O mundo dos recursos humanos tem vindo a sofrer profundas alterações desde o aparecimento da pandemia. E embora tenhamos planeado o regresso aos escritórios, percebemos agora que isso não acontecerá, pelo menos nos próximos tempos. Então, quais são as melhores práticas que podem ser implementadas? O que podemos esperar do futuro?
A Abaco Consulting é uma empresa que trabalha na implementação e manutenção de sistemas de informação SAP, e que conta já com 15 anos no mercado. Para perceber quais são as boas práticas que devem agora ser implementadas, de acordo com a Abaco, e também para perceber como é que a tecnologia tem tornado tudo isto possível, a RHmagazine foi falar com Ângela Santos, Board Member e Responsável pelo Desenvolvimento de Talentos da Abaco Consulting.
BC: Esta nova realidade está a alterar e a moldar o futuro dos RH. Sendo a Abaco uma empresa do setor tecnológico, diria que a tecnologia está a ajudar na gestão das problemáticas que as empresas têm enfrentado?
AS: Sim, sem dúvida. A tecnologia tem vindo a afirmar-se como uma ferramenta essencial para qualquer organização, sendo que a evolução tecnológica tem sido benéfica para quase todos os setores, sobretudo para as empresas, que veem a gestão de recursos humanos melhorada. Aquela que é uma das áreas mais difíceis de gerir torna-se, agora, mais simples graças ao desenvolvimento de novos softwares que, por si só, introduzem importantes mudanças no processo de trabalho – sobretudo no que toca à motivação e produtividade. Não falamos só de colaboradores, mas também de gestores e/ou outros órgãos administrativos, que reconhecem que o seu trabalho foi visivelmente melhorado com a implementação destes sistemas.
Neste sentido, os softwares de recursos humanos introduzem mais-valias importantes, principalmente ao nível da integração, desenvolvimento de relações, aprendizagem e até de recrutamento.
Será que algumas empresas, e essencialmente na área dos RH, também veem na tecnologia alguns obstáculos?
Muito possivelmente, pois para muitas empresas este “recomeço” será bastante diferente daquilo que conheciam. A Covid-19 veio impulsionar e até mesmo acelerar a transformação digital de muitas empresas, sendo que muitas ainda não estavam preparadas ou não tinham ainda assumido a importância de se digitalizarem, apesar de, cada vez mais, este ser um tema global. Neste sentido, tornou-se essencial que estas tenham capacidade para reinventar os seus processos e apostar ainda mais na transformação digital dos seus negócios, pois só assim conseguirão ultrapassar esta crise com que nos deparamos.
Este novo normal que agora se está a erguer será, sem dúvida, mais digital, quer na forma de fazermos negócios, quer nos processos organizacionais, sendo que a tecnologia desempenhará um papel ainda mais preponderante na vida das organizações. Apesar da evolução tecnológica que tem ocorrido nos últimos anos, ainda existem muitos entraves que limitam a nossa ação, mas que pela força do hábito nunca nos preocupámos em alterá-los, neste caso, em digitalizar ou até mesmo preparar os colaboradores para assumirem funções mais digitais. Posto isto, acredito que, para algumas empresas, sobretudo na área de RH, ainda sintam alguma relutância em integrar tecnologia nas suas funções, pois não identificaram ainda as suas verdadeiras vantagens. E quando falo de tecnologia e digitalização não quero dizer fluxos e cadeias de e-mail e documentos excel/word/powerpoint e guardados numa qualquer intranet. Mas, é urgente que comecem a olhar para estas questões com outros olhos e eliminem tudo o que não seja ágil, escalável, dependente da pessoa A ou B, e que permita o consumo de informação por quem dela precisa, na hora certa, de forma a que lhes permita ter um modelo de negócio rápido a reagir.
É essencial que as empresas se prepararem para serem digitais desde o processo de venda até ao início da expedição, desde a compra da matéria-prima até ao planeamento da produção, desde o recrutamento até aos modelos de compensação e progressão na carreira.
É importante que as empresas apostem agora em upskilling e reskilling dos colaboradores, numa vertente até mais tecnológica?
Enquanto que os avanços tecnológicos têm vindo a acelerar de forma crescente, afetando diretamente a força de trabalho, as empresas devem, obrigatoriamente, focar-se em habilitar os seus profissionais, de modo a tirarem o maior benefício possível da inovação e da transformação digital. Por outro lado, competências como a flexibilidade e a capacidade de aprender ou reaprender são cada vez mais procuradas, quer por organizações como por colaboradores, uma vez que, cada vez mais, se valoriza a da requalificação profissional.
Neste sentido, as organizações bem-sucedidas serão aquelas que virem esta nova era como uma oportunidade e tenham a capacidade para serem inovadores, saírem da sua zona de conforto e desenvolverem produtos e serviços disruptivos.
