Autor:
Miguel Moreira – Diretor do Digital Businee Center da Nova SBE
Qual o grau da real transformação que a era digital vai trazer para o funcionamento das empresas? Será limitada a novos canais de interação com clientes e formas de acesso a informação e diversão? Será apenas mais um pico de atenção ou uma moda, ou implicará uma profunda transformação que pela aplicação de ferramentas e métodos de aumento da produtividade alterará radicalmente a estrutura das funções e da forma como as empresas se organizam?
E mesmo que assim seja, este efeito será resultado dos ciclos económicos e da globalização, e quando estabilizar levar-nos-á sensivelmente ao ponto de partida, no que diz respeito ao número e tipo de empregos criados? Ou estamos perante algo diferente, mais fraturante e já em transição para um modelo económico diferente?
Acredito que devemos manter uma perspetiva otimista perante o impacto da tecnologia, mas também que estamos perante uma mudança estrutural na maneira como a sociedade e a economia se organizam e na intervenção (i.e., nas funções) desempenhadas pelas pessoas, especialmente na conjugação com máquinas e dispositivos tecnológicos.
Uma das grandes questões do momento é “como vai ser o trabalho no futuro?”. Isto porque o trabalho passou a ser, ao longo do último século, talvez o principal pilar das nossas vidas. Para além de nos permitir desenvolver as nossas competências, a nossa natural ambição de crescimento e evolução de carreira, deu-nos previsibilidade e permitiu planificar as grandes opções financeiras das nossas vidas: onde comprar uma casa, qual o carro que vou escolher, onde vou passar férias este ano, será que vou conseguir pagar a escola que escolhi para os meus filhos… Para além disso, passou a ter um papel central na componente social das nossas vidas, pois é na empresa onde fazemos os amigos mais próximos, onde discutimos política ou desporto e mesmo onde muitos se apaixonam.
Existe consenso que este mundo da empresa estável, e dos contratos de trabalhos efetivos, embora não tenha acabado para todos, acabou sim para uma crescente maioria que foi apanhada desprevenida. Existe consenso também que grande parte de uma geração, com licenciatura e pós-graduação, dificilmente conseguirá sair de um call-center… e nunca irá conhecer esse “mundo idílico”.
O mundo do trabalho no futuro, graças à tecnologia, vais exigir de nós uma outra intervenção, nas funções, mas também provavelmente no modelo do contrato ou acordo entre quem contrata e quem trabalha.
A automação das tarefas repetitivas, antes realizadas por homens, está ainda apenas a acelerar, e todas as funções executadas por detrás de um écran têm uma alta chance de automação, mesmo aquelas de programação informática. O risco acrescido vem da entrada dos computadores no mundo cognitivo, antes restrito aos humanos, e pelas capacidades de tratamento massivo de dados e analítica avançada, assim como de AI (Inteligência Artificial), através da automação de funções de alto valor, envolvendo análise, opinião e decisão – mais rápidas, mais precisas e mais baratas do que quando desempenhadas por humanos.
Ainda assim, o fator determinante parece ser, mais que outro, a velocidade da progressão, pois enquanto as grandes transições da sociedade nos últimos 200 anos tardaram largas décadas, como a transição da agricultura para a indústria que demorou quase cem anos, a transição atual está a ocorrer com uma progressão de natureza exponencial – e nós, indivíduos, estamos a ter dificuldades em reagir a tempo.
O impacto da tecnologia nas funções e empregos vai ser “vertical”, com uma especialidade altamente técnica que está a ganhar expressão (e headcount) nos organigramas, no desenho, conceção, e construção/programação dessas soluções, que necessita de perfis de engenharia de sistemas de computação e outras variantes. Mas a grande mudança virá da penetração “horizontal” da tecnologia, aquela que se introduz nas tarefas de quase todas as funções, do contabilista ao neurologista, automatizando, simplificando ou substituindo as tarefas como elas eram realizadas no passado…
Esta “mancha” de adoção será penetrante e numa primeira fase subtil, de implementação “silenciosa” – mas vai ser muito rápida e é isto que já está a acontecer. Mesmo as comunidades de “hiperespecialistas”, hoje referem que a velocidade de adoção de tecnologias como a AI (Inteligência Artificial) está a superar mesmo as previsões mais otimistas!
É neste ponto temos de relembrar o já famoso estudo de 2013, realizado por Michael A. Osborne da Oxford University’s Department of Engineering Science e Carl Benedikt Frey da Oxford Martin School, que estimou detalhadamente a probabilidade de automação das mais representativas 700 ocupações nos EUA num horizonte de duas décadas, tendo concluído que cerca de 47% poderão estar em risco.
As funções e os empregos “antigos”, como os conhecemos não vão desaparecer, mas vão ser muito menos…e isso vai dar origem a um novo tipo de funções, job descriptions e novos skills que têm que ser adquiridos.
Para quem já está no mercado de trabalho, ou quem está a entrar agora nele, os mais rápidos e atentos vão adotar tecnologias e aprender novos skills… pois os novos job descriptions vão dar origem a novas “profissões”. Segundo o pensamento de Richard e Daniel Susskind no seu livro “The Future of Professions” vai surgir um novo tipo que eles denominam “Para-Professions”, nas quais, citando alguns exemplos, um enfermeiro “digital” ou um especialista jurídico “digital”, poderão desempenhar uma boa parte de funções antes apenas realizadas por médicos ou advogados.
