (5,7x), customer success manager (5,6x) e big data developer (5,5x). Outro relatório online, pelo Bureau of Labor Statistics (4), permite ver não apenas os empregos com maior crescimento, mas também os valores salariais médios expectáveis. Os três primeiros da lista são: personal care aides (777 mil novos empregos esperados nos EUA até 2026, com salários anuais médios de pouco mais de 21 mil dólares), combined food preparation and servig workers (580 mil empregos, US 19 mil/ano) e registered nurses (438 mil, US 68 mil/ano). Software developers aparece apenas em quinto lugar, com 255 mil empregos e um salário anual de 100 mil dólares. O relatório do Departamento de Trabalho dos EUA contrasta com o do LinkedIn, na medida em que prevê o crescimento de profissões menos qualificadas e salário modesto, que habitualmente são apontadas como as substituíveis por máquinas e robots. Esta disparidade relembra a necessidade de adotar um olhar crítico sobre o tema e aceitar que a par de novas e revolucionárias ocupações, as organizações continuarão a precisar de preencher milhões de postos de trabalho tradicionais. Afinal, apesar das previsões mais negativistas, ainda é possível encontrar em Portugal sapateiros, alfaiates, amoladores, engraxadores de sapatos, polícias-sinaleiros e pouco mais de 90 guardas de passagem de nível, quase todas mulheres(5).
O relatório do Linkedin confirma ainda que no futuro as profissões demandarão um conjunto múltiplo e variado de competências. De facto, na sociedade digital não basta uma especialização numa determinada matéria técnica, como tem sido a lógica predominante. Assim, os novos profissionais deverão dominar não apenas as suas matérias disciplinares, mas também conteúdos laterais, para mais rapidamente enfrentar o mundo em mudança e para melhorar a qualidade do trabalho produzido. A este respeito, o estudo da Deusto Business School e da empresa 3M (6) confirma que a polimatia será essencial em muitas profissões. Um profissional polímato é aquele que é capaz de conjugar a sua especialização técnica, com conhecimentos de gestão, línguas, artes, tecnologia, desporto e gestão de pessoas. Graças a esta visão holística do mundo, eles estão em vantagem para encontrar soluções criativas para os problemas que enfrentam no seu trabalho.
O relatório do LinkedIn refere que para além de conhecimentos técnicos avançados, os novos profissionais deverão ser capazes de lidar com pessoas, para o que são requeridas várias soft skills: adaptabilidade, flexibilidade cultural, colaboração, liderança, potencial de crescimento e capacidade de priorizar.
Indústrias em fim de vida
O leitor atento terá franzido o nariz, ao ter lido que a agricultura é um setor do futuro. Mais estranheza terá tido por não ter visto, a par da agricultura, a menção às pescas ou outras atividades no setor primário da economia. A ausência das pescas no horizonte temporal é fácil perceber: a atividade piscatória caminha fatalmente para o seu fim, devido ao declínio dos recursos naturais piscícolas, à poluição e ao crescimento da aquacultura. No caso da agricultura (e da pecuária e da silvicultura), a área cultivável tem registado uma queda a nível mundial, o que deixa adivinhar tempos difíceis para todos aqueles que laboram de forma tradicional. Todavia, a inovação, a maquinaria e a automação estão a provocar uma revolução na área. A Holanda tornou-se, na última década, o segundo maior exportador de alimentos, em valor, apenas atrás dos EUA. Num espaço de 20 anos, os produtores holandeses conseguiram reduzir a dependência da água em 90%, eliminar quase totalmente o uso de pesticidas químicos, e reduzir em mais de 60% o uso de antibióticos na criação de aves e gado. A agricultura moderna parece ser uma via em desenvolvimento. Entre as indústrias em fim de vida contam-se algumas que ainda hoje têm um peso expressivo nas economias mundiais, como serviços postais, jornais, revistas e livros em formato papel, música e entretenimento com suporte físico, e certas áreas das telecomunicações. Classes inteiras de profissionais e operadores em outras setores podem conhecer o mesmo fado de descontinuidade: motoristas e operadores de veículos, operadores de caixa, agentes de viagens, operadores de telemarketing, operadores de máquinas em manufatura e produção, entre outros.
Conclusão
Em jeito de conclusão, socorremo-nos novamente do relatório do LinkedIn, para sumariar as características das profissões do futuro. Em primeiro lugar, as ocupações com maior potencial de crescimento estão ligadas com a tecnologia, sendo que as solicitações vêm não apenas de empresas tecnológicas, mas também de organizações utilizadoras de tecnologia. Em segundo lugar, em quase todas as ocupações as soft skills são fundamentais, sendo que em algumas são a essência do trabalho. Em terceiro lugar, existe uma elevada procura por empregos com elevada mobilidade, a fim de acompanhar as tendências globais de flexibilidade e trabalho móvel. Quarto, algumas funções, como data analyst, serão de difícil preenchimento, dada a ainda escassa produção de tais profissionais. Por último, a renovação de competências parece constituir-se como a quintessência de qualquer profissão do futuro, para se fazer frente a um mundo cujo único atributo que se consegue prever… é que é imprevisível.
Para os profissionais de gestão de recursos humanos, é fundamental compreender em pormenor estas tendências, dado o seu papel na gestão das motivações e desenvolvimento de uma força laboral em transformação. A própria GRH pode ter que voltar a equacionar a sua função nas organizações do futuro, como fez nos últimos 20 anos, na linha do movimento da gestão estratégica de RH. Mas isto já é matéria merecedora de ser discutida noutro momento.
Notas
A. Mantiveram-se as designações em inglês dado não se ter encontrado traduções consensuais.
Referências
1. Berriman, R. (2017). Will robots steal our jobs? The potential impact of automation on the UK and other major economies. UK Economic Outlook March, 30-47, disponível em: https://www.pwc.co.uk/economic-services/ukeo/pwcukeo-section-4-automationmarch-2017-v2.pdf
2. World Economic Forum (2016). The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution (Executive summary), disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_FOJ_Executive_Summary_Jobs.pdf.
3. Linkedin’s 2017 U.S. Emerging Jobs Report (2017), 7 December 2017, disponível em https://economicgraph.linkedin.com/research/LinkedIns-2017-US-Emerging-JobsReport?lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_feed%3BTI5EOjY1SEGPSlgAU7W9lg% 3D%3D
4. Bureau of Labor Statistics (United States Department of Labor): disponível em https://www.bls.gov/ooh/most-new-jobs.htm
5. Uma vida na linha – História(s) dos guardas de passagem de linha (4 Maio 2017), reportagem TSF, disponível em: https://www.tsf.pt/sociedade/interior/uma-vida-nalinha—historias-dos-guardas-de-passagem-de-nivel-7204017.html.
6. Disponível em: https://www.deusto.es/cs/Satellite/deusto/en/university-deusto/ deusto-a-unique-student-experience/polymaths-will-be-the-most-widely-demandedprofile-in-the-new-digital-era/noticia