É fundamental agregar ao catálogo de skills tradicionais as skills tecnológicas. E é importante mudar o mindset para um Learning in the Flow of Work, o que só é possível com as plataformas tecnológicas de Learning ao serviço da força de trabalho.
Como tem sido cuidar e gerir uma equipa de cerca de 140 colaboradores?
Estamos a desenvolver todos os esforços para superar esta crise. Claro que estamos todos preocupados com o futuro, com o que virá depois da epidemia entrar na fase decrescente. Há sinais evidentes de que se avizinha uma crise. Mas, em primeiro lugar, temos de ultrapassar a epidemia. Temos de zelar pelo bem-estar das pessoas. Agir responsavelmente e continuarmos a evitar ser um veículo de transmissão aos outros.
Gerir pessoas nunca foi uma tarefa fácil e, perante o contexto vivido, ainda mais difícil se tornou.
Vários foram os desafios que foram surgindo ao longo destes 9 meses, nomeadamente, mantermo-nos fiéis aos nossos valores e princípios. No nosso caso, cuidar em primeiro lugar dos colaboradores (por exemplo, não embarcar em soluções fáceis de dispensar pessoas como solução imediata para os problemas, avaliar todas as outras antes desta). Outro dos nossos valores é o desenvolvimento de relações. Como manter o convívio entre nós? Como continuar a criar empatia com as pessoas do cliente? Como mostrarmos solidariedade com essas pessoas? Outro desafio é sermos capazes, no meio da incerteza, de apontar o caminho. De manter a tranquilidade e passar confiança. E ensinar isso. O que sabemos e o que não sabemos. O que podemos ou não podemos controlar. Recolher informação, procurar partilhar com outras pessoas e outros setores dados, pontos de vista, ideias, ações, e pô-las em prática com as nossas pessoas.
Por último, é fazer um esforço extra para nos aproximarmos das pessoas. Comunicar bastante mais. Dar e recolher mais contexto sobre cada um. Perceber a situação de cada um e adaptar as ações e comunicação às suas necessidades. Desenvolver mais ações para fomentar o contacto, seja em contexto profissional, seja para convívio.
Para a Abaco, quais são as boas práticas que devem ser implementadas, mantendo em mente um plano estratégico para 2021?
Penso que a principal prioridade é não nos focarmos em voltar “ao que era antes”, mas sim adaptarmo-nos a uma nova realidade, com novas exigências. Mas o mais importante é continuarmos a entregar aos nossos clientes o nosso trabalho com o mesmo nível de qualidade. É possível que as principais mudanças que iremos sentir sejam no modo como as empresas se irão relacionar, quer com clientes, parceiros ou com colaboradores.
Acho que já conseguimos todos perceber que somos igualmente eficientes em modo remoto, pelo que considero que o teletrabalho aumentará consideravelmente e assistiremos a uma diminuição do espaço útil de trabalho nos escritórios.
Na mesma linha, o facto de haver menos deslocações vai permitir um aumento de interações diárias e o ritmo com que tomamos (ou recebemos) decisões irá acelerar. Perspetivo alguma pressão na capacidade de entrega e na necessidade de existirem ferramentas que nos permitam acompanhar esse ritmo.
Por outro lado, a segurança nas redes e nas aplicações passa a ser uma preocupação maior e uma das principais prioridades para as empresas, assim como a sua capacidade para gerir o tráfego de grandes quantidades de informação. As ferramentas de monitorização e acompanhamento de saúde e segurança no trabalho vão definitivamente entrar na agenda, pois é necessário reagir rápido se acontecer uma situação semelhante.
Considero que o mais importante continua a ser a comunicação com os colaboradores, clientes e parceiros. Neste momento, é importante que se continue a dar primazia à comunicação interna e se passe mensagens que incentivem a tranquilidade e ajudem as pessoas a manter a saúde mental, física e o foco no que temos para fazer. Agora, mais do que nunca, é importante demonstrarmos aos nossos colaboradores que, para nós, o mais importante são as pessoas e o seu bem-estar. É igualmente importante que entre cliente e fornecedor, parceiro e concorrente se estabeleçam laços de solidariedade ao invés de cada um procurar estratégias de sobrevivência individual.
O sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo.
Há várias iniciativas em que estamos a trabalhar, especificamente na adaptação a uma nova forma de trabalho num modelo híbrido, onde o relacionamento cruzado entre pessoas de várias equipas e contextos é um desafio importante a superar.
A Abaco alterou, de alguma forma, a sua cultura e os seus valores? Como acha que as empresas vão conseguir manter uma cultura coesa e intacta?
O teletrabalho obrigou-nos a estar mais perto das nossas equipas e a descobrir que, mesmo longe fisicamente, conseguimos lidar com situações inesperadas, urgentes, mas também a encontrar dentro de nós a força positiva que nos orienta e que nos permitiu e continua a permitir reforçar a nossa cultura organizacional.
