Autor: Tânia Gaspar, Professora Associada e Doutora em Psicologia e em Gestão
A
realidade corroborada pela investigação reflete que a pandemia de COVID-19 está a ter impacto negativo ao nível da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e no aumento dos Riscos Psicossociais no Trabalho, nomeadamente associados à Saúde Mental.
Sempre e mais ainda agora, confirma-se que os recursos humanos são o capital principal das organizações. São a unidade de trabalho, produção e desenvolvimento e têm um papel muito importante na sustentabilidade das organizações e das suas atividades. Deste modo, o processo de planeamento e implementação de objetivos da organização deve basear-se na utilização, o mais adequada, eficaz e saudável possível, dos seus recursos humanos.
Quando se aprofunda a qualidade de vida relacionada com o trabalho temos de ter em conta diversos fatores:
- satisfação com o desempenho;
- possibilidade de futuro na organização;
- reconhecimento das realizações;
- remuneração;
- benefícios;
- relações interpessoais com o grupo e com a organização;
- ambiente psicológico e trabalho físico;
- autonomia e responsabilidade para tomar decisões;
- possibilidade de participação e segurança psicológica para dar a sua opinião e sugestões de melhoria/inovação (…).
Os Riscos Psicossociais do Trabalho (RPT) são um dos fatores que mais afeta a qualidade de vida e o bem-estar dos profissionais. Para melhorar a QVT é importante a avaliação dos riscos psicossociais do trabalho, planear e implementar medidas para a diminuição dos riscos e/ou promoção de condições e competências junto dos profissionais para uma melhor gestão dos RPT.
Manter uma atividade profissional num ambiente laboral desfavorável e a exposição a determinados fatores de risco podem afetar a qualidade de vida e a saúde mental dos profissionais e estão associados a indicadores de saúde física e psicológica mais negativos.
Verificamos que nos últimos dois anos a maior parte dos profissionais tem tido uma maior exposição a riscos psicossociais do trabalho, o que resulta num grande desafio ao nível da saúde e segurança no trabalho.
O stress e o burnout são identificados como um dos principais problemas dos profissionais, relacionado com a elevada exigência e sobrecarga de trabalho por causa da falta de recursos humanos e pela acumulação de funções/atividades.
Como muitas organizações já estão a constatar, a desvalorização dos riscos psicossociais no trabalho tem impacto na saúde física, mental e social dos profissionais, e nos índices de saúde da organização, relacionados com o absentismo, produtividade, satisfação dos profissionais e turnover e, consequentemente, tem elevados custos financeiros para as organizações e para a sociedade.
Numa perspetiva de gestão pretende-se não apenas minimizar os riscos psicossociais no trabalho que são prejudiciais à saúde do profissional, como também, mitigar o impacto organizacional prejudicial ao nível da produtividade e custos.
A Gestão de Recursos Humanos tem novos desafios de forma a promover o bem-estar dos profissionais e da organização e ao mesmo tempo melhorar a produtividade de forma sustentável.
O processo de gestão de riscos psicossociais passa por diferentes etapas, nomeadamente:
(1) identificação e avaliação dos riscos;
(2) planeamento, seleção de temas e delineamento do plano de ação e escolha de pessoas envolvidas;
(3) fase de intervenção, implementação do plano de ação ao nível da intervenção primária, secundária e terciária de forma integrada e em sintonia com o funcionamento regular da organização;
(4) fase de avaliação do processo e resultados e reformulação e/ou redefinição de plano de ação, se necessário;
(5) integração da mudança, desenvolvimento e aprendizagem organizacional – passa pela comunicação interna dos resultados e redesenho da organização numa orientação a longo-prazo, que trará benefícios para os profissionais e para a organização como um todo.
No processo de gestão de riscos psicossociais podem ser identificados fatores facilitadores da mudança e fatores que dificultam a mudança.
Como fatores facilitadores e promotores incluem-se aspetos de obrigação legal, melhoria da produtividade e desempenho, aspetos éticos, a prontidão para a mudança, abordagem participativa por parte dos profissionais e compromisso e suporte por parte da gestão da organização.
Alguns fatores podem dificultar ou mesmo inviabilizar a mudança, nomeadamente a situação económica e disponibilidade de recursos da organização, resistência à possível restruturação da organização, a cultura da organização e fraca prontidão para a mudança, fraca consciência, valorização e fraco conhecimento dos riscos psicossociais e respetivas consequências, pouca capacidade e disponibilidade para treinar e contratualizar especialistas e instrumentos de avaliação e monitorização, barreiras no processo de implementação e os benefícios da intervenção psicossocial podem refletir-se, de forma sustentável, apenas a médio/longo prazo.
A pandemia tem afetado todos, mas mais uns do que outros. São identificadas pessoas com maior risco ao nível do stress e angústia, nomeadamente, os profissionais de saúde e outros que sempre estiveram na chamada “linha da frente”, os mais novos, as mulheres, as pessoas que não estão numa relação e/ou que vivem sozinhas durante o surto, que têm um rendimento abaixo da média, que são diagnosticadas com a doença e que têm uma pessoa próxima num grupo de alto risco. Pessoas com maior insegurança laboral e com preocupações financeiras tendem a apresentar maior risco ao nível da saúde mental, nomeadamente ao nível da ansiedade e depressão.
A pandemia de COVID-19 vai provavelmente ter impacto a médio e longo prazo na saúde mental e qualidade de vida no trabalho dos profissionais e, consequentemente, vai ter consequências nas organizações.
Revela-se uma prioridade dos gestores de recursos humanos a promoção do bem-estar, qualidade de vida dos profissionais e gestão dos riscos psicossociais no trabalho. O primeiro passo será o diagnóstico com recurso a instrumentos quantitativos adequados e recolha de informação qualitativa junto dos profissionais – ouvir e envolver os profissionais em todo o processo é fundamental. Após o diagnóstico, há que definir prioridades – aqui, é importante que a cultura organizacional esteja bem estabelecida e seja partilhada pelos profissionais. O processo de implementação das medidas deve ser acompanhado por monitorização e envolvimento dos diversos atores das organizações e outros stakeholders. No final de um ciclo deve fazer-se a avaliação quantitativa e qualitativa e refletir sobre o impacto: o que se deve manter e o que se deve acrescentar.
Os últimos dois anos trouxeram mudanças profundas nas pessoas, nas organizações e na sociedade. Não é possível continuar a agir como se nada tivesse acontecido. A resiliência pressupõe que se supera e se fica mais robusto face à adversidade.