Por:
Maria João Silvestre e Sónia P. Gonçalves, ISCSP-ULisboa
Joana Santos, Universidade do Algarve
Já parou para pensar na sua forma de trabalhar? E na sua forma de viver? Conseguiu parar mesmo? Conseguiu pensar e refletir? Nos dias que correm, parece que a velocidade é a palavra de ordem. Tentamos fazer cada vez mais, em cada vez menos tempo. Vivemos num ritmo frenético de obrigações, não dando margem para o que realmente nos dá prazer. E quando olhamos para a forma atual de trabalhar, certamente nos deparamos com sobrecarga de tarefas, o aumento das horas de trabalho, o horário a transpor-se para a vida pessoal, stress ocupacional, e a pressão do tempo para tudo. Acabamos por viver desprovidos do prazer e assoberbados de exigências constantes, retirando-nos qualquer capacidade reflexiva, contemplativa, e muitas vezes, produtiva até.
Na realidade vivemos numa sociedade ativa de produção que se obriga a fazer frente ao consumismo desenfreado, o que se reflete na síndrome de desgaste profissional que domina todos os contextos laborais. A própria Organização Mundial de Saúde já referiu o stress como a epidemia do século XXI.
Segundo a Comissão Europeia (2002), o stress laboral afeta mais de 40 milhões de trabalhadores em toda a União Europeia, que se traduz numa perda económica de 20 mil milhões de euros. Os resultados do inquérito europeu sobre riscos novos e emergentes (ESENER, 2019), que contou com mais de 45000 organizações de 33 países, identificaram a pressão de tempo (44% dos inquiridos) e a exposição a horário de trabalho longo ou irregular (22% dos inquiridos) como principais fatores de risco psicológico para os trabalhadores. Também no Quinto Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho (Eurofound, 2012), 62% dos trabalhadores referiram trabalhar com prazos apertados. E vários são os estudos (e.g., Burke, 2009; Cox, 1993; Jaskiewicz & Tulenko, 2012) que nos apresentam uma relação negativa entre a sobrecarga de trabalho ou as longas horas de trabalho e a produtividade
Mas qual é o impacto disto em nós? Passámos a viver em função do trabalho, com falta de tempo para as coisas prazerosas da vida, com falta de tempo para os nossos filhos, e para a nossa família. Estamos robotizados para trabalhar. A verdade é que não somos robots, somos pessoas. E como tal, precisamos duma vida consciente, com significado, e feliz.
O excesso de velocidade, a intensidade, e a perceção de falta de sentido da vida, fez globalizar o Slow movement, que emergiu na década de 1980, através de pequenos grandes submovimentos como a Slow Food, a Slow Fashion, as Slow Cities, ou as Slow Careers.
Segundo Carlo Petrini (cit. In Honoré, 2005, p.16), o fundador do Slow food, “Ser Slow significa ter o controle do ritmo da sua própria vida. É a pessoa que decide o quão rápido tem que ir em qualquer contexto. Se num dia quer ir rápido, vai rápido; se amanhã quer ir devagar, vai devagar. É uma luta pelo direito de determinar os próprios ritmos”. Importa sublinhar que Slow não significa necessariamente “lento”, embora esteja implícito o desejo de fuga do mundo social acelerado que a globalização tem instituído. É uma filosofia de vida que respeita o nosso equilíbrio e que assenta em princípios como a calma, o cuidado, a recetividade, a intuição, o ritmo certo, a paciência, a consciência, a reflexividade e a qualidade, ao invés da quantidade.
Mas, se já faz sentido para tantas pessoas adotar um estilo Slow Food, em prol de maior prazer e melhor saúde, então porque ainda não estamos conscientes para a necessidade de adotar um estilo de Slow Work?
O mindset de trabalho Fast tem uma forte conexão com culturas organizacionais que privilegiam o acelerado ritmo de trabalho, a produtividade e a quantidade, criando um culto de excesso de trabalho em toda a organização. Para esta linha de pensamento, o estilo Slow work pode ser interpretado como incompatível com o crescimento económico desejado pelas organizações. Contudo, a longo prazo veremos o benefício do controlo das nossas vidas.
A adoção de um estilo Slow no trabalho pressupõe a realização das tarefas de forma focada, no ritmo certo, eficaz e produtivo, que, por vezes, pode ser mais rápido, e outras vezes, ser mais devagar. Respeitarmos o nosso ritmo para concretizar as tarefas laborais implica termos tempo para a reflexão e tomadas de decisão ponderadas e conscientes, prevenindo enganos contraproducentes que prejudicam todo o desempenho organizacional. Desta forma, dar a conhecer os benefícios destas práticas poderá favorecer a adoção de um mindset slow no trabalho e, desta forma motivar, potenciar o bem-estar individual e, assim, conseguir um maior comprometimento e uma maior agilidade para o alcance dos objetivos organizacionais.
Para reflexão, fica a célebre frase de Milan Kundera: “When things happen too fast, nobody can be certain about anything, about anything at all, not even about himself”.
Referências bibliográficas
Burke, R. J. (2009). Working to live or living to work: Should individual or organizations care? Journal of Business Ethics, 84, 167-172. https://doi.org/10.1007/s10551-008-9703-6
Comissão Europeia, Guidance on work-related stress: spice of life or kiss of death, European Communities, Luxemburgo, Comunidades Europeias, 2002. Disponível em: https://osha.europa.eu/data/links/guidance-on-work-related-stress
Cox, T., (1993). Stress research and stress management: Putting theory to work. Health and Safety Executive.
EU-OSHA — Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, Third European Survey of Enterprises on New and Emerging (ESENER 2019), Comunidades Europeias, Luxemburgo, 2019. Disponível em:
Eurofound — Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, Quinto Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2012. Disponível em: http://www.eurofound.europa.eu/surveys/ewcs/2010/
https://visualisation.osha.europa.eu/esener#!/en/survey/overview/2019
Honoré, C. (2005). In praise of slowness: Challenging the Cult of Speed. HarperCollins e-books.
Jaskiewicz, W., & Tulenko, K. (2012). Increasing community health worker productivity and effectiveness: a review of the influence of the work environment. Human resources for health, 10(1), 38. https://doi.org/10.1186/1478-4491-10-38