São as empresas com uma cultura forte, que mais confiam nos seus talentos e lhes dão autonomia para improvisarem, que se adaptam mais facilmente. Para isso é fundamental ligar e aproximar os colaboradores em torno de discussões relevantes e partilhar informações críticas sobre a organização.
Porém, nunca esquecendo que cada pessoa é única, tem experiências e expectativas distintas, e pode contribuir de formas diferentes, é, portanto, necessário conhecê-las bem para as poder liderar. Um bom gestor de RH articula as suas pessoas abrindo-lhes o caminho para aquilo que elas fazem melhor e complementando os vários talentos numa equipa, focando-os num propósito. Se a isso aliarmos um mindset geral de foco nos colaboradores, de humanity na organização, de processos desenhados para melhorar a experiência das pessoas (estejam juntas ou distribuídas, mas sempre conectadas) e de envolvimento para a contribuição, os talentos serão efetivamente as peças centrais no processo de adaptação constante a que uma empresa é obrigada nos dias de hoje.
Desta forma, várias foram as ferramentas que surgiram nos últimos meses para auxiliar as empresas a gerir os seus processos, quer internos quer externos. A Abaco sempre conviveu com a mudança e flexibilidade e é uma empresa que se adapta rapidamente. Por inerência dos serviços que presta já tinha, desde sempre, equipas a trabalhar no escritório ligadas remotamente a alguns dos seus clientes, bem como alguns colaboradores já trabalhavam a partir de casa, em atividades de suporte num modelo nearshore.
E essa será a principal “ferramenta” para conseguirmos manter a produtividade, assim como existir uma comunicação regular entre as equipas e encontrar metodologias de trabalho que ajudem na coordenação, visibilidade e apoio no desenvolvimento das tarefas de cada um. Assim como é fundamental criar novos canais de comunicação e aumentar esta comunicação com os clientes e parceiros, pois é essencial que percebam que continuamos a apoiá-los e a ajudá-los no que necessitarem.
De que forma é que as organizações irão contratar neste novo contexto? Qual tem sido a aposta da Abaco neste âmbito?
Sem dúvida que é aqui que os novos desafios não param de surgir, sobretudo, no que diz respeito à integração de novos colaboradores nas empresas. Se antes já era uma tarefa difícil, agora ainda mais será. Na Abaco, assim como em todas as empresas no geral, as entrevistas passaram a ser à distância, assim como a validação de referências, pesquisa, seleção e triagem de candidatos. O teletrabalho manteve-se, mas a necessidade de integrar novos talentos nas organizações continua e, por isso, é inevitável tornar os processos de recrutamento e acolhimento digitais. Para tal, a tecnologia tornou-se uma ferramenta essencial na gestão dos processos de contratações. Tornou-os mais eficientes, aumentando assim a probabilidade de encontrar o candidato ideal para uma determinada oferta de emprego, com base nos seus próprios valores.
Após a escolha dos candidatos certos, surge um novo (e talvez, maior) desafio: como os integrar nas equipas e em toda a realidade da empresa? Se já era difícil anteriormente, com a realidade do trabalho à distância passou a ser crítico.
Não nos podemos esquecer que é fundamental que estes novos talentos assimilem, desde a sua entrada, o que é a cultura da empresa e se integrem nela. Mas, para tal, é necessário implementar algumas medidas que tenham esse propósito.
Assim, na Abaco procuramos, continuamente, partilhar a cultura da empresa (missão e valores), de forma a que os novos talentos se integrem mais rapidamente na cultura da empresa; atribuí-los a um Team Leader, uma vez que assim terão sempre alguém em específico que os possa acompanhar e dar o apoio que necessitam; videochamadas diárias com a equipa para os ajudarem com os processos, a colocá-los à vontade para tirarem dúvidas, e, por último, mas igualmente importante, a fomentarem o espírito de equipa.
Quais são os planos da Abaco daqui para a frente?
A Abaco está a trabalhar no seu orçamento de 2021, como faria num ano normal. A discutir as ações e táticas para implementar a estratégia que definiu no primeiro semestre de 2020 para os próximos anos. A trabalhar no programa de adaptação às novas exigências do trabalho remoto, que veio para ficar, a redefinir os papeis e competências que necessita para o futuro e a aprendizagem que as pessoas precisam de fazer, e a procurar mais feedback junto dos seus clientes.
Uma coisa sabemos: não vamos ficar a aguardar o fim da pandemia para traçar o nosso rumo. Navegaremos na incerteza, mas com o rumo traçado.
Podemos demorar um pouco mais no caminho, mas é importante definir para onde vamos e o que precisamos de fazer para chegar lá.
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