José Luís Jacinto
ISCSP-ULisboa
As organizações enfrentam, como sempre, o imperativo da mudança e, como nunca, o desafio da diversidade. Quando, a uma velocidade inusitada, tudo muda à nossa volta – tecnologias, processos, ideias – como acompanhar a mudança? Quando acolhemos tanta diversidade nas organizações, como criar e manter um “nós”?
Se se muda tudo, não se muda a organização, muda-se de organização. Só muda aquilo que se mantém, com uma identidade que perdura. Por isso, interessam-nos organizações duradouras, que criam uma cultura organizacional que promove a mudança, não como uma decisão, mas como um processo. Não com a vontade de um, mas com a de todos aqueles que partilham um mundo comum.
A organização que consegue mudar assim deixa de ter caráter multicultural e torna-se transcultural. Porque as diversas culturas dos membros da organização passam a tocar-se e porque daí emerge algo de novo.
Como se dá essa transformação? Quando o sentido do que se faz é a recompensa, como promete o líder transacional, faz-se o que se faz, não pelo que se faz, mas pelo que se recebe em troca. Não chega. Não chega para fazer a diferença.
Para fazer a diferença tem de se tocar fundo nas pessoas. Tem de se aliar ao discurso racional um processo que mexa com as suas emoções positivas. Só assim os trabalhadores se transformarão em colaboradores. Porque colaborar, no seu sentido literal, significa laborar em comum. Ora, para que não seja só atividade laboral, para que, muito mais do que isso, seja verdadeira comunidade de trabalho, é necessário que se encontre sentido no labor em comum.
Sentido é a palavra chave. O sentido das coisas, do trabalho, da organização, é um conjunto de normas, de tradições, de valores, de ideias. E também de sonhos e de emoções. Esses sentidos, socialmente construídos, dão um significado à vida e à convivência. E apontam um sentido, porque têm um caráter prospetivo, virado para o futuro.
No mundo em que vivemos, no qual o medo de mudar e o medo de não mudar são as duas faces da mesma moeda, a da insegurança e da angústia, um sentido é a única fonte de esperança. Porque, dotados de um sentido para o que fazem, alimentam a crença mais importante para todos os seres humanos, seja qual for a sua origem: a de que o dia de amanhã será melhor, para si e para os seus, do que o dia de hoje.
Por isso, quem sabe construir sentidos, dá nova vida à organização. Energiza o grupo. Forja comprometimento. Faz com que todos acreditem no que estão a fazer. E assim se fará a diferença.
Ora, para acreditar é indispensável uma compreensão. E para que os seres humanos compreendam, não há nada melhor do que uma narrativa. Um princípio, um meio e um fim. Um enredo.
Nada o demonstra melhor do que a história que se conta de um carteiro exemplar. Todos os dias ele se apresentava em casa das pessoas, acompanhando a correspondência com um sorriso e palavras amigas. Fizesse chuva ou sol, temporal ou calmaria, nada beliscava a sua transbordante simpatia. Até que um dia lhe perguntaram: – Como se explica toda essa felicidade numa pessoa que tem de andar sempre no meio da rua, pesadamente carregada, sem ganhar nada de especial, só para entregar cartas? A resposta do carteiro não deixou dúvidas: – Não me vejo como alguém que entrega cartas. Não! Sou, entre as pessoas, o elo de ligação. Transmito notícias entre familiares, confidências entre parceiros, emoções entre amantes. Sem mim não havia comunicação. Na verdade, eu sou mesmo a pessoa mais importante desta comunidade. É por isso que me sinto feliz a fazer o que faço.
Veja-se como os factos são diferentes do sentido de que podem ser dotados: o carteiro efetivamente entrega cartas, é um facto; no entanto, construiu um sentido para o seu trabalho. E, assim, deu-lhe um significado profundo: via-se como uma ponte entre todas as margens.
É disto que precisa a organização que descrevemos, aquela em que a mudança é um processo contínuo e em que a diversidade é um trunfo. Um líder-carteiro, ponte entre todas as margens. E que, tal como o carteiro da história, seja capaz de construir sentidos. Sentidos sobre a organização, sobre a sua natureza e o seu propósito. Sentidos sobre o trabalho e sobre a convivência entre todos os membros da organização. Colaboradores, enfim, verdadeiramente colaboradores. Dispostos a dar o melhor de si mesmos como quem serve uma causa.
O líder-carteiro combina, por isso, os dois instrumentos mais preciosos para as novas organizações. Esses instrumentos, próprios dos líderes verdadeiramente grandes, são o storytelling e o sensemaking. Com um líder assim dotado, a organização e cada um dos seus membros podem, juntos, enfrentar o futuro com esperança.