Segundo Thomas Davenport, num interessante artigo da Harvard Business Review, existem cinco opções que cada profissional (cada um de nós) pode tomar perante esta nova realidade em que as tecnologias digitais redefinem o nosso papel e valor acrescentado:
Tipo 1 – “Step In”: entrar enquanto interveniente do novo processo digital, combinando a experiência e conhecimento da profissão, criatividade e intuição com ferramentas digitais, analisando, validando e dando feedback a sistemas de recomendação e decisão automática, permitindo uma calibração e melhoria contínuas, ou falhas lógicas no sistema.
Tipo 2 – “Step Up”: subir para a criação de uma perspetiva superior de visão geral sobre o papel da tecnologia, a sua ligação com os processos, a seleção da tecnologia adequada e monitoramento do desempenho das componentes digitais.
Tipo 3 – “Step Forward”: imergir no core da conceção digital, construindo as próximas gerações de ferramentas digitais, desenhando, criando ou gerindo tecnologia, como em profissões de programação ou gestão de sistemas.
Tipo 4 – “Step Narrow”: concentrar-se numa micro especialização dentro da sua profissão que dificilmente se justificará um investimento em automatizar essas tarefas.
Tipo 5 – “Step Aside”: manter-se à margem da onda de transformação, em atividades intrinsecamente humanas e pouco automatizáveis como em processos de venda convencional, fazendo coaching ou motivando outros.
Poderão existir outras opções e apenas no futuro teremos visibilidade sobre a distribuição do número de empregos por cada tipo, embora pareça evidente que haverá alguma procura muito qualitativa para o tipo 1 e tipo 2, muita procura embora tendendo a alguma vulgarização para o tipo 3, e pouca, mas muito seletiva, para os tipos 4 e 5.
Este cenário futuro, para além dos sólidos skills na utilização avançada de ferramentas e conceitos digitais, e quase paradoxalmente à maioria das profissões, vai exigir simultaneamente mais capacidades sociais e de interação humana, pois é isso que vai fazer a diferença na relevância e no valor acrescentado do homem.
Responder a este desafio é uma grande missão do setor do ensino pois o modelo tradicional não está a conseguir responder em conteúdo e rapidez.
É aos líderes a quem caberá dirigir este processo nas organizações, e compete-lhes ter uma perspetiva profunda sobre as potencialidades, dimensões e implicações da transformação digital, a nível das tecnologias, aplicações e impactos nos processos e na organização, no desenho das funções, novos skills necessários e inovadores modelos de contratação.
Num clima de incerteza e mudança rápida não há receitas mágicas, e muito dependerá do contexto e da estratégia de cada empresa, mas existem alguns atributos que começam a ganhar consenso, como estas seis ideias que aqui deixamos:
- É importante formar os líderes, mas não esquecer a restante força de trabalho, muita dela em pré obsolescência tecnológica;
- A velocidade de evolução vai obrigar a estimular que todos os colaboradores “aprendam a aprender”, e não deve ser uma atividade forçada, pois vai ser uma constante daqui para a frente e ao longo da vida;
- Os modelos de ensino tradicionais assumem que para um determinado grupo de pessoas, agrupadas numa “turma”, todas têm um ponto de partida, uma velocidade de aprendizagem e uma motivação idênticos! Isto é manifestamente irrealista e diminui muito a eficácia de aprendizagem. A personalização do ensino vai ser uma palavra-chave no futuro;
- É importante criar alternativas de aprendizagem para os segmentos mais resistentes, normalmente os mais esquecidos em programas de formação (os mais velhos, ou menos qualificados), pois os modelos tradicionais, “online” ou “offline”, são normalmente hostis a estas pessoas;
- Será relevante desenhar ofertas adequadas de formação, esclarecendo a necessidade de uma requalificação contínua, mas também oferecendo incentivos para adesão voluntária dos colaboradores (e posteriormente na medição do “investimento” individual);
- Construir programas de formação com o novo mix de skills, (Social Skills + Tech Skills) como uma experiência útil e divertida, contextualizando a necessidade de abordar os dois em simultâneo, poderá ser uma combinação muito eficaz.
A parceria NOVA SBE com a NOVA IMS vem responder a esta nova necessidade criando uma oferta para dar awareness aos líderes para as implicações desta transformação criando uma parceria para a transformação digital com o lançamento de dois programas: um de Digital Transformation Roadmap, um programa mais concentrado para ajudar a criar um plano para a organização, e o Digital Business Transformation Leaders Program, um programa com um âmbito mais alargado contemplando a liderança, inovação e transformação do negócio. Para além destes dois, a parceria conta com mais 6 cursos intensivos e 1 Diploma Conjunto de Especialização, que prometem começar a formar quadros nos skills digitais específicos das suas funções, como a reinventada Gestão do Retalho, o marketing digital, o data science e o big data.
Poderão encontrar mais informação em http://novadigital.unl.pt/.
Artigo publicado na Edição nº 109 da RHmagazine.
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